A cerca de 160 quilômetros de Damasco, a capital síria, uma atmosfera de intimidação e apreensão vai quebrando a aparente tranquilidade em Homs, menos de dois meses após a queda do antigo presidente, Bashar al-Assad. Militantes da coalizão Hayat Tahrir al-Sham (HTS), um aglomerado de grupos salafitas e jihadistas, agora no poder, vão amedrontando outros grupos religiosos.
São numerosos os postos de controle do HTS em Homs. A maioria de seus combatentes cobre o rosto para preservar a identidade. Bandeiras e outros símbolos do Estado Islâmico são vistos com frequência, em veículos e uniformes, intimidando velhos opositores.
“Não há um toque de recolher formal, mas temos medo de sair nas ruas depois que escurece”, afirmou a Abdullah Hussem, 29 anos, morador de Zahra, um subúrbio alauíta da cidade. “Eles me disseram esperar que Deus tenha piedade de mim, por ser alauíta. Deram-me um papel escrito à mão, improvisado, que se tornou a minha única identificação. Estou preso aqui, tenho medo de tentar sair com esse documento e ser preso por eles mesmos.”
Hussem serviu como soldado no antigo Exército sírio, nos tempos do governo Assad. Com a chegada do HTS, teve que passar pelo chamado “processo de reconciliação” (taswia, em árabe), que inclui a entrega de carteiras militares, armas e uniformes em locais determinados pela milícia vitoriosa.

Na terceira maior cidade da Síria, o controle mais pesado é sobre a população alauíta, fortemente associada ao antigo regime: a família Assad e seus principais lugares-tenente eram originários dessa ramificação islâmica, uma dissidência mais moderada dos xiitas. Agora tudo mudou e seus seguidores enfrentam represálias do novo grupo no poder, uma variável mais radical do muçulmanismo sunita.
Munzer al-Jani, vendedor de madeira em Zahra, também contou à reportagem do Opera Mundi que foi abordado de forma agressiva por um dos combatentes do HTS:
– Para lidar com o HTS, é preciso escolher as palavras certas. Fui ameaçado, um deles segurou uma arma contra a minha cabeça. Acredito que essa tenha sido uma conduta individual, mas não os culpo pelo extremismo, só conheceram um jeito de praticar a fé. Temos que ser tolerantes, porque é o único jeito de sobrevivermos e continuarmos aqui.

Perseguições em Homs
A caça às bruxas inclui, além de perseguições, desaparecimentos forçados promovidos por incursões armadas aos bairros de maioria alauíta. Um dos casos é o do primo de Yahya Khaked, morador de Zahra, ouvido pela reportagem:
– Combatentes do HTS, no dia 3 de janeiro, entraram armados e esvaziaram os prédios, obrigando os moradores a ficarem na rua enquanto revistavam nossas casas. Mesmo após as buscas, uns 50 homens foram selecionados para permanecer do lado de fora. Receberam socos e chutes, antes de serem levados pelo grupo. Um dos que sumiram é meu primo, de 21 anos. A família não tem notícias de seu paradeiro desde então.
O irmão de Fatima Ahmad, morador do bairro de Wadi al-Dahab, teve destino semelhante. Por volta das 8h do dia 2 de janeiro, quatro membros do HTS invadiram o apartamento da família e o levaram. A senhora de 56 anos, visivelmente emocionada, pediu para não ser identificada por medo de retaliação. “Não tenho notícias do meu irmão há duas semanas”, relatou.” Abordei um membro do HTS no dia 11 para perguntar onde ele estava e fui informada de que havia sido levado para interrogatório.”
A violência enfrentada pelos alauítas, em Homs – com ocupação de bairros, constante medo de humilhações e prisões arbitrárias – se soma à perda de empregos e renda e à sensação de vulnerabilidade. De tão forte o pavor, apenas Munzer al-Jani, o vendedor de madeira, autorizou ter seu nome verdadeiro publicado por Opera Mundi.
