No quarto dia do cessar-fogo no Líbano, a comunidade xiita de Dahiyeh, subúrbio de Beirute, teve a oportunidade de enlutar pela primeira vez Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah por 32 anos, morto por bombardeios israelenses no dia 27 de setembro de 2024.
Em vigília noturna em Haret Hreik, centro de Dahyieh, moradores e simpatizantes se agruparam em torno da cratera formada pela sucessão de ataques aéreos que culminaram no assassinato de Nasrallah, quando este se encontrava na sede subterrânea do Hezbollah.
A reportagem do Opera Mundi chegou ao local por volta das 18 horas, horário de Beirute, nesse último sábado, 30 de novembro.
A magnitude dessa cratera evidencia a brutalidade dos ataques israelenses. Tornou-se símbolo físico da destruição do bairro e memorial que acolherá visitas nos próximos seis dias. Seu entorno foi adornado com velas e fotos do líder guerrilheiro, além de bandeiras da Palestina, do Líbano e do próprio Hezbollah. No centro, um toldo branco foi ornamentado com luzes saindo do local da morte e direcionadas ao céu.
Quando chegamos, moradores de Dahiyeh entoavam saudações a Nasrallah. As preces também se dirigiam a Hussein ibne Ali, neto de Maomé, figura de extrema importância para o islamismo xiita. Morto e decapitado na Batalha de Carbala, em 680 d.C, por tropas do Califado Omíada, de orientação sunita, o descendente do profeta islâmico transformou-se em símbolo de martírio, de quem morre lutando por uma causa, honra sagrada na fé islâmica.
Nasrallah foi um dos precursores do grupo de resistência xiita no começo da década de oitenta, após a invasão israelense ao Líbano, e a pessoa de maior importância no seio da organização nas últimas três décadas.
Sua morte aconteceu na mesma semana em que seis outros personagens importantes da organização também foram assassinados em ataques israelenses, entre eles Nabil Kaouk, vice-chefe do Conselho Central do Hezbollah, e Ibrahim Akil, um dos principais comandantes e líder da unidade de elite do grupo, chamada de Forças Radwan.
Masoud Pezeshkian, presidente do Irã, contou a um interlocutor uma história impactante, segundo duas fontes próximas ao governo iraniano. Anteriormente ao assassinato de Nasrallah, os Estados Unidos tinham feito contato com Teerã para informar que um possível acordo com Israel estaria próximo, pedindo ajuda com o Hezbollah. Pezeshkian, entusiasmado, determinou que um alto oficial se reunisse com a cúpula da organização libanesa. Feito esse contato, com uma proposta aparentemente esperançosa, Nasrallah convocou reunião de seu estado-maior – a mesma em que morreria bombardeado junto a vários dos mais ranqueados chefes da guerrilha xiita. “Fui vítima da diplomacia do engano”, confessou, abatido, o presidente iraniano.
A cerimônia da vigília demonstra a proximidade da população civil com o Hezbollah, com as questões políticas e religiosas das pessoas comuns. Revela como o movimento é visto não só como uma força militar, mas igualmente como extensão das vivências e dos desafios diários daqueles que o apoiam. O luto de comunidades inteiras demonstra que o grupo guerrilheiro é parte da identidade libanesa e da luta contra a ocupação sionista.
Após a cerimônia, a noite de sábado terminou em Beirute com barulhos de drones israelenses sobrevoando a cidade, escancarando novamente a fragilidade do cessar-fogo em vigor desde o dia 27 de novembro.