Terça-feira, 13 de maio de 2025
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Diversos confrontos armados foram registrados nesta semana em cidades de maioria drusa nos arredores de Damasco, na Síria, entre um grupo armado não identificado e o movimento Homens da Dignidade (Men of Dignity), a maior força organizada drusa do país, resultando em dezenas de mortos e feridos.

Os combates começaram após a circulação de um áudio nas redes sociais, na segunda-feira (28/04), em que um indivíduo supostamente druso estaria proferindo insultos ao profeta Maomé. A repercussão do áudio gerou uma onda de indignação em todo o país. Em várias cidades sírias, manifestantes foram às ruas exigindo violência contra o grupo, entoando louvores ao profeta e ameaçando invadir Sweida, principal cidade drusa da Síria.

Após um dia inteiro de tensões, um grupo armado tentou entrar nas cidades de Jaramana e Sahnaya, próximas à capital. Ainda não foi confirmado se o grupo em questão pertence ao aparato de Segurança Geral, ao chamado Novo Exército Sírio ou se é apenas uma milícia informal.

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Ahmad, de 33 anos e morador de Sahnaya, disse a Opera Mundi que, na noite de terça (29/04) para quarta-feira (30/04), a cidade foi atacada pela segunda vez em dois dias. “Eles (os membros do grupo armado) se reuniram em cima do prédio do banco árabe da cidade e começaram a atirar nas pessoas”, contou o sírio. “Os confrontos continuaram durante toda a noite até o início da manhã, com tiros, explosões, armas pesadas. Às 12h (horário local) disseram que o conflito tinha acabado. Mas, 10 minutos depois do suposto acordo, os combates recomeçaram”.

Protestos drusos contra Assad na cidade de Sweida em 2023
Rami Hussein

Novo governo sírio falha

Em um comunicado oficial divulgado na quarta-feira, o diretor de segurança da região rural de Damasco anunciou que forças estatais começaram a se deslocar para Sahnaya a fim de proteger civis, mas que “um grupo de fora da lei” continuou a atacar tanto civis quanto agentes do Estado

A linguagem usada pelo governo sugere um afastamento oficial em relação ao grupo responsável pelos ataques, que, embora armado e ativo dentro do território sob seu controle nominal, estaria agora atacando até mesmo as forças do próprio governo.

Isso por que não havia confirmações de que as ações desse grupo armado são coordenadas ou endossadas pelo governo interino sírio liderado por Ahmed al-Sharaa, também conhecido por seu nome de guerra, al-Julani. Al-Sharaa é o líder do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), grupo sucessor da Frente al-Nusra – antiga afiliada da Al-Qaeda que, nas primeiras etapas da guerra civil síria (2011–2017), chegou a se alinhar temporariamente com o Estado Islâmico. Foi o HTS quem liderou a coalizão que derrubou o governo de Bashar al-Assad em 8 de dezembro de 2024.

“O que estamos testemunhando na Síria é o fracasso do governo interino de Sharaa em garantir uma transição justa e funcional para o país. Tanto no método quanto na forma, esse período de transição tem sido marcado por muita violência”, afirmou Nizar Ghanem, diretor de pesquisa do Badil, um centro de estudos com sede em Beirute, a Opera Mundi.

Segundo ele, há duas hipóteses sobre essa possível relação: “ou Sharaa está usando esses grupos jihadistas para fazer o trabalho sujo, intervindo em nome do Estado; ou não tem controle sobre eles”. “Talvez seja uma mistura dessas duas opções. Seja como for, está cada vez mais claro que ele não consegue controlar os elementos jihadistas, que agora estão dentro do novo Exército sírio”, afirmou.

Violência contra minorias é constante na Síria após queda de Assad

Desde que o governo interino liderado por Ahmed al-Sharaa assumiu o poder, em dezembro de 2024, os ataques sectários contra minorias se tornaram uma constante na dinâmica interna da Síria. Paralelamente, parece ter se consolidado um padrão de distanciamento por parte do governo em relação aos autores dessas ações, frequentemente rotulados como “grupos não identificados” ou “fora da lei”, ainda que atuem em regiões sob controle nominal da própria administração.

A reportagem de Opera Mundi tem acompanhado o aumento das tensões no país desde janeiro, com ataques especialmente direcionados às comunidades xiita e alauita.

Combates nos arredores de Damasco expõem fragilidades do novo governo sírio
Rami Hussein

Sob pretexto de proteger os drusos, Israel avança sobre a Síria

Os drusos são uma minoria religiosa que representa aproximadamente 3% da população síria. Sua religião tem origem no islamismo, mas ao longo do tempo desenvolveu-se como uma fé distinta, incorporando elementos de diversas tradições religiosas e filosóficas – incluindo o hinduísmo, cristianismo e judaísmo.

A população drusa está concentrada principalmente na Síria, Líbano, Jordânia e Israel – incluindo as Colinas de Golã, território sírio ocupado por Israel desde a guerra de 1967 e anexado em 1981. Hoje, cerca de 20 mil drusos vivem neste local, região de onde muitos sírios foram deslocados após a ocupação de Tel Aviv e onde assentamentos israelenses ilegais foram estabelecidos.

Os drusos também habitam uma faixa mais ampla do sul da Síria além das Colinas de Golã, onde se localiza Sweida, uma área estratégica para Israel por sua proximidade com a fronteira. O movimento Homens da Dignidade, o mesmo envolvido nos confrontos em Damasco, tem sido, ao lado de outras milícias drusas, responsável por proteger áreas majoritariamente habitadas pelos drusos, incluindo Sweida, sobretudo após a retirada do regime de Bashar al-Assad em 2023.

Em Israel, cerca de 150 mil drusos possuem cidadania israelense. Diferente da maioria dos palestinos e de outras minorias no país, a comunidade drusa está sujeita ao alistamento militar obrigatório, e muitos de seus membros servem nas forças armadas israelenses, inclusive nas operações em Gaza e nas guerras travadas contra vizinhos árabes e os palestinos.

Além dos ataques nos arredores de Damasco, desde a queda de Bashar al-Assad, Israel tem expandido significativamente sua ocupação no sul da Síria. Em fevereiro de 2025, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu declarou que Israel não permitirá nenhuma presença do novo governo sírio no sul do país – onde se concentra a maior parte da população drusa da Síria.

De acordo com Nizar Ghanem, o papel assumido por Israel como suposto “protetor de minorias” no Levante faz parte de retórica de propaganda que busca legitimar intervenções militares e reforçar a influência geopolítica israelense na região.