Em 20 de janeiro de 1946, o general Charles de Gaulle, chefe e fundador da França Livre, apresenta-se uniformizado diante dos ministros de seu gabinete e anuncia abruptamente sua demissão da presidência do governo provisório.
No exílio, em Londres, durante a guerra, de Gaulle jamais deixou de lutar para que reconhecessem sua legitimidade sobre a França em detrimento do governo de Vichy do marechal Philippe Petain. Ele mantinha relações tensas com Churchill e era abertamente desprezado pelo presidente Roosevelt.
De Gaulle desembarca na Normandia alguns dias depois de 6 de junho de 1944 – o dia D. A recepção dos moradores de Bayeux foi calorosa o que fez com que seu regresso de Londres trouxesse uma autêntica legitimidade, consolidada com a libertação de Paris em 25 de agosto de 1944.
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No mesmo dia, ao chegar ao Hotel de Ville, de Gaulle é pressionado por Georges Bidault, presidente do Conselho Nacional da Resistência, a proclamar a república. “A República jamais deixou de existir…Vichy sempre foi e segue sendo nulo e sem valor. Eu mesmo sou o presidente da República. Por que iria proclamá-la?”, respondeu o general.
De Gaulle considerava ilegítima a votação de 10 de julho de 1940, na qual os deputados do Front Popular haviam conferido plenos poderes ao marechal Petain. Negava igualmente qualquer legitimidade republicana na resistência interna chefiada por Jean Moulin. Julgava que era ele, em Londres, quem garantiu a continuidade da República durante todo o período da ocupação nazista.
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Militar vivia intensos atritos com maioria comunista e socialista do Parlamento francês
Como meio de manter a continuidade do estado e preveni-lo de uma revolução comunista, o general não temeu conservar em seus postos funcionários petainistas como Maurice Papon, suspeito de ter comandado as batidas policiais contra judeus e “partisans”. Em 21 de outubro de 1945, os franceses deveriam eleger um novo parlamento para renovar o empossado em 1936. Na mesma ocasião, também deveriam dizer, por referendo, se desejavam uma assembleia constituinte que substituisse a constituição em vigor desde a 3ª República.
Nas legislativas, o PC (Partido Comunista) obtém 26,1% dos votos, fazendo dele o primeiro partido do país. Contando com a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e suas organizações locais, atrai solidamente os meios operários e populares e seduz o meio intelectual. A SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária) reúne os socialistas e recolhe 24,6% dos votos. Do outro lado, o MRP (Movimento Republicano Popular) reúne os eleitores de tendência democrata-cristão. Torna-se o segundo partido do pleito com 25,6% dos sufrágios. Em conjunto, a SFIO, os comunistas e os radicais compõem uma esmagadora maioria na nova assembleia.
Reconduzido à chefia do governo em novembro de 1945, de Gaulle hesita em conceder um grande ministério aos comunistas, mas acaba cedendo e entrega a Defesa ao MRP e Armamentos ao PC. As relações rapidamente se tornam tensas entre a Assembleia, imbuída de legitimidade eleitoral, e o prestigioso chefe de governo que não suporta ser desafiado em sua autoridade. Ao anunciar sua renúncia e retirada, de Gaulle esperava, sem dúvidas, que seus aliados do MRP trabalhassem pela sua recondução. “Je fous le camp !” (estou caindo fora, em francês), disse na ocasião.
Quanto ao referendo, 96% dos eleitores exprimiram seu desejo por uma nova constituição. A Assembleia submete ao voto popular um texto de forte conotação marxista, mas, em 5 de maio de 1946, ele foi rejeitada por grande maioria.
Uma segunda Assembleia Constituinte é então eleita, dando o primeiro lugar, com 28% dos votos, ao MRP. O novo projeto de lei previa um presidente eleito por um colégio eleitoral e duas assembleias legislativas: a Assembleia Nacional e um Conselho da República com poderes restritos. Apesar das críticas feitas por de Gaulle ao novo texto, a Constituição é adotada no referendo de 13 de outubro de 1946.