Em 29 de dezembro de 1937, o primeiro-ministro irlandês Éamon De Valera, líder do partido Fianna Fáil (“soldados do destino”), promulga uma constituição republicana para a Irlanda – até então, uma monarquia associada à Comunidade Britânica. O texto declara o país soberano e independente e não reconhece a soberania do rei da Grã-Bretanha. A nova carta já fora a plebiscito no dia 1º de julho do mesmo ano, e é aprovada definitivamente por 56% da população.
A Constituição Republicana irlandesa substitui a constituição do “Estado Livre Irlandês”, a entidade jurídica criada em 1922 pelo infame Tratado Anglo-Irlandês, patrocinado pelo líder guerrilheiro Michael Collins. O acordo anterior fora denunciado por setores mais radicais, como o Fianna Fáil, principalmente por repartir o território da Ilha da Irlanda entre o Ulster (a Irlanda do Norte, sob controle direto de Londres) e o Éire (o Estado irlandês propriamente dito), além de submeter este segundo à Coroa Britânica, nos mesmos moldes que ex-colônias como a Austrália e o Canadá.
Em 1932, o Fianna Fáil chega ao poder democraticamente e começa a preparar o terreno para revogar o tratado na prática, senão de direito. O Dáil (parlamento irlandês, na época unicameral) aprova paulatinamente diversas provisões que anulam termos mais submissos do acordo, como a figura do governador-geral (representante direto do rei) e referências ao juramento de lealdade à Coroa.
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Éamon De Valera foi primeiro-ministro da Irlanda e quem promulgou a constituição republicana
No final de 1936, a abdicação repentina do rei Eduardo VIII gera o clima propício para rever a relação entre Dublin e Londres. A constituição de 1922 já não reflete a teoria da “autoctonia constitucional” defendida por De Valera, e começam os estudos preparatórios para a elaboração de um novo texto.
Para adotar um substituto, o governo de De Valera nomeia alguns assessores especializados (submetidos ao departamento de Assuntos Externos, cargo acumulado pelo próprio primeiro-ministro) que trabalham no texto constitucional em duas línguas simultaneamente: inglês e gaélico (também chamado de “irlandês”). Como as duas comissões operam ao mesmo tempo em trechos distintos, traduzindo-se mutuamente, o resultado é que, até hoje, alguns trechos da constituição se contradizem nos dois idiomas. Sempre que há conflitos, prevalece o valor do texto em gaélico.
Antes de ser apresentada, a minuta é enviada ao Vaticano para revisão, refletindo o forte catolicismo da nação irlandesa, que desconfiaria de um aval feito pelos britânicos e, como referência externa, preferia Roma a Londres. De volta a Dublin, o texto é aprovado pelo Dáil em 14 de junho de 1937, onde enfrenta a rejeição pelos partidos Fine Gael e Trabalhista, além dos Unionistas (defensores da união entre a Irlanda e a Grã-Bretanha).
Com a nova constituição, a Irlanda passa a ter um presidente e se retira da Commonwealth. A República da Irlanda seria oficialmente proclamada em 18 de abril de 1949.
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*) Publicado originalmente em 29 de dezembro de 2009.