Atualizada 23/04/2018 às 10:04
Após duas décadas de revoltas operárias e lutas sindicais, que custaram a vida de numerosos trabalhadores, a lei da jornada de oito horas é aprovada pela Assembleia Nacional francesa em 23 de abril de 1919. Somente passou a ser aplicada dois anos depois.
Em 1912, um cartaz sindical da CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores da França) mostrava os ponteiros de um despertador dividido em três. Lê-se: “Nós exigimos os 'três oitos' – oito horas de trabalho, oito horas de lazer e oito horas de descanso”. O slogan logo ganhou popularidade. Era levado à frente de todas as manifestações que iriam sacudir as ruas na alvorada do século XX. Esta longa marcha exigia fundamentalmente respeito a um repouso decente.
Múltiplas batalhas e sofrimentos percorreram esses anos de reivindicações. “Trabalhemos menos, vivamos enfim!”; “Vamos arrancar essas oito horas”.
Veja abaixo alguns capítulos da trajetória dessa luta durante os séculos XIX e XX, e não estranhe se notar semelhanças com muitos discursos utilizados nos dias de hoje, quando esse direitos voltaram a ser atacados, tendo como epicentro a atual crise econômica europeia:
Em 12 de março de 1848, uma lei da III República reduzira a onze horas a jornada de trabalho: “Porque um trabalho manual assaz prolongado arruína não somente a saúde mas também impede o trabalhador de cultivar sua inteligência e atenta contra a dignidade do homem”.
Em 1850, Napoleão III revogaria de uma penada esta lei progressista. Em 1860, cumpria-se ainda 14 horas de trabalho por dia. As lutas que eclodiram por toda a parte nesta década conseguiram aliviar o peso das horas a 12 em 1870.
No entanto, o patronato não aplicava a lei. “O trabalho em nossas fábricas, cumprindo os hábitos de nossas belas comarcas, sempre começou às 5h da manhã, descanso das 12h às 12h15 e término às 19 horas. Isto sem que a saúde de nossos operários tenha jamais sido alterada. Ademais, seria temerário para a sua moralidade se nos os liberássemos de duas horas à noite. Por outro lado, teríamos muito a temer sobre o futuro de nossas empresas. Vocês sabem, elas vivem com grandes dificuldades. Se nós reduzirmos a jornada de trabalho a 12 horas, nossas empresas não seriam mais sustentáveis. Seríamos obrigados a transferir nossas fábricas para o estrangeiro onde a mão-de-obra é mais razoável!”. Esta declaração veio do patronato das usinas siderúrgicas de Allevard em Isère, horrorizado com a redução da jornada de 14 para 12 horas em 1872, e que se estenderia basicamente até os dias atuais.
NULL
NULL
No sábado de 1º de maio de 1886, em Chicago, uma violenta greve cerrou os portões de 12 mil empresas da cidade. A reivindicação se anunciava: “We want eight hours!”. O movimento prossegue até 3 de maio e a revolta eclode. A polícia atira na multidão. Três anos mais tarde, a II Internacional decidiria em Paris fazer do 1º de maio, em homenagem aos trabalhadores de Chicago, “uma jornada de luta em todo o mundo”.
Os 1ºs de maio que se seguiram foram sangrentos, como o de Viena em 1890. À custa de lágrimas e sangue, em Lyon, em 1906, e ao cabo de intermináveis greves, os tecelões de sede passaram a trabalhar 11 horas em vez de 14.
Wikimedia Commons
Convocação de greve em 1909 em favor da jornada de trabalho de 8 horas diárias
Foi necessário esperar a aprovação e publicação no Diário Oficial da lei de 23 de abril de 1919 que reduzia a oito horas a jornada diária de trabalho sem redução de salário. Na maior parte das empresas, os termos da lei só seriam aplicados a partir de 1921.
Em 1925, um estudo informou que, malgrado a lei, um terço dos assalariados ainda cumpria 10 horas de trabalho diariamente. A propósito da duração do trabalho, convém lembrar que a lei do repouso semanal remunerado data de 13 de julho de 1906 e que ainda hoje, numerosos trabalhadores lutam para impor respeito a uma lei de mais de 100 anos.
“Estava completamente desorientado. Pela primeira vez em minha vida, não trabalhei nem no sábado nem no domingo!”. Esta declaração de Antoine Seren, um operário das aciarias de Ugine, diz muito sobre a ruptura nas condições de trabalho decorrente dos Acordos de Matignon em 1936 que estabeleceu a jornada semanal em 40 horas depois das intensas manifestações do Front Populaire. Foi batizada jocosamente como “a semana de dois domingos”, pelo tanto que a novidade trazia de tempo livre e de sol à condição operária.
Ao lado do descanso remunerado e das convenções coletivas, a redução da jornada foi uma das mais belas conquistas da classe operária. Entretanto, em 12 de novembro de 1938, argumentando que a guerra se aproximava, o governo Daladier promulgou uma série de decretos-leis, logo chamados de “decretos miséria”, que atingiu todas essas conquistas, notadamente a semana de 40 horas. “Esta lei de preguiça e de traição nacional foi responsável por todos os males da economia. Nós não podemos ter uma classe operária ‘com dois domingos’ ao lado de um patronatao que se mata para fazer o país viver”.