Atualizada em 07/06/2018 às 12:46
No dia 8 de junho de 2007, morreu o filósofo norte-americano Richard McKay Rorty, célebre por expor uma ampla compreensão da tradicional filosofia analítica e por, em seguida, rejeitá-la em favor de uma noção própria de pragmatismo.
Questionou uma visão representacionista do conhecimento, ou, em outras palavras, “o espelho da natureza” que a história da filosofia ocidental herdava de Platão. Em resposta às teorias visuais, defendeu uma nova forma de pragmatismo, comumente classificada de neopragmatismo. Nela, métodos científicos e filosóficos são apenas um conjunto de “vocabulários contingentes”, abandonados ou adaptados de tempos em tempos de acordo com sua utilidade perante convenções sociais. Em seu pensamento, o abandono da explicação representacionista levaria a um estado mental chamado “ironismo”, no qual as pessoas estariam plenamente conscientes da contingência de seu lugar na história e de seu vocabulário filosófico.
Nasceu em 4 de outubro de 1931, em Nova York. Seus pais eram ativistas, escritores e social-democratas. Em um obituário dedicado a Rorty, o filósofo Jürgen Habermas ressaltou que seu colega, em sua curta autobriografia Trotsky e as Orquídeas Silvestres, enfatizava a influência do pensamento socialista ao mesmo tempo em que destacava seu interesse por orquídeas selvagens, algo, a seu ver, “sem utilidade social”. A partir daquela época, seu objetivo na filosofia foi encontrar um equilíbrio entre duas tendências opostas: a defesa da pureza intelectual no estilo de seus pais e a contemplação da beleza pura.
Rorty matriculou-se na Universidade de Chicago aos 15 anos, onde se diplomou e recebeu o grau de mestre em filosofia. Mais tarde, obteve o título de PhD em filosofia pela Universidade Yale. Casou-se com a acadêmica Amelie Oksenberg em 1954, com quem teve um filho. Após dois anos no exército, leciona no Wellesley College até 1961. Em 1972, divorcia-se e se casa com a ativista Mary Varney, com quem teve outros dois filhos. Enquanto Rorty era um “ateu convicto”, Mary era uma “mórmon praticante”. Foi um querido professor de filosofia da Universidade de Princeton durante 21 anos. Lá também conquistou o título de professor emérito de literatura comparada.
Sua dissertação de doutoramento, “O Conceito de Potencialidade”, e seu primeiro livro, The Linguistic Turn (1967), fundamentavam-se na filosofia analítica. No entanto, foi se identificando gradualmente com o pragmatismo, cujos fundamentos expôs em Filosofia e o Espelho da Natureza (1979). Rorty foi um pensador prolífico e combativo. Definia a si próprio como um neopragmatista porque defendia que o termo experiência fosse substituído por linguagem, palavra mais adequada para expressar o holismo e o antifundacionismo.
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A partir do final dos anos 1980, centrou-se no estudo das obras de Nietzsche, Heidegger, Foucault, Lyotard e Derrida. Chegou a ser classificado como um filósofo da escola pós-moderna ou desconstrucionista. As obras desse período incluem Contingência, Ironia e Solidariedade, Ensaios sobre Heidegger e outros: Artigos Filosóficos (1991) e Verdade e Progresso: Artigos Filosóficos (1998). Essas duas obras buscaram eliminar a dicotomia entre a filosofia análitica e a europeia, afirmando que as duas tradições se complementam.
Considerava que o eu e o mundo não podem ser descritos em termos essenciais. Eles são antes produzidos por uma série de crenças e desejos denominados vocabulários. A verdade não está “fora” da linguagem, pois uma crença (que pertence à linguagem) só pode ser justificada por meio de outra crença (que também pertence à linguagem). O domínio exterior à linguagem é formado por causas, não por razões. O fato de estarmos em relações causais com o mundo não envolve representações em sentido tradicional. Assim, a mudança de um vocabulário para outro não tem necessariamente uma explicação racional. Novas metáforas que substituem as antigas são causas, não razões para mudanças de crenças.
A partir daí, podemos concluir que não há uma visão privilegiada do mundo, capaz de nos fornecer condições para estabelecer relações seguras entre as coisas e nossas crenças a respeito delas. Não pode haver controle dessas crenças com base em estímulos físicos ou extra-linguísticos (o mundo e o ego estão definitivamente perdidos). O ego é uma teia de crenças e desejos sem centro que estão continuamente mudando através de um processo de constante “re-tecer”. Trata-se de um processo que se dá através da percepção, da inferência e da metáfora. O choque produzido pelas metáforas nos leva a “re-tecer” os padrões de nossas crenças para que possamos usá-las ao lidar com as coisas ao nosso redor.
Nos últimos anos de vida, continuou a publicar trabalhos intensamente. Entre seus últimos livros destaca-se Achieving our Country (1998), um manifesto político em que defendia a ideia de uma esquerda progressista e pragmática contra aquela que considerava derrotista, anti-liberal e anti-humanista, personificada por figuras como Nietzsche, Heidegger e Foucault. Suas derradeiras obras focaram sobre o lugar da religião, de comunidades liberais e da “política cultural” na vida contemporânea.
O neopragmatismo rortyano é uma forma de naturalismo. Argumenta que a filosofia moderna acerta ao abandonar a visão de mundo religiosa, mas erra ao substituir a noção de Deus pela de verdade objetiva. Busca superar essa deficiência mostrando que o domínio da justificação está na prática social. Normas provêm da sociedade e não da natureza. Somos seres biológicos num mundo natural e nossa linguagem é um instrumento para lidar com esse mundo para atingir nossos propósitos. Nessa perspectiva, a ciência é uma ferramenta eficiente, mas o cientificismo é equivocado.
Dono de um belo estilo, Rorty escreve com clareza, elegância e simplicidade, transmitindo ao leitor uma sensação de clareza racional, associada a uma esperança otimista para com o destino da humanidade. O aspecto mais importante de seu maior legado está no tipo de pragmatismo que propôs, sempre voltado para o futuro e preocupado com formas cada vez melhores de justificação.