Em 10 de setembro de 1963, era lançado nos Estados Unidos o primeiro número da revista em quadrinhos X-Men, pela editora Marvel, dando início à saga dos mutantes que se tornaram os personagens mais populares do gênero de super-heróis nas décadas de 1980 e 1990.
Na mesma época, os Estados Unidos se encontravam em meio aos protestos dos movimentos pelos direitos civis e na luta contra a segregação racial. Treze dias antes do lançamento da revista, o pastor e ativista social negro Martin Luther King havia proferido o histórico discurso “I Have a Dream” (Eu tenho um sonho), em que pregava um país onde todos os cidadãos, independente de raça ou origem, pudessem conviver pacificamente nas mesmas condições.
E essa temática racial estava evidente em X-Men, um grupo de jovens que possuíam dons únicos e especiais mas que, ao contrário dos demais superseres do universo Marvel, não adquiririam seus poderes através de um acidente – simplesmente nasceram com eles, através de mutações. Por essa razão, essas pessoas chamadas de mutantes sofriam forte discriminação, eram vítimas de perseguições mortais e precisavam viver escondidos caso suas habilidades fossem reveladas.
O gibi nº1 começa quando um poderoso telepata mutante chamado Charles Xavier recruta jovens para treiná-los a usarem seus poderes na luta por seu grande “sonho”: um mundo onde os mutantes pudessem viver pacificamente em coabitação harmoniosa com os humanos.
A inspiração de Xavier em Luther King é clara e proposital – assim como o antagonista, Magneto, um judeu que viveu os horrores do campo de concentração nazista de Auschwitz antes de descobrir seu controle sobre o magnetismo – tinha sido inspirado em parte por Malcom X, outro importante ativista negro, criticado por possuir um discurso mais radical.
Na história, Magneto tomou uma base soviética de mísseis em um país fictício e Xavier enviou seus cinco alunos, a equipe original dos X-Men, para combatê-lo.
A muito custo, esses cinco jovens, todos norte-americanos (Scott Summers, o Ciclope; Hank McCoy, o Fera; Warren Wortington III, o Anjo; Robert Drake, o Homem de Gelo; e Jean Grey, a Garota Marvel) venceram. Mas não sem antes perceberem que, não importa o quanto praticassem o “bem”, sempre seriam temidos e odiados por aqueles que eles juraram proteger. No universo Marvel, os mutantes sempre são vistos como aberrações pela maioria da população norte-americana, e são constantemente alvos de grupos de extermínio comandados por humanos com o objetivo de “purificação genética”.
Mais do que as histórias simples e até ingênuas do início, outra das chaves para o sucesso dos X-Men é a concepção dos super-heróis mutantes. Nos anos 1960, em plena Guerra Fria, o risco de uma guerra nuclear era real, e causava medo na população norte-americana.
Os X-Men, “filhos do átomo”, foram fruto de uma geração passada, exposta a maiores níveis de radicação, o que provocou as mutações.
Chez Comics/Jack Kirby/Wikimedia Commons
Em 10 de setembro de 1963, era lançado nos Estados Unidos o primeiro número da revista em quadrinhos X-Men
Ao longo da décadas, as histórias sobre o conflito entre humanos e mutantes serviu como metáfora para a luta das minorias, especialmente nos próprios Estados Unidos.
Além do racismo, as histórias abordaram temas como antissemitismo, minorias, diversidade sexual, fanatismo religioso e até mesmo o macarthismo e o anticomunismo.
Por outro lado, há correntes de pensadores que interpretam as iniciativas de Xavier como um ato conservador e antirrevolucionário, para frear as mudanças que Magneto implementaria na sociedade branca e capitalista. Mas atualmente “X-Men” trata-se, acima de tudo, de um empreendimento editorial muito bem sucedido e com fins puramente comerciais.
Sucesso tardio
Entre 1961 e 1963, a indústria de histórias em quadrinhos nos Estados Unidos vivia seu ápice criativo, com a ascensão da Marvel e a criação de personagens heroicos que encantavam tanto pelos poderes e histórias de ação quanto por suas características e tramas mais humanas e próximas da realidade.
O exemplar marcava também mais uma linha de personagens de sucesso da dupla de autores, Stan Lee (roteiros e concepção) e Jack Kirby (desenhos).
Nesse intervalo de dois anos, eles criaram uma série de personagens lendários, que transforaram a Marvel de uma pequena editora de quadrinhos (por décadas especializada em títulos de terror) em uma das duas gigantes do lucrativo ramo de super-heróis, ao lado da já consagrada DC Comics, de Superman e Batman.
Juntos também criaram o Quarteto Fantástico (novembro de 1961), Hulk (abril de 1962), Homem Aranha (agosto de 1962), Homem de Ferro (março de 1963), além da versão contemporânea do deus nórdico Thor (agosto de 1962).
No mesmo mês de outubro de 1963, Lee reuniria alguns desses heróis para formar a superequipe dos Vingadores. De lambuja, Lee ainda criaria depois o Demolidor (1964) e o Surfista Prateado (1966), entre outros. Kirby, por sua vez, foi co-criador do Capitão América na década em 1941 – personagem que seria ressuscitado alguns meses depois para estrelar nos Vingadores.
Mas, ao contrário destes outros heróis, os X-Men demoraram a fazer sucesso. Lee só escreveu as 19 primeiras edições e , em 1970, após baixas vendas, a série parou de produzir material original e ficou por cinco anos apenas republicando histórias antigas.
A história da franquia mudou radicalmente em 1975, com o lançamento da Giant-Size X-Men.
As histórias ganharam em dinamismo e subiram de padrão graças ao trabalho do roteirista Chris Claremont, que escreveu o título por 16 anos contínuos (com retornos sem o mesmo brilho).
A revista apresentava uma equipe totalmente nova, à exceção de Ciclope, formada por integrantes de várias partes do mundo, de diferentes etnias: o russo Colossus, o irlandês Banshee, o nativo norte-americano Pássaro Trovejante (que morreu na segunda missão), a afro-americana Tempestade, o japonês Solaris (que abandona na segunda missão), o alemão Noturno (que possuía forma diabólica mas de caráter pacífico e religioso) e o canadense Wolverine.
Muitas podem ser as razões para explicar o carisma de Wolverine, que se tornou um dos principais personagens da série de revistas: seu caráter impulsivo e selvagem, os instintos animais, postura politicamente incorreta, características físicas fora do padrão do herói galã (é baixinho, narigudo e usa costeletas) e, também, o fato de que, ao contrário dos outros heróis, eventualmente utilizava suas garras de adamantium (o metal mais resistente do universo Marvel) para matar.
A rivalidade que possuía com o líder de campo da equipe, Ciclope, um bom moço obediente a Xavier, moralista e com perfil autoritário, sempre foi um contraste interessante e fonte para boas histórias. Assim como seu amor secreto por Jean Grey – namorada de Ciclope. É comum a todo fã de quadrinhos de heróis ter se identificado com o personagem em alguma fase da adolescência.
Em 1981, o título foi renomeado para “Uncanny X-Men” (“Fabulosos X-Men“, no Brasil). Nos anos 1990, os títulos relacionados aos mutantes lideraram, de longe, por muitos anos, o ranking de vendas dos quadrinhos – de dez a quinze títulos estavam entre os 25 mais vendidos.
Outras equipes como Excalibur (versão britânica e mística dos mutantes) X-Factor (equipe patrocinada pelo governo) e Novos Mutantes/X-Force (equipe juvenil), e personagens se multiplicaram. Em 1991, o lançamento da revista X-Men Volume 2 nº1, na saga que marcava o fim da era Claremont, bateu o recorde de 8,1 milhões de exemplares encomendados e entre 3 a 4 milhões vendidos.
Em 2000, a franquia conseguiu, com sucesso, ser lançada nos cinemas, quebrando o tabu de fracassos da Marvel nas telonas e iniciando uma nova fase de megassucessos de filmes inspirados em heróis de quadrinhos – que serviram também como tábua de salvação para a crise criativa que afeta Hollywood.
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.