Terça-feira, 13 de maio de 2025
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Desde o dia 30 de abril, o mundo inteiro passou a conhecer melhor a história de O Eternauta, através da série que estreou nesse dia no serviço de streaming Netflix e rapidamente se tornou um dos maiores sucessos da plataforma a nível mundial.

O Eternauta é uma trama sobre um grupo de pessoas que lida com uma nevasca tóxica e letal caindo sobre a cidade de Buenos Aires, e as causas e consequências relacionadas a esse primeiro ato. A série é protagonizada pelo ator Ricardo Darín, em elenco que também traz Carla Peterson, César Troncoso, Ariel Staltari, Andrea Pietra, Orianna Cárdenas, Marcelo Subiotto, Mora Fisz e Claudio Martínez Bel nos papeis mais importantes.

A história tem origem em uma revista semanal publicada na Argentina durante os Anos 50. Entre 1957 e 1959, o semanário Hora Cero trazia uma página inteira de O Eternauta, escrita por Héctor Germán Oesterheld e desenhada por Francisco Solano López.

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Nos Anos 60, a obra se tornou um livro de culto para os fãs de quadrinhos, com suas metáforas sobre regimes totalitários a partir daquela premissa sobre um grupo de argentinos tentando lidar com o que estava por trás daquela neve tóxica.

No entanto, essa metáfora cobrou um preço para Oesterheld e sua família, que acabou sendo quase toda ela vítima da violência política de um regime totalitário de direita, parecido com o que ele descreveu em suas histórias.

Capa de uma das edições de ‘O Eternauta’, no idioma original
La Izquierda Diario

Montonero

Durante os Anos 70, Oesterheld incrementou sua atuação política, já expressada nos quadrinhos – na década anterior, se notabilizou por algumas biografias de argentinos de esquerda, como La Vida del Che (1968), sobre o médico e guerrilheiro Ernesto Che Guevara, e Vida y Obra de Evita Perón (1970), sobre a líder peronista falecida em 1952 e considerada ícone do trabalhismo no país.

Ambas as obras, assim como outras sobre figuras progressistas argentinas e mundiais, foram realizadas em colaboração com o ilustrador Alberto Breccia e seu filho, Enrique Breccia.

Em 1973, o escritor decidiu se unir ao grupo guerrilheiro Montoneros, que defendia a criação de um estado socialista em seu país, através da “Revolução Argentina”. Também ingressaram à organização suas quatro filhas: Estela (então com 21 anos), Diana (20), Beatriz (18) e Marina (16).

Os ideais que levaram Oesterheld a tomar a decisão de se juntar à causa da Revolução Argentina estão expressos como metáfora no livro O Eternauta II, continuação da história original, produzida novamente em colaboração com Francisco Solana López.

Foto de Oesterheld com suas quatro filhas, nos Anos 60
Arquivo familiar

Sequestro e desaparição

A segunda parte da história foi publicada, ironicamente, em 1976, mesmo ano em que teve início a mais recente ditadura argentina, encabeçada pelo general Jorge Videla, que duraria até 1983.

A obra tornou o escritor uma figura visada pelos setores que tomaram o poder na Argentina naquele então, e o envolvimento com os Montoneros foram a desculpa para que os aparatos repressivos da época atuassem.

Apesar de a família Oesterheld ter passado a viver na clandestinidade a partir do início do regime ditatorial, isso não impediu que, em 27 de abril de 1977, um grupo de agentes da repressão sequestrassem não só o escritor como também suas quatro filhas.

Duas das filhas do autor – Diana e Marina – estavam grávidas e foram capturadas juntos com seus companheiros. Anos depois, Diana foi a única que teve seu corpo encontrado. Todos os demais sequestrados permanecem desaparecidos até hoje.

Ilustração reivindicando o paradeiro de Oesterheld
Revista Feriado Nacional

Avó da Praça de Maio

Elsa Sánchez, esposa e mãe das vítimas, foi a única que conseguiu escapar do operativos ditatorial. Segundo ela, Oesterheld chegou a escrever quase todo o roteiro de O Eternauta III, mas esses rascunhos nunca chegaram a ser ilustrados.

Em 1980, Elsa se uniu ao movimento das Avós da Praça de Maio, que reivindica a identidade dos filhos de presos políticos, os quais tiveram suas identidades roubadas: alguns foram adotados por altos militares ligados ao regime de Videla, outros foram vendidos em um verdadeiro esquema de tráfico internacional de bebês.

A organização das Avós da Praça de Maio foi fundada oficialmente em 30 de abril de 1977 – coincidentemente, três dias depois do sequestro da família Oesterheld.

Em 48 anos de trabalho, elas já recuperaram a identidade de 139 netos. A maioria dos casos desvendados foram de netos que estavam vivendo na Argentina, mas também há casos de identidades recuperadas de pessoas que viviam no exterior, e que foram adotados por casais europeus que os compraram quando ainda eram bebês.

Elsa Sánchez faleceu em junho de 2015, aos 90 anos, ainda sendo militante das Avós da Praça de Maio, apesar de nunca ter conseguido encontrar seus netos, filhos de Diana e Beatriz Oesterheld.

 

Com informações de Blog da Boitempo.