As agências de notícias do dia 20 de agosto de 1940 explodiam em manchetes gritantes: Leon Trotsky acabava de sofrer um atentado mortal. Após lutar pela vida durante 24 horas, faleceu às 19h25 de 21 de agosto, vitimado por golpes de picareta no crânio. O assassino estabeleceu-se no México fazendo-se passar pelo canadense Frank Jackson, mas seu verdadeiro nome era Ramón Mercader, nascido na Espanha. Um dos secretários norte-americanos de Trotsky, Joseph Hansen, relatou a repórteres que o revolucionário russo conhecia pessoalmente o assassino há mais de seis meses.
“Jackson gozava da confiança de Trotsky devido às suas relações com o movimento trotskista na França e nos Estados Unidos. Ele nos visitava com frequência e em momento algum tivemos motivos para desconfiar que fosse um agente da GPU (polícia secreta soviética). Jackson chegou à nossa casa, no distrito de Coyoacán, na Cidade do México, às 17h30 de 20 de agosto. Encontrou Trotsky no quintal e ali mesmo disse-lhe que havia escrito um artigo sobre o qual gostaria de ter sua opinião.
Trotsky naturalmente concordou e ambos se encaminharam para a sala de jantar, onde estava a Sra. Trotsky. Alegando estar com a garganta seca, Jackson pediu um copo d’água. A Sra. Trotsky ofereceu-lhe chá. Jackson agradeceu, mas só tomou um copo d’água”.
Trotsky convidou Jackson a passar para seu escritório. O primeiro indício de que algo de anormal acontecera foi o som de gritos lancinantes e de uma luta violenta. A princípio, os secretários e guarda-costas julgaram que tinha ocorrido algum acidente. Dois deles correram para a sala de jantar, ao lado do escritório. Lá toparam com Trotsky, cujo rosto estava banhado em sangue. Um dos guardas atracou-se com o assassino, que empunhava um revólver, e o outro correu em socorro a Trotsky.
Provavelmente o assassino atacou-o por trás, utilizando uma picareta de gelo, cuja ponta penetrou-lhe o cérebro. Em vez de cair inconsciente como o assassino planejara, Trotsky atracou-se com ele. Enquanto jazia sangrando no chão, disse a Hansen: “Jackson baleou-me com um revólver. Acho que dessa vez é o fim”. Hansen tentou animá-lo, dizendo que o ferimento era superficial e que não poderia ter sido causado por um tiro, já que ninguém tinha ouvido o estampido. “Não, sinto aqui” – e apontou para o coração – “que desta vez eles conseguiram”, respondeu Trotsky.
A 3 de setembro de 1938, numa reunião com 25 delegados de 11 países, Trotsky e seus seguidores fundaram a Quarta Internacional, como alternativa à Terceira Internacional. Trotsky tinha entrado em conflito com Diego Rivera – numa disputa que tinha tanto a ver com as pretensões políticas de Rivera no movimento trotskista, que Trotsky desfavorecia, quanto com a breve ligação de Trotsky com Frida Kahlo, mulher de Rivera – e mudara-se em 1939 para uma casa própria em Coyoacán. A 24 de maio de 1940 sobrevive a um ataque à sua casa por assassinos alegadamente a mando de Stalin.
Tratando-se do assassinato de Trotsky, nenhum testemunho foi tão importante quanto o de Pavel Sudoplatov, à época subdiretor do Departamento Estrangeiro da NKVD, em seu livro “Operações Especiais”.
Adam Jones/Flickr
Leon Trotsky faleceu vitimado por golpes de picareta no crânio
“Stalin franziu o cenho. Tinha o cachimbo na mão, apagado, embora cheio de tabaco. Em seguida, com o jornal do dia no colo, acendeu um fósforo, aproximou o cinzeiro, num gesto que aqueles que o conheciam bem antevia uma decisão crucial. Beria opinou que o Serviço de Inteligência Estrangeiro deveria mudar suas tradicionais prioridades às vésperas de uma guerra de grandes proporções que se avizinhava. Trotsky significava uma séria ameaça para os preparativos de guerra da URSS. Beria sugeriu que me pusessem no comando de todas as operações anti-trotskistas da NKVD, a fim de infligir o golpe decisivo no movimento trotskista. A missão de Sudoplatov consistiria em mobilizar todos os recursos disponíveis da NKVD para eliminar a Trotsky, o ‘pior inimigo do povo’. ‘No movimento trotskista não há figuras importantes além do próprio Trotsky’, interrompeu Stalin. ‘Eliminado Trotsky, a ameaça desaparece’.”
Dito isto, Stalin foi duro ao dizer a Beria, Sudoplatov e poucos outros à sua frente que estava insatisfeito com o atual estado das operações. Stalin ressaltou que a eliminação de Trotsky havia sido designada pela primeira vez a Spiegelgias em 1937 e fracassou.
Ordem
Stalin pôs-se de pé e se empertigou. Em tom baixo, escandindo as palavras, ordenou: Trotsky deve ser eliminado antes que termine o ano e a guerra ecloda imediatamente. E prosseguiu: como prova a experiência da Espanha, sem a eliminação de Trotsky não podemos confiar nos aliados da Internacional Comunista, caso os imperialistas ataquem a União Soviética. Terão grandes problemas para levar a cabo sua tarefa de desestabilizar a retaguarda dos inimigos mediante sabotagens e guerrilhas se tiverem de fazer frente à traidora infiltração dos trotskistas em suas fileiras… A morte de Trotsky teve enormes repercussões negativas no desenvolvimento da Quarta Internacional e o vazio deixado por ele não pode ser preenchido rapidamente.
Stalin tinha dado ordem de assassinar Trotsky e Jotov, encarregado das operações contra este em México, se valeu de dois comunistas catalães, mãe e filho, Caridad e Ramón Mercáder. Dois outros mexicanos de esquerda os ajudaram: o líder sindical Vicente Lombardo Toledano e o pintor David Siqueiros.
Mercader testemunhou posteriormente no seu julgamento: “Pousei o casaco impermeável na mesa de forma a poder tirar a picareta que estava no bolso. Decidi não perder a grande oportunidade que surgiu. No momento em que Trotsky começou a ler o artigo, deu-me a minha oportunidade; tirei a picareta do casaco, segurei-a firme na mão e, de olhos fechados, dei-lhe um golpe terrível na cabeça”.
Trotsky nunca foi formalmente reabilitado pelo governo soviético, tanto durante a desestalinização de Khruschov quanto durante a Glasnost de Gorbatchov, apesar da reabilitação, durante estes dois episódios, da maioria da velha guarda bolchevique morta durante os grandes expurgos de Stalin.
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