Em 3 de Setembro de 1938, num pequeno subúrbio nas vizinhanças de Paris, era fundada, sob a liderança de Leon Trotsky, já então expulso da União Soviética, a IV Internacional. Cerca de 30 delegados, representando 12 países, compareceram ao congresso de fundação, entre eles o brasileiro Mário Pedrosa.
Trotsky considerava o surgimento da IV Internacional a maior obra de sua vida. É de se estranhar, a um exame inicial, que a organização fundada por um punhado de pessoas originárias de outro punhado de países, parecesse a Trotsky um fato de suma importância.
Ainda que egresso do menchevismo, Trotsky fora uma liderança bolchevique importante na Revolução Russa de 1917, tendo presidido inclusive o soviete de São Petersburgo, capital da Rússia à época.
Lênin confia então a Trotsky a formação de unidades militares – que viriam a se chamar de Exército Vermelho – a fim de combater o exército branco e forças militares invasoras de treze países estrangeiros, entre eles as principais potências imperialistas, na Guerra Civil Russa (1918-1922).
Vitorioso, Trotsky, reconhecido como um intelectual de brilho, com ligações com a elite intelectual interna e externa, impõe-se como um dos principais líderes da Revolução Bolchevique, já no comando da nação.
Com a morte de Lênin em abril de 1923, abre-se uma aguda luta interna pelo poder entre os partidários de Trotsky e os de Stálin. Os defensores desse último vencem a queda de braço e o elegem em congresso do Partido Comunista Bolchevique seu secretário-geral. A disputa se acirra, acabando com o exílio e posterior expulsão de Trotsky da União Soviética.
Surgimento da IV Internacional
A importância dada à IV Internacional por Trotsky pode residir na frase inicial do Programa de Transição, manifesto de fundação da organização, de sua autoria: “A crise da humanidade é a crise da direção revolucionária”.
As internacionais anteriores haviam nascido a partir dos movimentos sociais e do fortalecimento dos sindicatos de trabalhadores e de seus partidos. Em particular, a III Internacional teve como berço o triunfo da Revolução Bolchevique de 1917. A IV Internacional, por seu turno, surge em meio à vigorosa presença do nazi-fascismo, ameaça direta aos revolucionários de esquerda em todo o mundo.
Era “meia noite no século” nas palavras do escritor Victor Serge. A humanidade caminhava para a sua maior tragédia: a II Guerra Mundial, sua destruição sem precedentes e seus 60 milhões de mortos.
As forças produtivas existentes já poderiam permitir que toda a humanidade vivesse com dignidade e solidariedade. Todavia, a competição capitalista, na sua fase imperialista, levou as nações capitalistas a lutarem entre si. A Alemanha, derrotada na I Guerra Mundial, emerge fundada numa ideologia racista de extrema-direita.
WikiCommons
Trotsky tinha sido uma importante liderança bolchevique na Revolução Russa, antes de ser expulso da URSS e formar a IV Internacional
Trotsky avaliava no Programa de Transição que as condições objetivas para a revolução permanente já estavam mais do que maduras: a divisão social do trabalho, os progressos da técnica e da ciência e a integração do mundo, promovidos pelo próprio capitalismo, permitiam que o proletariado destruísse esse mesmo capitalismo, tomando o poder e construindo o socialismo em escala mundial.
No entanto, faltavam o que Trotsky designava por condições subjetivas. As organizações principais da classe trabalhadora, seus partidos e sindicatos de massa, segundo ele, estavam sendo dominados por dirigentes políticos que, na prática, não passavam de agentes da burguesia no seio do proletariado.
Argumentava que a social-democracia, organizada em torno da II Internacional desde 1914, havia traído a causa do socialismo quando se recusou a se opor à deflagração da Grande Guerra e nos anos 1930, seu papel era claramente o de contenção da Revolução em troca de migalhas oferecidas pela burguesia aos seus dirigentes.
Por outro lado, que a dominação stalinista da III Internacional trouxera a burocratização e o abandono completo do marxismo, solapando a democracia operária em nome dos privilégios da casta dirigente. Acusou Stálin de se recusar a organizar uma frente única contra o nazismo, deixando que Hitler destruísse a poderosa organização da classe operária alemã em 1933.
Defendia que a crise da humanidade que empurrava o mundo para a II Guerra era fundamentalmente uma crise de direção do proletariado e que o maior obstáculo para a Revolução Mundial eram os dirigentes que permitiam o fortalecimento das diferentes burguesias, seja na forma do nazi-fascismo ou das democracias liberais.
Trotsky sustentava que a construção de uma nova Internacional era uma tarefa para a qual seu esforço individual era necessário, visto que naquela “meia noite no século” o que estava em jogo era a continuidade da herança do internacionalismo proletário e socialista. Costumava citar Lênin: “Quando há um pequeno resto de civilização, é possível reconstruir tudo”.
Depois da guerra e do assassinato de Trotsky, a IV Internacional acabou se dividindo em múltiplas facções de pequena representação social, assumindo seus dirigentes posições sectárias afastadas da realidade política dos países em que estavam presentes.
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.