A escritora norte-americana Toni Morrison, vencedora do prêmio Nobel de Literatura em 1993, faleceu aos 88 anos na última semana em Nova York. Marcada por uma escrita engajada no movimento de raça, classe e gênero, a autora de obras como O Olho Mais Azul, Amada e Canção de Salomão esteve no Brasil no mesmo ano em que foi agraciada com o reconhecimento da Academia Sueca e, a seu pedido, participou de um encontro com diversos integrantes da comunidade negra de escritores de São Paulo.
Oswaldo de Camargo, poeta, escritor e jornalista, esteve com Morrison durante sua estada na capital paulista em 1993. Na ocasião, Camargo afirma que escritores e poetas negros brasileiros almoçaram com a norte-americana no Restaurante Bar Brahma, na esquina da avenida Ipiranga com a São João, e discutiram literatura, racismo, “vigor, arte e vida”.
“Um dos momentos mais importantes da minha vida foi estar com Toni Morrison. Almoçar com ela, tomar caipirinha com ela. Tenho certeza que foi do interesse dela se encontrar conosco e ela quis saber tudo, quem escrevia e o que escrevíamos. Ela ficou muito contente em saber que aqui também havia uma reação ao racismo”, lembra Camargo, que guarda com carinho o exemplar de Amada com o autógrafo da primeira mulher negra a vencer um prêmio Nobel de Literatura.
Camargo ainda destacou a presença de figuras como o poeta Paulo Colina (Mauricio Nascimento)
Para o escritor paulista, Morrison “era alguém que transpôs os muros”, que alcançou uma “realização estética para além do protesto” contra o racismo e as opressões sociais. “Ela é uma lição para o escritor e sua importância é fundamental aqui no Brasil. Pois, por menos contestatória que seja uma obra, só o fato de um negro escrever já é uma contestação, porque o negro ficou em silêncio durante muitos anos”.
Camargo guarda com carinho o exemplar de “Amada” autografado por Toni Morrison (Mauricio Nascimento)
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Camargo ainda destacou a presença de figuras como Paulo Colina, poeta e dramaturgo morto em 1999, que foi o intérprete da Nobel de Literatura durante sua estada em São Paulo. Abílio Ferreira, contista e jornalista, e Cuti Silva, escritor e fundador da série de antologias Cadernos Negros, também estiveram no encontro com Morrison.
“Para nós sempre foi e será um alento e um vigor entrar em contato com um escritor estrangeiro, mesmo que eu não fale uma palavra de sua língua, só de ver o rosto de um escritor negro já é uma comunicação”, afirma Camargo.
Com mais de 15 livros publicados entre romances, poemas e obras de não-ficção, o escritor nascido em Bragança Paulista, interior de São Paulo, afirma que o pensamento presente na escrita de Morrison “vem muito de encontro com o que eu penso como escritor”. “O reconhecimento que ela tem é o que eu gostaria de ter. Um texto sólido, não só pela contestação, mas pela realização estética, pelo encantamento do texto, porque um texto com estética grita muito mais que um grito na praça”, diz.
Para Camargo, a morte de Toni Morrison não deve ser lamentada, pois a obra da norte-americana já pode ser considerada histórica. “Ela ganhou muita repercussão e eu fiquei feliz com isso, em perceber que ela foi reconhecida e, de certa forma, toda a literatura negra também. Sua morte foi o coroamento de uma grande obra”.