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Literatura

Moacyr Scliar narra a história das doenças da alma

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Moacyr Scliar, no seu 'Saturno nos Trópicos', mostra como as doenças são fenômenos históricos e culturais, não apenas biológicos

Haroldo Ceravolo Sereza

São Paulo (Brasil)
2021-04-07T15:45:00.000Z

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*Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, 27 de julho de 2003.

Como nascem as doenças? Uma boa resposta para essa pergunta não pode se contentar com a identificação de seu “agente causador” (o que parece resolver o problema especialmente no caso de infecções), mas também tem de contar como ela é compreendida, explicada e, principalmente, “popularizada”.

O médico, romancista e, neste caso, ensaísta Moacyr Scliar, no seu Saturno nos Trópicos — A Melancolia Europeia Chega ao Brasil (Companhia das Letras) mostra exatamente isso: como as doenças são fenômenos históricos e culturais, não apenas biológicos, o que é ainda mais radical quando elas são do “espírito” e não do “corpo”.

Logo na primeira linha, o cruzamento entre história e medicina fica claro: “Em outubro de 1347, uma frota genovesa vinda do Oriente” entrou no porto de Messina, na Sicília. “Não foi uma chegada festiva, antes um tétrico espetáculo: quase todos os marinheiros haviam morrido ou estavam agonizantes. De peste.”

Na segunda página do texto, Scliar continua com outra data: “Em 1621 foi publicado na Inglaterra um livro intitulado A Anatomia da Melancolia”. Na terceira, une as duas pontas: “A peste retorna à Europa, um livro sobre a melancolia é editado com grande sucesso. Pergunta: que há de comum entre esses fatos? A resposta mais óbvia é: nos dois casos trata-se de doença. Mas não é bem assim. A peste é, inquestionavelmente, uma doença. A melancolia, como veremos, às vezes é doença às vezes não é.”

Por ser uma doença, ainda que às vezes, a melancolia permite que Scliar recorra a inúmeras citações — são 233 notas só na primeira parte do ensaio (felizmente, colocadas no fim do texto), denominada O Renascimento da Melancolia, e mais 113 na segunda, A Melancolia Chega ao Trópico. Apesar do rigor, o livro é, frequentemente, engraçado.

A história da melancolia levantada por Scliar passa pelo rei bíblico Saul (que se divide entre as exigências da religião e as decisões que toma como soberano), mas toma forma mesmo com os gregos. Com escasso conhecimento do corpo humano (o estudo da anatomia só se desenvolve na Idade Média), Hipócrates via no desequilíbrio dos “humores” do corpo (sangue, linfa, bile amarela e bile negra) a causa das doenças.

Para Hipócrates, a melancolia seria a perda do amor pela vida, uma situação em que a pessoa aspira à morte como se fosse uma bênção. “Mas a melancolia é só isso, uma doença? Platão distinguia duas formas de loucura: uma resultante de doença, outra de influências divinas; não ocorreria o mesmo com a melancolia? A dúvida deu origem a uma famosa questão de Aristóteles, o Problema XXX: “Por que razão todos os que foram homens de exceção no que concerne à filosofia à poesia ou às artes são manifestamente melancólicos?”

CPFL Cultura/Flickr
História da melancolia levantada por Scliar passa pelo rei bíblico Saul, mas toma forma mesmo com os gregos

Outro momento importante é o do Renascimento, quando há também uma identificação entre o mal que os livros (e o conhecimento livresco) podem trazer. O grande personagem da literatura analisado por Scliar é, claro, D. Quixote, que paga caro pela leitura de inúmeros romances de cavalaria, que, “felizmente”, “conta com Sancho Pança”, que “tem o temperamento certo para cuidar de seu senhor”: “Não é melancólico como Quixote, nem sanguíneo, o que o colocaria em conflituosa oposição à melancolia (Júpiter contra Saturno), nem bilioso – os biliosos são pouco tolerantes.”

A melancolia, pelo menos na forma como é contada por Scliar, chega ao Brasil com outra doença, dessa vez a febre amarela, que provoca um surto em 1849, depois de desembarcar de um navio norte-americano procedente de New Orleans e Havana.

O livro, por aqui, é Retrato do Brasil – Ensaio sobre a Tristeza Brasileira, de Paulo Prado, publicado em 1928 e um sucesso editorial em seu tempo como fora A Anatomia da Melancolia.

Entre os “personagens” de Scliar no Brasil está Oswaldo Cruz, o impetuoso médico capaz de provocar a ira dos cariocas durante a Revolta da Vacina, que também costumava meditar – “melancólico recolhimento alternado com febril atividade: a bipolaridade típica dos modernos”.

No campo da literatura, Scliar discute personagens como Simão Bacamarte, o alienista de Machado de Assis, Brás Cubas (que, morto, escreve com a tinta da galhofa e a pena da melancolia), Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, Macunaíma, de Mário de Andrade, e Macabéa, de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector.

Quanto às doenças, especialmente as do espírito, ele enumera várias, da histeria ao etilismo (alcoolismo), passando pelo distúrbio bipolar. Quanto às drogas, Scliar não esquece o Prozac.

Todas essas citações do texto, na verdade, servem mesmo para dizer o seguinte: se o autor desta resenha fosse médico, receitaria o livro para os colegas — e, claro, para os pacientes.

Trecho

Por que haveriam de ser tristes os portugueses chegados ao Brasil? Por que teria desaparecido o entusiasmo que, no passado, os tinha feito atravessar mares nunca dantes navegados?

Uma explicação reside na mudança cultural. O “português heroico” do século XV desaparecera: a derrota na África, a morte de dom Sebastião, a união com a Espanha, a crescente influência da Inquisição, os governos despóticos e incapazes, o luxo, a desmoralização dos costumes, a corrupção — o padre Vieira dizia que a palavra furtar se conjugava de todas as formas na Índia portuguesa, uma escola de cobiça e luxúria.

Tudo isso alterara o perfil dos colonizadores. Diz Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala: “O português, já de si melancólico, deu no Brasil para sorumbático, tristonho.” Para estes, o Brasil não deixava de ser um exílio, “um degredo, um purgatório”; aqui padeciam da lusa saudade que acabava se transformando em doentia tristeza. Laura de Mello e Souza atribui à colônia brasileira uma nova imagem: não o Paraíso das utopias, mas Purgatório (à época, uma invenção ainda recente) onde a metrópole portuguesa lançaria sua gente indesejável.

O degredo transformava o Brasil no lugar de depuração dos pecados do Reino; lá, colonos desviantes, hereges e feiticeiros eram “duplamente estigmatizados por viverem em terra particularmente propícia à propagação do Mal”.

Análise

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20 Minutos

Felipe Nunes: 'voto envergonhado' favorece Lula em 2022

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Bolsonaro cresceu entre evangélicos tirando votos da 'terceira via', e não de Lula, explica diretor do instituto de pesquisas Quaest; veja vídeo na íntegra

Pedro Alexandre Sanches

São Paulo (Brasil)
2022-08-18T20:30:00.000Z

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O cientista político Felipe Nunes afirma que o fenômeno do “voto envergonhado” favorece Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. “Os eleitores indecisos na pesquisa espontânea estão indo muito mais para Lula que para Bolsonaro”, avaliou o diretor da Quaest Consultoria e Pesquisa no programa 20 MINUTOS desta quinta-feira (18/08) com o jornalista Breno Altman. 

Essas pessoas “só não declararam voto na pesquisa espontânea porque estão escondendo a vergonha de ter que defender um candidato que até pouco tempo atrás estava preso e passou por vários escândalos midiáticos", segundo Nunes.

Ele afirma que tal afirmação na diferenças apontadas pela pesquisa Genial/Quaest de 17 de agosto entre a intenção espontânea de voto (na qual Lula tem 33% das preferências contra 27% de Bolsonaro) e o resultado da pergunta estimulada (em que o ex-presidente aparece com 45% e o candidato à reeleição, com 33%). Ou seja, Lula tem 12 pontos a mais na pesquisa estimulada, contra 6 de Bolsonaro. 


Esse e outros dados mostram solidez na posição eleitoral de Lula, mesmo com a recuperação recente de Bolsonaro - o eleitorado evangélico, por exemplo, prefere o candidato à reeleição por 52% contra 28% do ex-presidente, segundo a Quaest. 

Nunes, que também é professor da UFMG, adverte que o crescimento de Bolsonaro entre evangélicos não se deu sobre Lula, mas sobre os candidatos da chamada terceira via, cuja somatória caiu após a desistência de Sérgio Moro, João Doria Jr. e outros. O mesmo ocorre na evolução geral, em que Lula permanece estável e Bolsonaro cresce com o esvaziamento da terceira via. 

A tendência de alta do atual presidente entre o público evangélico (entre os católicos, ele perde de 27% a 52%) se explica, segundo Nunes, pela prioridade dada a esse segmento pela campanha bolsonarista, tal como aconteceu em 2018 em relação aos policiais militares. “Neste ano, ele escolheu os evangélicos, que como os policiais também são hierarquizados, disciplinados e coesos. Participou de 25 marchas para Jesus nos últimos 30 dias, em diferentes cidades do país. É uma ação política muito coordenada”, diz. 

O cientista político aposta num combate indireto a essa desvantagem pela candidatura Lula: “O público evangélico e principalmente as mulheres evangélicas têm uma repulsa muito grande ao armamento, pelo medo de que as armas sejam um sinônimo de violência nas famílias. É o tema que empata o jogo para o público evangélico”. 

Nunes afirma que a capacidade de crescimento de Bolsonaro esbarra em sua rejeição junto a dois segmentos em particular: “Ele tem que virar o jogo entre as mulheres e no Nordeste, o que não parece ser tarefa fácil neste momento”. 

Pelos dados de 17 de agosto, a vantagem de Lula é de 16 pontos percentuais entre o eleitorado feminino (contra 6 entre o masculino) e de 40 pontos no Nordeste. A rejeição pessoal de Bolsonaro é de 55% (chegava a 66% no início do ano). 

Para o diretor da Quaest, a radicalização política não será um fator decisivo para o eleitorado neste ano como foi em 2018. “Quem descobre a correnteza da eleição ganha a eleição. A de 2018 foi a primeira em que não havia um incumbente disputando a eleição. Todo mundo era de oposição ao que o governo Temer representava. Ser antissistema radical significava ser a oposição real”, analisa. "Em 2022, as pessoas não estão querendo radicalizar o sistema, porque perceberam que a radicalização foi ruim.”

Facebook/felipe Nunes
Cientista político Felipe Nunes é o convidado de Breno Altman no 20 MINUTOS desta quinta-feira (18/08)

O voto que está em disputa em 2022, afirma, é de quem já votou tanto em Lula quanto em Bolsonaro. Para o pesquisador, esta será “a eleição da segunda chance”: “Os dois já foram presidentes, já ganharam, já apresentaram bons e maus resultados. Agora vai ganhar aquele que conseguir receber a segunda chance do eleitor”. 

Se para o atual presidente se reeleger seria suficiente manter os votos que teve em 2018, a tarefa para Lula é mais complexa, mas vem sendo bem-sucedida: “Neste momento, Lula consegue ter os votos que Fernando Haddad teve e crescer em cima do eleitor que votou em Bolsonaro em 2018, o eleitor pobre das grandes cidades do Sudeste”. 

Quanto ao impacto do aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil sobre a disputa eleitoral, Nunes não vê dados conclusivos na mais nova pesquisa. “Havia uma ideia de que as coisas iam melhorar muito em pouco tempo, mas neste momento essa expectativa não virou nem euforia nem frustração. Virou a realização de que tudo isso não passa de jogada eleitoral”, interpreta, citando que 62% afirmam que as medidas adotadas pelo governo objetivam ajudar a reeleição, e não as pessoas. 

“O eleitor está mais crítico e complexo e já entendeu, pelos resultados desta pesquisa, que muito do que está sendo feito não é boa intenção, mas interesse próprio. Isso gera um limite para o crescimento eleitoral de Bolsonaro.”

A valorização da autenticidade do político pelo eleitorado é um fator incômodo para o atual presidente a esse respeito: “Bolsonaro fez a aposta que podia fazer, que era se vestir de Lula, não ligar para teto de gastos, abrir o cofre público e cuidar das pessoas. O problema é que isso está parecendo que é falso, porque veio próximo à eleição. Bolsonaro está deixando de ter o que é seu grande atributo, está abrindo flancos de credibilidade”. 

Felipe Nunes considera que a história eleitoral brasileira não sugere grandes chances de que Lula vença no primeiro turno, mas diz que os números projetam vitória para o candidato do PT: “Olhando só para os dados da pesquisa, Lula é favorito para ganhar, com uma margem de votos maior do que Bolsonaro teve em 2018 sobre Haddad. Nada é impossível, mas é improvável uma não-vitória de Lula”. 

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