Com quase 24 horas de atraso, a presidência da Conferência do Clima de Dubai apresentou no início da manhã desta quarta-feira (13/12) uma nova versão do acordo negociado há duas semanas por 195 países. O texto, adotado na sessão plenária, propõe, pela primeira vez em 30 anos, que o mundo encaminhe a “transição para o fim dos combustíveis fósseis”, principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa que aquecem o planeta.
Ou seja, em 30 anos, é a primeira vez que uma COP reconhece e encara de frente a maior causa do problema das mudanças climáticas – apesar da intensa pressão do setor petroleiro no sentido contrário, e de a conferência ser realizada em um dos maiores produtores mundiais do óleo. O pacote de energia direciona os países para o baixo carbono “de maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando as ações nesta década crucial a fim de atingir a neutralidade de carbono em 2050, conforme o que preconiza a ciência”.
O documento foi submetido à apreciação dos ministros presentes em Dubai, que aprovaram a versão na sessão plenária convocada pelo presidente da COP28, Sultan Al Jaber. Conforme a agência Bloomberg apurou nesta manhã, a Arábia Saudita, principal opositora da menção aos fósseis no documento, estava de acordo com a proposta apresentada.
As ilhas insulares reconheceram “melhoras” mas identificam “preocupações” com o fato de o documento “não trazer o equilíbrio necessário para reforçar a ação mundial para corrigir a rota sobre as mudanças climáticas”.
Acordo possível
“Este novo texto de fato aponta para o fim da era dos combustíveis fósseis, aponta que tem que haver um alinhamento de políticas e de investimentos para isso e a indústria de petróleo, gás e carvão tem que estar alinhada com isso”, salienta Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa e que acompanha a conferência desde o começo. “Obviamente há vários pontos mais problemáticos, como a menção a combustíveis de transição, que visa favorecer a aprovação do texto por nações como a Índia e a China. Mas os pontos positivos contrabalanceiam”, observa.
O documento indica que as próximas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que deverão ser apresentadas pelos países em dois anos, na COP30 de Belém, devem estar alinhadas com a meta de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C até o fim deste século, conforme os níveis registados antes da Revolução Industrial do Acordo de Paris. Esta era a prioridade da delegação brasileira no evento.
“O resultado da COP28, forte nos sinais, mas fraco na substância, significa que o governo brasileiro precisa assumir a liderança até 2024 e lançar as bases para um acordo da COP30 em Belém que atenda às comunidades mais pobres e vulneráveis do mundo e à natureza. Pode começar por cancelar a sua promessa de aderir à Opep+, o grupo que tentou e não conseguiu destruir esta cúpula”, destacou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. “Sem uma ação real, o resultado do Dubai não será celebrado entre as comunidades de todo o mundo que sofrem com eventos climáticos extremos.”
COP28 UAE/Twitter
Documento foi submetido à apreciação dos ministros presentes em Dubai
“Phase out” dos fósseis não é citado
O acordo escolhe meticulosamente a linguagem adotada: não cita o “phase out” (fim) dos fósseis, como exigido pelos países mais vulneráveis e a maioria dos em desenvolvimento, como o Brasil, e a União Europeia. “Ainda não é a linguagem robusta que precisamos, mas é um avanço em relação à versão anterior”, disse Alexandre Prado, especialista em mudanças climáticas do WWF-Brasil.
“O que vemos neste novo texto é um passo na direção certa, mas não o salto que o mundo precisa dar para chegar a um futuro com zero emissões líquidas até 2050. Não se enganem: incluir todos os combustíveis fósseis no texto final sinaliza que os governos estão mais abertos para lidar com o elefante na sala”, destaca Andrew Deutz, diretor-geral de Política Global e Financiamento da organização The Nature Conservancy.
Dúvidas sobre o financiamento
Nos parágrafos sobre financiamento, crucial para que os países menos desenvolvidos sejam capazes de realizar a transição para uma economia sem carvão, petróleo e gás, o documento reconhece o papel dos países desenvolvidos de providenciar os meios financeiros e tecnológicos para os mais pobres, além de dobrar os recursos disponíveis em 2025, com relação aos disponibilizados em 2019. Porém, também reconhece que até hoje os montantes necessários ainda não foram concretizados – e apenas “pede de novo” para que os recursos sejam efetivados.
Mohamed Adow, da organização Power Shift Africa, demonstrou preocupação: “a transição precisa ser rápida, mas ela ainda não é financiada ou justa. Ainda estamos com falta de financiamento suficiente para ajudar os países em desenvolvimento a se descarbonizarem”, alegou.
“O texto oferece algumas indicações do nível de financiamento necessário para a transição energética e sinaliza que os países vão se mover nessa direção em passos diferentes. No entanto, deveria ser claro sobre quem providencia o financiamento necessário”, salientou Catherine Abreu, diretora-executiva da Destination Zero.
Florestas
Alexandre Prado chama atenção para o trecho sobre florestas, que causava preocupação ao governo brasileiro por ameaçar as metas de fim do desmatamento até 2030.
“O novo texto amplia as opções de financiamento para a conservação e reforça iniciativas como Fundo Amazônia e Florestas Tropicais para Sempre. Porém, o foco exclusivo em florestas acaba penalizando outros importantes biomas que estão sendo devastados, como o Cerrado brasileiro”, sublinha Prado.