Na véspera da data marcada para o encerramento da Conferência do Clima de Baku (COP29), os países ricos e em desenvolvimento não estão perto de um acordo nesta quinta-feira (21/11). A publicação de um projeto de texto final ilustrou o quanto os dois lados permanecem intransigentes nas suas posições sobre quem deve contribuir para o financiamento da transição climática nas nações mais pobres do planeta.
As negociações continuam entre os representantes dos 196 países reunidos no evento, no Azerbaijão, em busca de um compromisso até esta sexta-feira (22/11). O projeto de acordo publicado na manhã desta quinta pela presidência azerbaijana da conferência da ONU revela divisões e não satisfez ninguém.
“É claramente inaceitável, no estado atual das coisas”, disse o comissário europeu Wopke Hoekstra, que ao lado de seus colegas europeus, exigem mais compromissos para a redução das emissões de gases de efeito estufa, em especial dos países produtores de petróleo que têm abrandado suas metas, como a Arábia Saudita.
No final da reunião de coordenação dos ministros da União Europeia (UE), na manhã de quinta-feira, o ministro irlandês, Eamon Ryan, confidenciou à AFP que as negociações “estão progredindo, e é óbvio que este texto não é definitivo”. “Será radicalmente diferente, há espaço para um acordo”, afirmou.
A UE está no centro do jogo da COP29, como o maior contribuinte mundial para o financiamento climático, mas também graças às linhas de comunicação que mantém com a China e os países vulneráveis, especialmente os pequenos Estados insulares. Entretanto, organizações ambientalistas afirmam que o bloco europeu está puxando para baixo as cifras debatidas em Baku – o que valeu à União Europeu receber o “antiprêmio” Fóssil do Dia desta quarta-feira (20/11), concedido diariamente ao país visto pelas ONGs como prejudicial para o andamento da conferência.
Faltam os números
O texto provisório de 10 páginas tenta resumir as posições sobre a nova meta de ajuda financeira que a COP29 deverá definir. Entretanto, o texto indica apenas “X” no lugar dos valores, mesmo que estes sejam expressos em “trilhões”.
A ausência de números para os países ricos “é um insulto às milhares de pessoas que mais sofrem com as alterações climáticas”, reagiu Jasper Inventor, chefe da delegação do Greenpeace Internacional em Baku.
O queniano Ali Mohamed, que representa os países africanos, insiste nesta falta de valores: “Precisamos que os países desenvolvidos se comprometam urgentemente com este ponto”.
Mas, nas COPs, ninguém revela suas verdadeiras linhas vermelhas até as últimas horas da conferência. “O texto caricatura as posições dos países desenvolvidos e em desenvolvimento”, resumiu Joe Thwaites, da ONG NRDC. “A presidência deve propor uma terceira opção para reconciliá-los.”
Esta terceira opção secreta foi colocada sobre a mesa pelo australiano Chris Bowen e pela egípcia Yasmine Fouad, os dois ministros responsáveis por aproximar as posições do Norte e do Sul, mas ainda não foi revelada aos países e a presidência azerbaijana a guarda na manga, confirmaram à AFP duas fontes próximas às negociações.
Os países desenvolvidos fornecem hoje cerca de US$ 100 bilhões por ano em ajuda financeira para os países em desenvolvimento poderem se adaptar às mudanças climáticas e investir em energia de baixo carbono. A COP29 deve definir um novo objetivo de ajuda anual até 2030 ou 2035. A conferência deverá terminar na noite de sexta-feira, mas os delegados já temem um adiamento até sábado.
“O tempo dos jogos políticos acabou” na COP29 em Baku, alertou o representante dos pequenos Estados insulares, Cedric Schuster, no início das discussões sobre o novo rascunho do acordo. “Não podemos tomar uma decisão (…) que vá contra o Acordo de Paris”, declarou ele, na sala plenária da COP.
Trilhões em vez de bilhões
A primeira opção do texto publicado quinta-feira reflete as demandas dos países em desenvolvimento. Sem dar um número preciso, ela pede que “X” trilhões de dólares por ano sejam fornecidos por fundos públicos dos países ricos, atualmente obrigados a pagar a conta, conforme determina o Acordo de Paris sobre o Clima, e por fundos privados, “durante o período 2025-2035”. Os doadores são principalmente a Europa, os Estados Unidos e o Japão.
“A dinâmica de poder aqui é hipercolonial aqui, e em nenhum lugar a gente vê mais isso do que no debate de financiamento. Quando os países ricos falam em mobilização, significa mobilizar capital privado que não vem de graça. Vem em forma de empréstimo, o que aumenta ainda mais a dívida externa do país pobre”, explica Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, à RFI.
“É um ciclo perverso, porque eles ficam endividados para pagar pelos prejuízos do problema que eles não causaram [o aquecimento do planeta devido às emissões históricas dos países desenvolvidos]”, disse.
Países ricos querem incluir a China
A hipótese de “trilhões” é muito mais do que os US$ 100 bilhões que os países ricos se comprometeram a fornecer durante o período 2020-2025 – e que não cumpriram na sua totalidade. Entretanto, esta opção soa irrealista para os países ricos, especialmente em tempos de aperto fiscal, e principalmente porque esta opção não prevê qualquer ampliação da lista de contribuintes para grandes emergentes como China, Singapura, Catar ou Brasil.
A segunda opção resume o ponto de vista dos países ricos: o objetivo financeiro seria “um aumento do financiamento global para a ação climática” para “X” trilhões de dólares por ano “até 2035”, sem especificar a participação dos países desenvolvidos.
“Quando os africanos vêm aqui defender justiça climática e uma meta quantificada de financiamento de dinheiro público, em forma de subvenções, e não de empréstimos, os países vêm falar que estão numa grave crise fiscal e vêm com a solução de a China também doar”, complementa Angelo.
Pela manhã, em um sinal de flexibilização, o grupo de países em desenvolvimento mais a China (G77) pediu que “pelo menos” US$ 500 bilhões sejam providenciados pelos países ricos até 2030. “Não poderemos deixar Baku sem um valor claro”, disse o ugandês Adonia Ayebare, representante do grupo, na plenária da ONU.
A iniciativa cabe agora à presidência azerbaijana da conferência, que terá de encontrar o equilíbrio certo para apresentar aos quase 200 países da COP um texto aceitável, que permita a todos voltar para casa “com igual nível de descontentamento”, nas palavras do negociador-chefe do Azerbaijão, Yalchin Rafiev, à AFP.