Acordo alcançado suscita forte decepção entre ambientalistas e países emergentes
Texto final prevê valor considerado insuficiente e decepcionante contra mudanças climáticas
A 29ª Conferência do Clima da ONU se encerrou no sábado (23/11) em Baku, no Azerbaijão, sob forte decepção dos países emergentes e ambientalistas. O texto final do evento prevê medidas para lutar contra as mudanças climáticas e apoiar as nações pobres a realizar a transição energética. No entanto, o valor para financiar as ações, US$ 300 bilhões, é considerado insuficiente e decepcionante.
Após duas semanas de negociações turbulentas, e com mais de um dia de atraso, a COP29 foi encerrada com a resignação dos países mais pobres e vulneráveis, obrigados a aceitar um valor muito aquém do US$ 1 trilhão anual exigido até 2035. O engajamento financeiro das nações ricas foi superior à proposta recusada de US$ 250 milhões na sexta-feira (22/11), mas suscitou forte frustração em Baku.
O valor é “muito baixo” e o acordo “é tardio e ambíguo”, afirmou o queniano Ali Mohamed, representante dos países africanos. “A cifra é insignificante”, lamentou a delegada indiana Chandni Raina.
Para a plataforma Climate Action Network, que reúne um grande número de ONGs de defesa do Meio Ambiente, a COP29 foi “a mais horrível de todos os anos”. Em entrevista à RFI, a advogada da rede, Rebecca Thissen, denunciou um “compromisso deplorável”. “Esse acordo zomba dos países em desenvolvimento e não responde a nenhuma das necessidades colocadas sobre a mesa há meses”, avalia.
Mesmo tom da parte da ministra francesa da Transição Ecológica, Agnès Pannier-Runacher, que afirma que o texto final “não está à altura dos desafios”. Para ela, o evento foi marcado “por uma verdadeira desorganização e uma ausência de liderança da presidência do Azerbaijão”, com o texto final sendo aprovado “em um clima de confusão e contestado por muitos países”.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “esperava um acordo mais ambicioso”. No entanto, acredita que o compromisso seja “uma base para construir”. O chefe das Nações Unidas ainda fez um apelo para que os países “cumpram [as medidas] na íntegra e no tempo determinado”.
Várias lideranças dos países ocidentais, responsáveis históricos pelas mudanças climáticas, demonstraram resistência a ir além dos US$ 300 bilhões anuais, em um período de apertos orçamentários e instabilidades políticas. Por isso, para os Estados Unidos e boa parte da Europa, o saldo final de COP29 foi positivo.
O presidente norte-americano, Joe Biden, considerou o compromisso como “um passo importante” na luta contra as mudanças climáticas, embora reconheça que “há ainda um trabalho substancial a ser feito”. “Embora alguns possam tentar negar ou atrasar a revolução da energia limpa que está em curso nos Estados Unidos e em todo o mundo, ninguém pode revertê-la”, afirmou, em uma indireta ao presidente eleito Donald Trump, conhecido por seu negacionismo climático.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou neste domingo (24/11) que o acordo “marca uma nova era” na cooperação em matéria de clima. Segundo ela, as decisões tomadas na COP29 permitirão “estimular os investimentos na transição energética e reduzir as emissões” de gases do efeito de estufa.
Conteúdo do texto
O engajamento financeiro dos países europeus, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão e Nova Zelândia, sob a égide da ONU, aumentará de US$ 100 bilhões para ao menos US$ 300 bilhões anualmente até 2035 por meio de empréstimos e doações aos países em desenvolvimento. Esse montante será usado para se adaptar às inundações, ondas de calor e seca causados pelas mudanças climáticas, mas também para o investimento nas energias de baixo carbono no lugar do carvão e do petróleo, como os países ocidentais fizeram durante mais de um século.

COP29 Azerbaijan/Flickr
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O texto prevê que o dinheiro poderá vir de diversas fontes: pública, privadas ou por meio de bancos de desenvolvimento. Esse, aliás, era um ponto que emperrava as negociações em Baku, com os países do sul temendo que suas dívidas aumentassem. As nações em desenvolvimento esperam que até 2035, o mundo enxergará a necessidade de arcar com a cifra trilionária desejada, para evitar catástrofes ainda mais destruidoras do que as de hoje.
No entanto, o apelo a uma transição energética para a saída dos combustíveis fósseis, principal meta da COP28 em Dubai, não está explicitamente mencionado no texto do acordo de Baku. Retirado do documento em 2023, o objetivo não voltou a aparecer no compromisso assinado no sábado. Vitória para os países produtores de petróleo e gás.
Um dos documentos publicados no domingo pela presidência do Azerbaijão, pouco antes de uma plenária final, reafirma que “os combustíveis de transição podem desempenhar um papel na facilitação da transição energética, garantindo, ao mesmo tempo, a segurança energética”.
Os países europeus, que esperavam uma maior ambição na redução das emissões de gases do efeito estufa, também não encontrarão no texto final a criação de um sistema de monitorização anual dos esforços de transição dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás) que esperavam.
O único consolo para a frustração dos países emergentes é o fato de terem conseguido inserir no documento uma cláusula para revisar o acordo daqui a cinco anos em vez de 10 anos. Mas a sensação geral é de que “ninguém obteve o que esperava”. “Deixamos Baku com uma montanha de trabalho a ser feito. Não é hora de comemorar”, lamentou o secretário executivo da ONU para as mudanças climáticas, Simon Stiell.
Brasil assume presidência da COP
O Brasil assumiu na noite de sábado a presidência da Conferência do Clima da ONU. Durante discurso na plenária final em Baku, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva destacou a importância de obter consenso e da solidariedade entre países, além dos desafios a serem enfrentados antes do evento no Pará. “A COP30 em Belém é realmente um grande desafio que só poderemos vencer com o esforço e a colaboração de cada um de nós aqui representados”, disse.
Para ela, o evento que a capital paraense acolherá em 2025 “será o resultado daquilo que durante mais de três décadas fomos capazes de tecer com os fios de nossos compromissos éticos e políticos”, sublinhou. “Aquilo que há de mais importante está colocado para cada um de nós, que é o equilíbrio da cadeia de vida na Terra, o equilíbrio do planeta. Tais tessituras vêm do Acordo de Paris, do consenso dos Emirados Árabes Unidos, em Dubai, e do que fomos capazes de produzir aqui em Baku”, afirmou.
Segundo a ministra, o acordo foi concluído no Azerbaijão após negociações “dolorosas”, e o impasse ocorreu devido à falta de “uma liderança central”. “Não é só uma questão da presidência, todos os que estamos aqui somos responsáveis”, ponderou Marina Silva.
O Observatório do Clima tem uma visão menos consensual do acordo de Baku. “Com a ajuda de uma presidência incompetente, os países desenvolvidos conseguiram mais uma vez abandonar suas obrigações e fazer os países em desenvolvimento literalmente pagarem a conta”, avalia Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional da organização.
Por isso, para ele, a meta para o próximo ano é imensa. “O Brasil agora tem mais uma tarefa espantosa para a COP30: aumentar o financiamento e reconstruir a confiança entre os países”, reiterou Angelo, em comunicado publicado no site do Observatório do Clima.