Opera Mundi publica, nesta semana, um especial sobre fascismo – contado pelos próprios fascistas. São discursos e entrevistas de Adolf Hitler (Alemanha), António Salazar (Portugal), Francisco Franco (Espanha), Rafael Videla (Argentina), Benito Mussolini (Itália), Emílio Garrastazu Médici (Brasil) e Philippe Pétain (França) que mostram como estas figuras pensavam as sociedades que governavam e justificavam os atos de seus regimes.
Jorge Rafael Videla (1925-2013) nasceu em Mercedes, dentro da grande província de Buenos Aires, na Argentina, e seguiu carreira militar. Em 1975, foi nomeado comandante do Exército pela então presidente María Estela Martínez de Perón, contra quem deu um golpe de Estado um ano depois.
O golpe contra Isabelita, como era conhecida a presidente, mergulhou a Argentina em sete anos de obscurantismo sob o poder da Junta militar. Principal nome à frente da Junta, Videla dissolveu o Congresso e deu início ao que chamou de “guerra suja”, ao se referir a seus opositores, no que ficou conhecido como “Processo de Reorganização Nacional”. A ditadura argentina, iniciada naquele ano, ficou conhecida como uma das mais violentas na América Latina: estima-se que ao menos 30 mil pessoas tenham morrido durante o período – às vezes, sendo atiradas vivas de aviões. Filhos de opositores do regime eram entregues a outras famílias.
Em 1981, nos últimos anos de governo militar, Videla deu lugar ao general Roberto Viola (1924-1994). O país só voltou à democracia em 1983, com a eleição de Raúl Alfonsín (1927-2009).
Dois anos após a volta dos civis ao poder, Videla foi julgado e condenado pela primeira vez à prisão perpétua por crimes contra a humanidade. Com um indulto concedido em 1990 pelo então presidente Carlos Menem, Videla passa oito anos em liberdade, mas volta à prisão em 2008 após ser novamente condenado à prisão perpétua pelo sequestro de bebês filhos de opositores presos. Recebeu a mesma sentença em 2010 e 2012, pelo desaparecimento de 31 presos. O primeiro general da Junta morreu sozinho aos 87 anos em uma cela comum da cadeia de Marco Paz, após levar um tombo. Sem saber o que fazer com o corpo e com a recusa de cemitérios militares que não aceitavam o sepultamento, a família escolheu um túmulo simples em um cemitério particular no subúrbio de Buenos Aires, que sequer leva o nome do ditador na lápide para evitar represálias.
Às vésperas de instaurar o golpe militar na Argentina, o general Rafael Videla discursou diretamente da Casa Rosada, sede do poder argentino, em 30 de março de 1976, detalhando os futuros passos do governo militarista rumo ao que ele mesmo chamou de restauração da soberania nacional.
Discurso pronunciado no dia 30 de março de 1976 pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da Nação, tenente general Jorge Rafael Videla, ao assumir a Primeira Magistratura da República Argentina.
Ao povo da Nação Argentina:
O país transita por uma das etapas mais difíceis de sua história. Colocada à beira de sua desintegração, a intervenção as Forças Armadas se constitui como a única alternativa possível, frente à deterioração provocada pelo desgoverno, corrupção e complacência.
Por múltiplas causas, um notório vazio de poder foi minando em ritmo cada vez mais acelerado as possibilidades de exercício da autoridade, condição essencial para o desenvolvimento do Estado.
As Forças Armadas, conscientes de que a contribuição normal do processo não oferecia um futuro aceitável para o país, produziram a única resposta possível a esta crítica situação.
Tal decisão, fundamentada na mesma missão e essência das Instituições Armadas, foi levada ao plano de execução com moderação, responsabilidade, firmeza e equilíbrio que merecem o reconhecimento do Povo Argentino.
No entanto deve ficar claro que os acontecimentos de 24 de março de 1976 não materializam somente a caída de um governo. Significam, pelo contrário, o encerramento definitivo de um ciclo histórico, e a abertura de um novo, cuja característica fundamental estará dada pela tarefa de reorganizar a Nação, realizada com real vocação de serviço pelas Forças Armadas.
Este processo de reorganização nacional demandará tempo e esforços; requererá uma ampla disposição para a convivência; exigirá de cada um sua cota pessoal de sacrifício, necessitará contar com sua sincera e efetiva confiança dos argentinos.
A conquista desta confiança é, entre todas, a mais difícil das empreitadas que impusemos.
Durante muitos anos são tantas as promessas não cumpridas, tantos os fracassos de planos e projetos, tão profunda a frustração nacional, que muitos de nossos compatriotas deixaram de crer na palavra de seus governantes, chegando a pensar, inclusive, que a função pública não chega para servir, mas para ser usada, convencidos de que a justiça foi desaparecendo do panorama do homem argentino.
Começaremos, então, por estabelecer uma ordem justa, dentro da qual é valido trabalhar e se sacrificar; onde os frutos do esforço se transformem em melhores condições de vida para todos; em que os cidadãos honestos encontrem suporte e alento; em que se sancione severamente quem viole a lei, qualquer que seja sua hierarquia, seu poder e sua pretendida influência.
Assim se recuperará a confiança e a fé do Povo em quem os governa, e assim elaboraremos o ponto de partida indispensável para enfrentar a grave crise pela qual atravessa nosso país.
É desnecessário fazer um inventário das dramáticas condições que vivem a Nação: cada um dos habitantes da Pátria as conhece e sofre dia após dia com toda a intensidade. Porém, merecem ser apontados alguns dos componentes mais destacados dessa situação.
Nunca foi tão grande a desordem no funcionamento do Estado, conduzido com ineficiência em um marco de generalizada corrupção administrativa e de complacente demagogia.
Pela primeira vez em sua história, a Nação chegou à beira de parar os pagamentos. Uma condição econômica hesitante e pouco realista levou o país à recessão e ao começo do desemprego, com sua inevitável sequela de angustia e desesperança, herança que recebemos e trataremos de paliar.
O uso indiscriminado da violência mergulhou os habitantes da Nação em uma atmosfera de insegurança e de temor esmagador.
Finalmente, a falta de capacidade das instituições, manifestada em suas falidas intenções de produzir, em tempo, as urgentes e profundas soluções que o País requer, dirijo a uma total paralisia do Estado, frente a um vazio de poder incapaz de dinamizá-lo.
Cada um desses sinais marcou o final de uma etapa que inexoravelmente perdia vigência e que era incapaz de gerar uma alternativa de substituição.
As Forças Armadas participaram com absoluta responsabilidade no processo institucional, assumindo cabalmente seu papel, sem perturbar em medida alguma a gestão do governo. Prova irrefutável de que se empenharam ao longo e através do país em uma exitosa luta contra a delinquência subversiva. O sangue generoso de seus heróis e mártires assim os afirma.
Profundamente respeitosa dos poderes constitucionais, sustentação natural das instituições democráticas, as Forças Armadas fizeram chegar, em repetidas oportunidades, serenas advertências sobre os perigos que importavam tanto às omissões, quanto às medidas sem sentido.
Sua voz não foi escutada, nenhuma medida de fundo se adotou em consequência. Assim, toda expectativa de mudança no marco institucional foi absolutamente esmagada.
Diante desta dramática situação, as Forças Armadas assumiram o governo da Nação.
Essa atitude consciente e responsavelmente assumida não está motivada por interesses ou apetência de poder. Só responde ao cumprimento de uma obrigação indesculpável, emanada da missão específica de salvaguardar os mais altos interesses da Nação.
Frente a esse imperativo, as Forças Armadas, como instituição, preencheram o vazio de poder existente, e como instituição, também, deram uma resposta à conjuntura nacional através da fixação de objetivos e pautas para a ação de governo a desenvolver, inspirados em uma autêntica vocação de serviço à Nação.
Para nós, o respeito aos direitos humanos não nasce só do mandato da lei e nem das declarações internacionais, mas como resultante de nossa cristã e profunda convicção acerca da preeminente dignidade do homem como valor fundamental.
E é justamente para assegurar a devida proteção dos direitos naturais do homem que assumimos o exercício pleno da autoridade; não para infringir a liberdade, senão para afirmá-la; não para não para torcer a Justiça, senão para impô-la.
Restabelecendo a vigência de uma autoridade que será revitalizada em todos os níveis, atenderemos ao ordenamento do Estado, cuja ação se fundará na estabilidade e permanência das normas jurídicas, assegurando o império da lei e a submissão a ela de governantes governados.
Um Estado ordenado nos permitirá dotar a Nação de instrumento capaz de impulsionar uma profunda tarefa de transformação.
Só o Estado, para que não aceitemos o papel de mero espectador do processo, haverá de monopolizar o uso da força e, consequentemente, só suas instituições cumprirão as funções vinculadas à segurança interna.
Utilizaremos essa força quantas vezes for necessário para assegurar a plena vigência da paz social. Com esse objetivo combateremos, sem trégua, a delinquência subversiva em qual de suas manifestações, até seu aniquilamento.
Durante muitos anos, a pretendida defesa da gestão estatal reteve, para o monopólio público, grandes projetos indispensáveis para o desenvolvimento e bem-estar da população que se viram realizados. Hoje, todos pagamos as consequências. A eficácia no serviço público é a exceção e a deficiência da norma.
Um crescimento estrangulado por falências nos setores críticos da economia e na dependência externa, para o abastecimento de matérias primas indispensáveis, é, em muitos casos, o resultado da pregação dos que nada fizeram e não deixaram que nada fosse feito. A seguir, o governo ajustará sua ação à solução pragmática dos grandes problemas econômicos.
Assegurando a decisão nacional e mantendo o controle do Estado sobre as áreas vitais que fazem a segurança e o desenvolvimento, brindaremos à iniciativa privada e aos capitais nacionais, estrangeiros e a todas as condições necessárias para que participem com seu máximo potencial e força criativa na exploração racional de seus recursos.
Somos conscientes do valioso aporte que pode oferecer à nossa independência financeira, tecnológica e econômica a decidida ação dos empresários, e por isso impulsionaremos com todos os recursos do Estado, mas assegurando que os interesses econômicos não interfiram no exercício dos poderes públicos.
Regras do jogo claras, precisas e permanentes, constituíram os melhores instrumentos para impulsionar os investimentos e recuperar nossa atividade produtiva.
Promoveremos a harmônica relação entre o capital e o trabalho através do fortalecimento de estruturas empresariais e sindicais, limitadas a suas finalidades específicas, autenticamente representativas e plenamente conscientes das possibilidades do país.
Os trabalhadores, que tantas vezes foram objetos de bajulação, que tantas vezes viram esfumaçar as promessas e as esperanças, devem saber que o sacrifício que demanda a tarefa de reorganização nacional será suportado por todos os setores sociais, e que durante o desenvolvimento do processo, particularmente na hora da distribuição, teremos, para defendermos seus direitos, a mesma firmeza que hoje evidenciamos para exigir seu esforço.
Nossa geração vive uma crise de identidade, que se manifesta em um permanente questionamento dos valores tradicionais de nossa cultura, e assume, em muitos casos, as concepções niilistas da subversão antinacional.
A cultura, como um modo singular de expressão da arte, a ciência e o trabalho de nosso Povo, será por ele impulsionada e enriquecida. Estará aberta ao aporte das grandes correntes de pensamento; mas manterá sempre fidelidade às nossas tradições e à concepção cristã do mundo e do homem.
É precisamente sobre essa base e nossa individualidade histórica que a Argentina há de se alinhar hoje com as nações que asseguram ao homem sua realização como pessoa, com dignidade e em liberdade.
Em função dos interesses comuns, manteremos relações com todos os países do mundo. Solidamente consubstanciados com os países latino-americanos, vamos concretizar francos vínculos baseados em respeito, apoio e colaboração mútua.
Mas deve ficar claro que as Forças Armadas não estão dispostas a resignar, e não o farão jamais; nossos direitos e soberania, e assim como abrem generosamente as portas do País ao aporte cultural e material estrangeiro, não permitirão que nação ou grupo algum venha a imiscuir em aspectos que são absoluta responsabilidade do Estado argentino.
Por tudo isso, afirmamos que o processo de reorganização nacional não está dirigido contra nenhum grupo social ou partido político.
Pelo contrário, constitui o meio de redirecionar a vida do País, e está decidido a promover a mudança de atitude argentina com respeito a sua própria responsabilidade individual e social. Pretende, em suma, desenvolver ao máximo nossa potencialidade.
Está destinado a todos os argentinos, sem distinções, cuja incorporação e participação requeremos.
É uma convocação para que, aproveitando a maturidade que nos deixam as experiências políticas vividas, sejamos capazes de recuperar a essência de ser nacional e de imaginar uma organização futura que nos permita o exercício de uma democracia com real representatividade, sentido federalista e concepção republicana.
Se as Forças Armadas impuseram uma suspensão das atividades dos partidos políticos como contribuição à pacificação interna, reiteram sua decisão de assegurar no futuro a vigência de movimentos de opinião, de autêntica expressão nacional e com provada vocação de serviço.
Uma atitude similar determina a ação no campo sindical, tanto trabalhador como empresário. As organizações de capital e de trabalho deverão ajustar o exercício de suas funções para a defesa das legítimas aspirações de seus integrantes, evitando mexer em áreas alheias a suas competências.
Confiamos, da mesma forma, que os trabalhadores e empresários serão conscientes dos sacrifícios que requerem estes primeiros tempos, e da inevitável necessidade de postergar aspirações que são justas em épocas de prosperidade, mas se resultam inalcançáveis em situações de emergência.
As Forças Armadas sabem que o esforço que hoje realizamos todos, tem um herdeiro natural: a juventude argentina. A ela oferecemos a autenticidade de nossos feitos, a pureza de nossas intenções, nosso trabalho sem desmaio.
Dela reclamamos sua força criadora, seus patrióticos ideais, seu sentido de responsabilidade no claustro e no ofício, sua participação no processo que se inicia, para que, em um marco de igualdade de oportunidades, realizem-se plenamente em benefício da Pátria.
Esta imensa tarefa que empreendemos, tem um só destinatário: o Povo Argentino.
Todas as medidas de governo estarão apontadas a atingir o bem-estar geral através do trabalho fértil, com um cabal sentido de justiça social, para conformar uma sociedade pujante, organizada, solidária, preparada espiritual e culturalmente para forjar um futuro melhor.
Ninguém deve esperar soluções imediatas nem mudanças espetaculares na atual situação. As Forças Armadas são conscientes da magnitude da tarefa a realizar, conhecem os problemas profundos a resolver, sabem dos interesses que se oponham a este caminho que todos devemos transitar solidariamente.
Mas devemos reconhecer com firmeza; firmeza que se expressa em nossa decisão natural de levar a cabo o processo sem concessões e com profunda paixão nacional.
As Forças Armadas convocam o Povo Argentino a exercer toda sua responsabilidade em um marco de tolerância, união e liberdade, na luta por uma manhã de irrenunciável grandeza.
Chegou a hora da verdade.
O Governo Nacional, ao formular esta sincera e honesta convocatória ao Povo da Pátria, não pretende gerar espontâneas condutas de participação no processo.
Sabemos perfeitamente que as manifestações de aviso àqueles serão consequência das conquistas positivas que seremos capazes de mostrar ao Povo da República.
Aspiramos, assim, como base mínima e indispensável para apoiar nossa ação, a compreensão ampla e generosa de todos os setores inspirados no bem comum.
Demandamos compreensão para as razoes que motivaram essa atitude adotada; demandamos compreensão para as pautas orientadas impostas ao processo de reorganização nacional; demandamos compreensão para os esforços que devemos exigir de cada argentino como contribuição impostergável.
Sabemos que com essa compreensão inicial seremos capazes de produzir os feitos necessários para gerar o apoio de todos aqueles que, convencidos da sinceridade de nossos projetos factíveis e de objetivos apontados, participarão fervorosamente na construção de um grande país.
O passado imediato ficou para trás, superada sua carga de frustração e desencontro. Olhamos para um futuro que conduzirá à grandeza da Pátria e à felicidade de seu Povo.
O Governo Nacional não oferece soluções fáceis ou milagrosas. Pelo contrário, pede e realizará sacrifícios, esforços e austeridade.
Assegura, sim, uma conduta honrada, uma ação eficiente e um proceder justo, sempre debruçado ao bem comum e aos altos interesses nacionais.
Há chegado a hora da verdade.
Uma verdade que é, em suma, nosso compromisso total com a Pátria.
Na concreção desta empreitada que hoje iniciamos, queira Deus, nosso Senhor, conceder-nos:
Sabedoria para discernir o melhor caminho;
Firmeza para não abandonar o rumo certo;
Prudência para ser justos;
Humildade para servir sem sermos servidos.
(*) Tradução: Lucas Berti
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