Socialista, marxista e feminista, a alemã Clara Zetkin foi uma das principais organizadoras do movimento de mulheres trabalhadoras na Europa no início do século 20. Em 1910, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, Zetkin propôs uma jornada de manifestações conjuntas dedicadas às questões feministas, que deu origem ao primeiro Dia Internacional da Mulher, com protestos na Áustria, Dinamarca, Suíça e Alemanha.
Além de se dedicar ao movimento das mulheres trabalhadoras e se empenhar na luta pelo voto universal, Zetkin também voltou sua militância e seus escritos a estudos marxistas sobre a luta de classes e a denúncia dos perigos do fascismo.
Em 1923, diante da ascensão de governos fascistas na Europa, Zetkin elaborou uma análise em 10 pontos sobre o fascismo. Essa e outras análise estarão no livro Como nasce e morre o fascismo, que será publicado em abril pela editora Autonomia Literária.
10 características do fascismo
1 – O surgimento do fascismo está intrinsecamente atado à crise do capitalismo e ao declínio de suas instituições. Esta crise é caracterizada por uma escalada de ataques à classe trabalhadora, enquanto as camadas sociais intermediárias são espremidas e rebaixadas ao proletariado:
“As raízes do fascismo estão, de fato, na dissolução da economia capitalista e do Estado burguês… A guerra destruiu a economia capitalista a partir de suas bases. Isso é evidente não apenas pelo empobrecimento assustador do proletariado, como também pela proletarização de amplas massas pequeno e médio burguesas”.
2 – A ascensão do fascismo é baseada na incapacidade do proletariado resolver a crise social capitalista pela tomada do poder para reorganização da sociedade. Esta incapacidade da liderança da classe trabalhadora gera desmoralização entre os trabalhadores e das forças sociais que vislumbravam o proletariado e o socialismo como uma solução para a crise.
Essas forças sociais, indica Zetkin, acreditavam que “o socialismo pudesse acarretar uma transformação completa. Essas expectativas foram dolorosamente destroçadas… Perderam sua fé não apenas nos líderes reformistas, como no próprio socialismo”.
3 – O fascismo possui um caráter de massas, com apelo especial às camadas pequeno-burguesas ameaçadas pelo declínio da ordem capitalista.
O declínio capitalista resulta na “proletarização de amplas massas pequeno e médio burguesas, na situação de calamidade entre os pequenos camponeses e na aflição melancólica da ‘intelligentsia’. (…) O que pesa acima de tudo sobre eles é a falta de segurança para sua subsistência básica”.
4 – Para conquistar o apoio dessas camadas, o fascismo faz uso de demagogia anticapitalista:
“As massas aos milhares se juntaram ao fascismo. Ele se transformou em um asilo para todos os desabrigados políticos, os socialmente desenraizados, os destituídos e desiludidos… A pequena-burguesia e as forças sociais intermediárias inicialmente vacilam entre os poderosos campos históricos do proletariado e da burguesia. São levadas a simpatizar com o proletariado por conta das dificuldades em suas vidas e, em parte, pelos desejos nobres e ideais elevados em seus espíritos, na medida em que este aja de forma revolucionária e apresente perspectivas de vitória. Sob a pressão das massas e de suas necessidades, e influenciados por essa situação, até mesmo os líderes fascistas são forçados a, minimamente, flertar com o proletariado revolucionário, ainda que não possuam por ele qualquer simpatia”.
5 – A ideologia fascista eleva a nação e o Estado acima de todos os interesses e contradições de classes:
“O que as massas não esperavam mais da classe proletária revolucionária e do socialismo, agora esperam que seja atingido pelos elementos mais capazes, fortes, determinados e impetuosos de todas as classes sociais. Todas essas forças deveriam unir-se em uma comunidade. E essa comunidade, para os fascistas, é a nação… O instrumento para atingir os ideais fascistas é, para eles, o Estado. Um Estado forte e autoritário que será sua própria criação e ferramenta obediente. Este Estado estará suspenso acima de todas as diferenças de classe e partido”.
6 – A ideologia do nacionalismo chauvinista é utilizada pelos líderes fascistas como cobertura para incitar o militarismo e a guerra imperialista:
“As forças armadas da Itália fascista eram apenas para defender a pátria. Esta era a promessa. Mas o aumento do exército e a aquisição de armamentos estão dirigidos a grandes aventuras imperialistas… Centenas de milhões de liras foram aprovadas para a indústria pesada construir as mais modernas máquinas e impiedosos instrumentos de morte”.
7 – Uma característica fundamental do fascismo é o uso da violência organizada levada à frente por tropas de choque contrárias à classe trabalhadora, com o fim de esmagar toda atividade proletária independente.
Na Itália, as forças de Mussolini ocuparam-se do “terror direto, sanguinário”, indica Zetkin. Partindo de áreas do interior, os fascistas “atacaram os trabalhadores rurais, de quem as organizações foram devastadas e incineradas, enquanto seus líderes eram assassinados”. Mais tarde “o terror fascista estendeu-se ao proletariado das grandes cidades”.
8 – A ideologia do racismo e o bode expiatório racista é central na mensagem do fascismo. Mesmo que esse aspecto ainda não estivesse inteiramente nítido em 1923, Zetkin lembra como na Alemanha “o programa fascista é esgotado pela frase: ‘porrada nos judeus’.”
9 – A certa altura, setores importantes da classe capitalista passaram a apoiar e financiar o movimento fascista, encarando isso como uma maneira de conter a ameaça da revolução proletária:
“A burguesia não pode mais confiar nos meios de força regulares de seu Estado para garantir sua dominação de classe. Para tal, ela precisa de um instrumento de força extralegal e paramilitar. Isto lhe foi oferecido pelo aglomerado heterogêneo que constitui a turba fascista. Os capitalistas patrocinam abertamente o terrorismo fascista, apoiando-o com dinheiro e de outras maneiras”.
10 – Uma vez no poder o fascismo tende a se burocratizar e distanciar dos apelos demagógicos de antes, levando a um ressurgimento das contradições e conflitos de classes:
“Existe uma contradição flagrante entre o que o fascismo prometeu e aquilo que entregou às massas. Toda conversa sobre como o Estado fascista colocará o interesse da nação acima de tudo, uma vez exposta aos ventos da realidade, estoura como uma bolha de sabão. A ‘nação’ revelou ser a burguesia; o ideal fascista de Estado revelou-se como o vulgar e inescrupuloso Estado burguês… As contradições de classe são mais poderosas do que todas as ideologias que negam a sua existência”.
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Além de se dedicar ao movimento das mulheres trabalhadoras, Zetkin também voltou sua militância e seus escritos para a denúncia dos perigos