O candidato favorito nas pesquisas de intenção de voto nas eleições presidenciais de hoje no Uruguai é José “Pepe” Mujica, um dos primeiros tupamaros e dirigente histórico do MLN (Movimento de Libertação Nacional). Foi também, ao lado de Raúl Sendic, um dos reféns que o regime ditatorial manteve em condições insalubres de encarceramento e de isolamento total por mais de uma década.
O Uruguai nos anos 1960 se distinguia dos demais países sul-americanos por sua afluência e estabilidade sociopolítica. A prosperidade econômica havia promovido o surgimento de uma numerosa classe média e um governo de bem-estar social estável que possibilitou alcançar um alto grau de liberdades civis e democráticas maior do que qualquer outro país da região. Em virtude de a sociedade uruguaia ser tão pacífica, o contingente policial e militar era muito pequeno. Em 1968, havia apenas 12 mil homens nas forças armadas e menos de 22 mil policiais para manter a ordem numa população de cerca de 3 milhões de habitantes.
Uma queda repentina na demanda de carne e lã, os dois principais produtos de exportação do Uruguai, no final da década de 1950, trouxe desemprego em massa, inflação e um brusco descenso do padrão de vida. A tensão social decorrente a par da corrupção de uma burocracia estatal inchada (20% dos uruguaios eram, de alguma forma, empregados do governo federal) criaram as condições para o surgimento do movimento de guerrilha urbana.
O nome oficial desse grupo revolucionário era Movimento de Libertação Nacional, popularmente conhecido como Tupamaros (de Tupac Amaru, o último imperador inca, assassinado pelos espanhóis em 1571). Foi fundado em 1963 por Sendic, então um estudante de direito. Concentraram quase toda a sua atividade em Montevidéu e seus arredores, onde vivia mais de 60% da população.
Sequestros políticos
A exemplo da maioria dos grupos guerrilheiros da América do Sul, os Tupamaros começaram como uma organização política que optou deliberadamente pelas táticas da luta armada, recrutando seus membros no seio da classe média – a maioria estudantes e trabalhadores qualificados. Como os demais movimentos urbanos armados, organizavam-se, por razões de segurança, em pequenas células de quatro ou cinco homens chamados de ‘grupo de atiradores’, sendo o líder do grupo o único contacto com outras células. Contudo as semelhanças paravam por aí. Os Tupamaros foram, de longe, a guerrilha urbana mais bem organizada, mais estruturada e mais eficaz do continente.
De 1963 ao começo de 1968, os Tupamaros limitaram-se a reunir recursos materiais e armamentos, valendo-se de assaltos a banco, às lojas de armas e a empresas privadas. O objetivo era fazer o governo parecer impotente na defesa de seus partidários, obrigando-o a reações desmesuradas e inábeis.
Os Tupamaros usavam o sequestro político, em lugar do simples assassinato, como uma maneira de demonstrar a impotência do governo. Dominar em plena rua importantes figuras políticas e diplomáticas e metê-las nas chamadas ‘prisões do povo’ (localizadas na própria capital), que não eram encontradas pelos órgãos policiais, constituía severo golpe psicológico. A população não reagiu como reagiria se os reféns fossem assassinados, porque os sequestrados eram, na maioria das vezes, políticos acusados de corrupção. O que realmente incomodava os moradores eram os cordões de isolamento e as operações maciças de busca.
A piora do estado da economia provocou uma onda de manifestações estudantis e greves de trabalhadores. Foi declarado estado de emergência nacional em junho de 1968 e perdurou até o final de 1972. Foi durante esta crise que os Tupamaros levaram a cabo seu primeiro sequestro político – Ulises Pereyra, presidente da companhia telefônica estatal, uma figura impopular, cujo rapto foi aclamado pelo público. Quando a polícia ocupou o campus da Universidade Nacional, houve forte reação dos estudantes e um deles foi morto. Pereyra foi solto, ileso, cinco dias depois.
Em setembro de 1969, sequestraram um importante banqueiro e o mantiveram preso por dez semanas, como apoio à greve de bancários. Em julho de 1970 ocorreu o mais espetacular sequestro, que acabou sendo retratado no festejado filme de Costa Gavras, “Estado de Sítio”: Dan Mitrione, um agente da CIA, especialista em arrancar confissões de presos mediante tortura e que havia prestado seus serviços a policiais em Belo Horizonte, e o cônsul brasileiro, Aloízio Gomide, foram mantidos em cativeiro para servirem de resgate em troca de prisioneiros. Quando o governo se recusou a negociar com os Tupamaros, mataram Mitrione, uma ação que teve notório custo político. No primeiro semestre de 1971, o embaixador britânico, o procurador-geral e o ex-ministro da Agricultura foram sequestrados. Ulises Pereyra foi raptado pela segunda vez.
Outras táticas
A segunda tática utilizada pelos Tupamaros era a divulgação de sua força. Algumas dessas ações pareciam nada mais que uma convincente propaganda. Quando o governo proibiu a circulação de jornais de esquerda e a menção da expressão “Tupamaros” na grande imprensa, os guerrilheiros puseram no ar sua própria radiotransmissora e tomaram estações de rádio por minutos para difundir propaganda. Grupos armados chegaram a ocupar salões de reunião para proclamar suas palavras de ordem. Lanchonetes, cinemas e teatros foram tomados para que se ouvissem discursos a um público literalmente cativo. Ações como assaltos a bancos e ataques a delegacias de polícia, à parte os benefícios logísticos, tinham também objetivo propagandístico. Os Tupamaros executaram diversas operações desse tipo com grande precisão.
A terceira tática foi a da intimidação das forças de segurança. Como praticamente só a polícia vinha travando a luta contra a guerrilha, os Tupamaros começaram a selecionar, no final de 1969, os policiais que deveriam ser eliminados. Embora poucos tenham sido executados dessa forma, a moral da tropa ficou abalada. Em junho de 1970, aconteceu uma greve geral da polícia por aumento salarial e o direito de trabalhar em trajes civis. A resposta do governo a essas três táticas foi previsível e malfeita. Parecia a muita gente que os Tupamaros, que nessa altura já somavam 3 mil militantes, é que cercavam a polícia.
Apesar de, no início, o exército e a polícia disporem de pequeno efetivo e mal treinados em técnicas de contra-insurgência, um corpo paramilitar de 20 mil homens, denominado Guarda Metropolitana, foi posto em ação em 1968. Este grupamento foi treinado por policiais norte-americanos e brasileiros nos quadros da Operação Condor.
A economia em recessão e uma série de escândalos de corrupção colaboraram para solapar o que restava de apoio popular. Parecia que os Tupamaros estavam a ponto de desestabilizar o governo – o que o levaria a ser derrubado.
Derrocada
Em novembro de 1971, realizaram-se eleições presidenciais. Formou-se uma aliança de partidos de esquerda e centro-esquerda, chamada Frente Ampla, para desafiar os tradicionais partidos Blanco e Colorado. Os Tupamaros, deram apoio verbal à Frente Ampla enquanto prosseguiam em suas ações. Entretanto, o ambiente de permanente crispação nas ruas de Montevidéu acabou por debilitar o apoio popular aos guerrilheiros. A coalizão, acusada de associação com os Tupamaros, teve menos de 20% dos votos. O novo presidente uruguaio, Juan María Bordaberry, suspendeu as liberdades civis e declarou o estado de guerra interno contra os Tupamaros em abril de 1972. O exército, que vinha desempenhando um papel secundário na repressão, passou a agir diretamente, valendo-se de prisões em massa, torturas e grandes operações de cerco e captura. Essa tática de saturação conseguiu prender a maioria dos guerrilheiros, obrigando os restantes a fugir do país. Por volta de novembro de 1972, os Tupamaros deixavam de ser uma ameaça ao governo do Uruguai.
O governo ganhou a guerra, porém ao preço da destruição da democracia e do exílio de boa parte da população. O exército, que nos dez anos anteriores consumia apenas 1 por cento do orçamento, passou a tomar mais de 26% e não estava disposto a retornar aos quartéis. Em sua visão, os militares estavam pondo a casa em ordem para os politicos e não deixariam que a subversão voltasse a ocorrer. A liderança militar pressionou o presidente Bordaberry a manter o estado de guerra interno. Em meados de 1973, toda a atividade política de esquerda havia sido suprimida e o congresso nacional foi dissolvido indefinidamente.
O Uruguai, outrora o mais tolerante e democrático país da América do Sul, tornara-se mais uma ditadura militar. Derrotados, os Tupamaros deixaram a cena, embora mais tarde tenham avançado politicamente para surgir como mais sérios desafiantes do poder estabelecido do que qualquer outro movimento de guerrilha urbana do continente americano.
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