Em 1799, Napoleão Bonaparte tomava o poder absoluto na França, no episódio que ficaria conhecido como “o golpe do 18 Brumário”. Até então, passados 10 anos do início da Revolução Francesa, o país vinha sendo governado por um colegiado de líderes, chamado de Diretório. Ao derrubá-lo, aproveitando-se de seu prestígio nos campos de batalha, o jovem general consolidava seu poder e abria caminho para coroar-se imperador, cinco anos mais tarde.
De volta da campanha do Egito, Napoleão decidiu “salvar a República”, ameaçada pelos monarquistas e pelos jacobinos (revolucionários radicais). Num primeiro momento, os deputados do Conselho dos Quinhentos e do Conselho de Anciãos se recusaram a modificar a Constituição em favor do general, mas, fortemente pressionados, acabaram cedendo e nomeando um governo provisório com três cônsules com iguais poderes cada: Napoleão, Sieyès e Roger Ducos. Não demorou para Napoleão se tornar o Primeiro Cônsul e acumular todos os poderes. Era o dia 18 brumário (de “bruma” ou “névoa” em francês) pelo calendário da Revolução Francesa – correspondente a 9 de novembro de 1799 pelo calendário gregoriano.
Napoleão valera-se de sua ação no Egito para estimular a imaginação dos franceses com as imagens de pirâmides, camelos, dunas e a Pedra de Rosetta. No campo de batalha, teria feito o célebre discurso: “Soldados de França, do alto dessas pirâmides quarenta séculos vos contemplam”. Dois anos antes, com sua vitória sobre os exércitos ítalo-austríacos, já havia adquirido o status de heroi nacional francês. O general recebeu uma recepção apoteótica quando retornou a Paris e, em seguida, começou a planejar o golpe de Estado.
Diferentemente de outros episódios da Revolução Francesa, o 18 Brumário foi resultado de planejamento. Napoleão certificou-se de que os generais não dispostos a acompanhá-lo, convenientemente, estivessem fora da cidade. Lucien Bonaparte, irmão de Napoleão, fora eleito presidente do Conselho dos Quinhentos (o que seria hoje uma Câmara Baixa) poucos dias antes da data estipulada para o levante. O plano foi também calculadamente financiado pelos banqueiros e altos membros da burguesia, que viram seus interesses contrariados com a Revolução. Parecia que Bonaparte não teria de enfrentar grandes obstáculos.
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‘General Bonaparte no Conselho dos Quinhentos’, por François Bouchot.
Na véspera do 18 Brumário, o Conselho dos Anciãos (o que seria hoje o Senado) recebeu a informação – falsa – de que estava em curso um complô dos jacobinos, marcando-se uma reunião de emergência para as primeiras horas do dia. Um contingente militar que incluiu Napoleão e outros 20 generais cercou o Palácio das Tulherias, sede do governo. Durante a sessão, alguns deputados que ficaram “convencidos” de que a conspiração realmente estava em andamento denunciaram-na ao presidente. O Conselho então decidiu que no dia seguinte se reuniria com os Quinhentos para enfrentar o problema. Como parte da trama, foi entregue a Napoleão o controle total da praça militar de Paris.
O plano caminhava sem contratempos. Enquanto isso, dois dos cinco membros do Diretório – Moulin e Gohier – desconfiaram. Esgotadas as tentativas de persuadi-los, Ducos e Sieyès (outros dois membros do Diretório metidos na conspiração) mantiveram-nos fechados no Palácio de Luxemburgo.
O castelo de Saint-Cloud, a 10 quilômetros de Paris, onde se reuniriam separadamente os dois Conselhos, amanheceu cercado por soldados. Houve resistência dos jacobinos. O Conselho dos Anciãos relutava, e o dos Quinhentos manifestou-se, de repente, ardorosamente republicano. Vendo a situação perigar, Napoleão resolveu enfrentá-la pessoalmente.
Napoleão não era bom orador e seu discurso não conseguiu convencer os anciãos relutantes. Dirigiu-se aos Quinhentos, onde encontrou uma séria oposição. Ouviu xingamentos de “tirano” e “bandido”. Deputados jacobinos impediam sua passagem à tribuna, esmurrando-o e cuspindo nele. Napoleão acusou seus opositores de tentativa de assassinato. Lucien Bonaparte confirmou o complô para assassinar o irmão. As tropas, “irritadas”, invadiram o castelo. Pressionados e intimidados, os deputados votaram.
Napoleão, Sieyès e Ducos foram nomeados respectivamente Primeiro, Segundo e Terceiro cônsules, inaugurando o período conhecido como “Consulado”. Em 31 de dezembro, Napoleão substituiu Sieyès e Ducos pelos maleáveis cônsules Cambaceres e Lebrun. Nessa oportunidade, teria declarado: “A Revolução acabou!”. Em 1804, coroou-se imperador dos franceses.
O primeiro parágrafo da obra de Marx “O 18 Brumário de Luis Bonaparte” afirma: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na História do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, e a segunda, como farsa.” O 18 Brumário de Napoleão foi a tragédia. O de seu sobrinho Luís (ou Napoleão III), meio século depois, foi a farsa.