Para os padrões brasileiros, ainda não acabou o frio em Nova York: é preciso pelo menos uma blusa para sair à rua – o que já é uma grande mudança se compararmos com a média de 3ºC de duas semanas atrás. Mas a proximidade da primavera já é suficiente para que manifestantes do movimento Occupy Wall Street comecem a se reorganizar e tomar novamente as ruas do centro financeiro mundial.
Assista vídeo feito pelo repórter Raphael Prado:
Opera Mundi acompanhou o segundo dia de retomada do movimento, que completou seis meses no sábado (17/03). Nesta data em que multidões andavam bêbadas pelas ruas para comemorar o St. Patrick’s Day, os manifestantes do Occupy voltaram ao Parque Zuccotti, ao sul da ilha de Manhattan, para protestar contra o capitalismo e o mercado financeiro. Eles haviam tomado o local pela primeira vez em 17 de setembro de 2011.
Mas a polícia nova-iorquina também havia se preparado para o aniversário dos seis meses do movimento. Segundo os integrantes do Occupy, a reação diante da retomada do parque foi violenta e terminou com 73 presos. A polícia não confirma a quantidade de detidos.
Domingo (18/03), os protestos foram retomados e, pelo que indicam os manifestantes, pelo menos até o próximo inverno. Aos gritos de “Fora, polícia!” – mas sem nenhum incidente registrado – os “occupiers” voltaram e encontraram a área do parque cercada por grades. Foi quando a indignação começou.
O parque Zuccotti, ou Liberty Place, é um dos 503 POPS de Nova York (sigla em inglês para Espaço Público Privado). Funciona da seguinte maneira: quando a prefeitura cede a uma corporação o espaço para levantar um arranha-céu, ela obriga que parte do terreno seja usado para atender o público. A área vira uma praça, é de uso dos cidadãos, mas não é pública. Manifestantes do Occupy Wall Street entendem que o espaço pode ser ocupado, mas a prefeitura, não.
Raphael Prado/Opera Mundi
Cartaz dá boas-vindas aos manifestantes na Union Square, em Nova York. Praça foi ocupada neste final de semana
Caminhada
Cercada a área, restou marchar pela cidade. E nessa caminhada que levou quase quatro horas, Opera Mundi pode conhecer um pouco do perfil de quem está pedindo a mudança do sistema sócio-político-econômico mundial e entender suas mais variadas reivindicações.
A portorriquenha Ivelin Talarico tem 65 anos, três filhos e três netos. Ela é pintora e mora nos Estados Unidos desde a adolescência. “Cheguei aqui muito jovem, trabalhei como costureira para criar minha família”, conta a artista que participa do movimento desde a primeira ocupação, em setembro do ano passado. “Nós que somos imigrantes viemos em busca de um sonho de uma nova vida. Mas, primeiro, que sonho é esse? E por que ele não está disponível em todos os países?”, questiona.
Desde que decidiu entrar para o Occupy, as obras de Talarico passaram a refletir aquilo que via no movimento. “Pintei sobre um novo mundo, mas também pintei violência policial, a violência daqueles que estão aqui para nos bater e defender a manutenção desse sistema desigual”, diz. A manifestante também explica o porquê de não haver uma liderança centralizada no Occupy. “Tudo o que eles querem [os policiais] é alguém que seja o líder, porque aí eles prendem aquele que acham ser a cabeça da serpente. Por isso, se alguém pergunta, todo mundo responde: ‘Eu sou o líder’”, explica.
Crítica também frequente é a de que não há objetivos definidos para o movimento. “Isso é bobagem. Eu acho que a mídia que faz essa crítica ajudou o sistema a chegar a esse ponto”, opina a estudante Christina Gonzalez, de 25 anos. Ela acompanha o movimento desde 18 de setembro de 2011, o segundo dia de “Occupy”. “Não há só uma mensagem, são várias. É preciso ouvi-las e perceber que todas elas são legítimas. O sistema é tão complexo agora que como alguém vem cobrar de nós que a gente saiba como uma nova estrutura deve ser?”, acrescenta. Para ela, não se trata de reformar o capitalismo, mas substituí-lo.
Debora Goodman, de 50 anos, passou todo o sábado do St. Patrick’s Day com os manifestantes, participando de protestos pacíficos e manifestações culturais. Por volta das 23h, voltou para casa para recarregar a câmera. “Eu estava sentindo que alguma coisa ruim ia acontecer e queria poder registrar”, diz. No tempo em que esteve fora, a polícia retirou à força os manifestantes do parque Zuccotti.
Ela lamenta que a violência policial seja um argumento para mobilizar mais pessoas. “Preferia que o movimento crescesse pelas nossas ideias, mas também não podemos aceitar esse tipo de violência e opressão do Estado”, afirma. A aposentada critica o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. “Essa repressão vem de cima, essa é a forma como ele atua, um cara que é doente pelo poder e acha que a polícia é o exército pessoal dele”, opina.
A luta pelo acesso universal à saúde gratuita é o que traz Goodman ao Ocuppy Wall Street. Sobrevivente de um câncer de mama, ela gostaria que todas as pessoas tivessem oportunidade de tratamento. Mas tem dúvidas se sobreviverá para ver a construção de um novo mundo. “Não é difícil, basta cada um olhar no olho do outro, apertar as mãos e fazer algo bom para todos. Mas hoje tudo gira em torno da ganância e do lucro”, lamenta.
Raphael Prado/Opera Mundi
Policiais acompanham manifestantes em marcha por Nova York, seis meses após criação do Occupy Wall Street
Union Square
Depois de caminhar por algumas das principais ruas do sul da ilha de Manhattan, os manifestantes votaram para onde iriam. Com o fechamento do parque pela polícia, eles decidiram que ocupariam a Union Square, uma das mais movimentadas praças de Nova York, na altura da Rua 14 com a Broadway. Ao chegarem ao local, eles se juntaram a outros militantes que já tinham passado uma noite no local.
A polícia permitiu que houvesse pernoite na praça, mas impôs regras: não seriam permitidas barracas e os ocupantes não poderiam dormir ali. “Se ficarem cansados, podem até deitar, fechar os olhos, mas alguém tem que estar consciente no grupo. Caso contrário, a polícia irá nos expulsar”, avisava na chegada um dos ativistas.
Enquanto os novos moradores da Union Square se acomodavam, outros se organizavam para comprar comida. Os mais ansiosos planejavam e convidavam “a imprensa do Brasil” a participar daquele dia que definem como um marco para o movimento: um ato gigantesco no 1º de maio. Nesta data, garante Ivelin Talarico, “tudo vai parar. E vai ser em Wall Street”.
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