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Apoiadores de Fernando Lugo prostestam contra processo de impeachment no centro de Assunção
O Senado paraguaio deverá anunciar às 16h30 (17h30 no horário de Brasília) desta sexta-feira (22/06) a decisão final do processo de impeachment contra o presidente, Fernando Lugo, que determina se o governante será destituído ou não de seu cargo. Diversos analistas já dão sua deposição como certa, mas o desfecho da crise segue em aberto.
Desde o meio-dia de quinta-feira (21/06), a Praça de Armas em frente à sede do Congresso voltou a exibir o mapa de um país dividido: dois grupos, cada vez mais numerosos, se manifestaram com posturas opostas, separados apenas por uma barreira policial.
De um lado, estão os apoiadores do processo de impeachment de Lugo, constituídos, principalmente, por ativistas das principais forças políticas conservadoras, o Partido Colorado e o Partido Liberal – que até a manhã de quinta-feira (21/06) era aliado do presidente –, por organizações de empresários e produtores e por cidadãos críticos ao atual governo.
Do outro lado, grupos camponeses e indígenas, moradores de assentamentos rurais e bairros periféricos, muitos deles beneficiários dos programas de ajuda social do governo, se juntam a jovens militantes de partidos de esquerda e de movimentos sociais.
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“É um cenário que não esperávamos. O que, a princípio, foi concebido como uma simples ameaça ou um jogo político encontrou respaldo de outros partidos, sem que a causa esteja muito clara. E agora, temos um quadro de comoção social, um futuro que pode ser muito sombrio”, disse nesta quinta-feira (21/06) o médico e analista político Alfredo Boccia Paz.
Em um curto espaço de tempo, a população paraguaia se viu agitada por um verdadeiro redemoinho político. Há apenas algumas semanas, na noite do dia 25 de março, o local havia sediado uma verdadeira euforia cidadã, quando um numeroso grupo de indignados, convocados pelas redes sociais, fizeram uma manifestação contra a decisão dos legisladores de utilizar 150 bilhões de guaranis dos fundos públicos para pagar salários a políticos.
A indignação estava, então, focada nos “depucachorros” (deputados ladrões) e, em segundo plano, nos ministros da Suprema Corte de Justiça, acusados de corrupção. Ainda que alguns setores políticos de oposição insistissem em acusar também o presidente por suposto mau desempenho, todos sabiam que não havia votos suficientes no Congresso (é necessário 54 votos dos 80 deputados), pois Lugo contava com a aliança do PLRA (Partido Liberal Radical Autentico), segunda força política do país, opositor do Partido Colorado.
O estopim
Mas no dia 15 de junho, algo se transformou. Em Curuguaty, uma localidade rural no nordeste do Paraguai, forças policiais tentaram desalojar um grupo de camponeses sem terra que ocupavam uma propriedade de 2 mil hectares, apropriada irregularmente por um empresário e político da ditadura, Blas Riquelme. A polícia interviu e se iniciou um batalha que acabou com 17 mortos (11 camponeses e 6 policiais) e mais de 20 feridos.
Foi a mais grave tragédia desde o fim da ditadura no Paraguai, que tocou um dos temas mais sensíveis no país: a alta concentração das terras e a grande pobreza no campo. No Paraguai, 80% de terras férteis estão nas mãos de 2% da população, concentrando-se no agronegócio de alta produtividade, que gerou um crescimento econômico de 14,5% em 2010, mas ao custo de uma taxa de 39% da população vivendo abaixo dos níveis de pobreza e 19% em situação de pobreza extrema, segundo dados do censo nacional.
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Camponeses observam corpo de manifestante morto durante os confrontos em Curuguaty
A reforma agrária, para acabar com essa dívida antiga com os setores mais humildes camponeses do Paraguai, foi uma das principais promessas eleitorais de Fernando Lugo. Mas, na prática, pouco se fez.
O massacre de Curuguaty foi habilmente explorado pelos líderes do Partido Colorado para vender a ideia de que Lugo foi o principal responsável pela morte de 11 camponeses e seis polícias. “Hoje temos um país sem lei, e o presidente Lugo é o principal responsável”, disse Lilian Samaniego, presidente do Partido Colorado, ao anunciar na noite de segunda-feira (18/06) que seu partido havia decidido pedir o impeachment do chefe de Estado no Parlamento.
A ruptura
A decisão dos colorados não chamou muita atenção, uma vez que seus votos não seriam suficientes para que o processo prosperasse no Parlamento. Mas quando na manhã da quarta-feira, a segunda maior força política no Paraguai, o PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico) fez o mesmo, o quadro mudou drasticamente.
Os liberais, que faziam parte do governo de Lugo, afirmam que o presidente ignorou suas críticas internas, para se apoiar nos setores de esquerda e, ultimamente, até mesmo em figuras do Partido Colorado. O que mais irritou os liberais foi o fato de depois da tragédia de Curuguaty, Lugo demitiu seu ministro do Interior, o socialista Carlos Filizzola, e nomeou como seu substituto Ruben Candia Amarilla, do Partido Colorado, ex-procurador-eral do Estado, e acusado por organizações camponesas como um dos principais executores da repressão contra os ocupantes de terra, enquanto ele estava no comando do Ministério Público.
“Está decidido: nós, liberais, estamos cansados de sustentar um governo ruim. O senhor presidente tem de ir para casa”, disse o vice-presidente do Partido Liberal, Salyn Buzarquis, que foi responsável por comunicar a decisão do seu partido. “O Partido Liberal se exime de qualquer responsabilidade política sobre o governo do presidente Lugo”, sublinhou o líder do partido no Congresso, Blas Llano.
Poucos minutos depois de os liberais decidiram romper sua aliança com o governo Lugo e passar para o lado dos adversários, o processo de impeachment já estava iniciado oficialmente na Câmara dos Deputados, com celeridade.
A peça de acusação para processar o presidente foi aprovada quase por unanimidade, com 73 votos a favor e apenas um contra: o da deputada socialista Aida Robles, que descreveu a atitude de seus colegas como “oportunismo político”.
Acusações genéricas
Entre os oito pontos da acusação contra o presidente, os deputados mencionaram um ato político de esquerda realizado em um quartel militar; o apoio governamental dado a um grupo de camponeses da Liga Nacional de Carperos, que invadiram terras do produtor de soja brasileiro Tranquilo Favero, em Ñacunday, área com crescente casos de conflitos agrários violentos; a adesão ao chamado Protocolo de Ushuaia II entre os países do Mercosul, que autorizaria uma aliança entre governos de esquerda, e o caso mais emblemático, o do massacre entre camponeses e policiaisem Curuguaty.
“O Presidente da República Fernando Lugo Méndez incorreu em mal desempenho de suas funções por ter exercido o cargo que ostenta de maneira imprópria, negligente e irresponsável, trazendo caos e instabilidade política a toda a República, gerando o constante confronto entre classes sociais, cujo resultado final foi o massacre entre compatriotas, sem precedentes nos anais da história da nossa independência nacional até esta data, em tempo de paz”, afirma o documento.
O pedido de impeachment foi imediatamente levado ao Senado, que convocou cinco sessões especiais e deu menos de 24 horas ao Poder Executivo para se defender das acusações.
Nesta sexta-feira, em uma meteórica sessão marcada para o meio-dia (13h em Brasília), se realizará a sessão de defesa, com duas horas de duração. Às 14h30 (15h30), se avaliam as provas; uma hora depois serão apresentadas as alegações finais e uma sessão às 16h30 (17h30) deve revelar o veredicto final.
Reação
Na manhã de quinta-feira (21/06), logo depois de saber que os dois principais partidos políticos do país se uniram derrubar o presidente, o Paraguai foi tomado por um forte rumor de que Fernando Lugo enviaria imediatamente uma carta de renúncia para evitar conflitos. Mas em poucas horas, a versão foi substituída por outra: Lugo decidiu ficar e enfrentar o processo.
Às 10h30, diante de grande expectativa Paraguai, Lugo anunciou oficialmente a sua decisão: “Este presidente não vai renunciar ao cargo e se submete, com absoluta obediência à Constituição e as leis, a enfrentar o julgamento político, com todas as suas consequências”, disse.
O presidente afirmou que é alvo “de um ataque impiedoso de setores que sempre se opuseram à mudança, que sempre viveram do privilégio e nunca quiseram compartilhar os benefícios. Disse que “o povo paraguaio não vai ignorar que se pretende interromper um processo democrático histórico, há apenas nove meses das eleições.”
Efeitos
A partir daí, que contava com uma crise rápida e sem traumas, começou a se preocupar.
Os efeitos sobre a economia e a sociedade foram quase imediatos. Diversas lojas no centro de Assunção começaram a fechar suas portas por medo de saques. A crise afetou a cotação do dólar, que subiu para 4.65 guaranis. O Banco Central do país teve de intervir e vender 20 milhões de dólares ao mercado para conter a desvalorização da moeda paraguaia, “para dar alguns sinais e evitar movimentos indesejados”, explicou Hernan Colman, diretor do Banco.
Com os primeiros rumores de golpe, os militares emitiram uma declaração oficial dizendo que se manteriam “dentro de sua função específica no ordenamento constitucional e democrático”.
A polícia também esclareceu que “apoia a institucionalidade da República e a garantia do exercício geral, público e livre de seus direitos, bem como proteger suas vidas e seus bens”.
O impacto no cotidiano do paraguaio comum foi visível. Muitos eventos sociais e artísticos foram adiados. A APF (Associação Paraguaia de Futebol) decidiu suspender todos os jogos do Torneio Apertura, que seriam disputados neste fim de semana.
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Polícia protege entrada da Câmara dos Deputados durante votação que abriu processo de impeachment
“Este é um golpe dos liberais e colorados. Não há nenhuma razão para processar o presidente. A acusação é um panfleto político sem fundamento. O caso dos assassinatos em Curuguaty é citado brevemente na acusação contra Lugo, quando nos discursos é usado como a causa principal. Aqueles que pedem o juízo [político] são os que estão perdendo o juízo”, definiu o sociólogo José Carlos Rodriguez, do Centro de Documentação e Pesquisa.
Pouco antes do meio dia na quinta-feira, as pessoas começaram a chegar na Plaza de Armas de Assunção, o mesmo cenário onde há 13 anos uma situação semelhante ocorreu. Em março de 1999, quando após o assassinato do então vice-presidente da República, Luis Maria Argaña, milhares de cidadãos foram para exigir o impeachment do presidente Raúl Cubas Grau, e milhares se reuniram em sua defesa, criando uma situação de luta constante, que terminou com o assassinato de sete manifestantes por franco-atiradores, e precipitou a renúncia de Cubas e seu posterior asilo no Brasil, nos eventos que ficaram conhecidos como a Marcha do Paraguai.
“Eu tenho uma sensação de déjà vu, como se já tivéssemos passado por essa situação angustiante”, admitiu Alexandre Noguera, diretor de marketing de uma editora de Assunção.
Os grupos de manifestantes foram crescendo na tarde e noite, quase além da praça. Por várias vezes houve incidentes e agressões, que foram contidas pela polícia. “O impeachment é um conceito constitucional, mas os argumentos não são objetivos, estão apenas sob o manto da legalidade, mas não são legítimos, é um movimento dos partidos tradicionais dentro das linhas de chantagem oportunista”, disse Luis Aguayo, secretário-geral do Conselho Nacional de Coordenação de Organizações Camponesas (MCNOC).
O líder agrário acredita que a tentativa de remoção de Lugo é “orquestrada dentro de um projeto que interrompeu o processo democrático construído pelo nosso povo, o que levanta a direita em direção à extrema-direita, para quem o Estado ainda é usado para roubar e ficar rico impunimente e continuar um modelo de estado corrupto”.
As principais organizações sociais, mesmo as mais críticas a Lugo, se uniram na rejeição do juízo político. Fortes rumores de planos para dissolver o Congresso correram na noite passada.
Ao final da tarde, o presidente da CEP (Conferência Episcopal Paraguaia), Claudio Bispo Gimenez, e o enviado do Vaticano, Antonio Ariotti Eliseu, visitaram o presidente em sua residência, e pediram-lhe para renunciar ao cargo”, de modo a evitar quaisquer conflitos que possam surgir como resultado de impeachment.
Unasul
À noite, vários ministros dos Relações Exteriores da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) chegou ao país para se reunir com o presidente Lugo: Hector Timerman (Argentina), Antonio Patriota (Brasil), Luis Almagro (Uruguai), Alfredo Moreno (Chile), Rafael Roncagliolo (Peru), Ricardo Patiño (Equador), Nicolás Maduro (Venezuela), Maria Angela Olguin (Colômbia). Ministro das Relações Exteriores boliviano, David Choquehuanca não pôde comparecer, mas seu substituto chegou – o ministro do Desenvolvimento, Nemesia Achacollo.
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Chanceleres da Unasul se reúnem com o presidente Fernando Lugo; grupo tenta evitar derrubada do chefe de Estado
O secretário da Unasul, Ali Rodriguez, disse que “a comissão de ministros das Relações Exteriores analisará profundamente a situação política no Paraguai e com base nisso, tomará as medidas adequadas. “Rodriguez aproveitou para incentivar a paz e esclareceu que o bloco irá respeitar a decisão das instituições paraguaias em relação ao processo de impeachment”.
Na noite desta quinta-feira (21/06), em um debate transmitido no canal televisivo Telefuturo, o deputado do Partido Colorado, Oscar Tuma, um dos procuradores no impeachment, disse que Lugo teve um mal desempenho em suas funções e por isso, foi aberto o processo.
O deputado da oposição disse que o presidente não é acusado de ter matado camponeses e policiais em Curuguaty, mas de ter “facilitado o acontecimento destes fatos” e anunciou que, após o término do processo de impeachment e com a saída Lugo, serão enviadas informações sobre o caso para a justiça comum.
“Amanhã (22/06) vou estar no Congresso com os meus advogados e assessores jurídicos para responder às acusações” disse Lugo em entrevista à rede televisiva Telesur na quinta-feira (21/06).
O presidente acusou o empresário e candidato presidencial do Partido Colorado, Horacio Cartes, de ser o principal ator por trás da manobra política que tenta destitui-lo.
“Eu acho que o meu governo é aceito pela maioria, estão contra aqueles que sempre se beneficiaram do poder. Amanhã, espero que reine a racionalidade no Parlamento e que o Presidente possa sair vitorioso deste julgamento injusto”, afirmou Lugo.