Atualizada às 15:52
O aplicativo Pokémon Go tem chamado a atenção não só pela quebra de recordes de instalação, mas também por discussões sobre a privacidade de dados na internet. Em meio à espera pelo lançamento da novidade no Brasil, usuários passaram a questionar, nos últimos dias, um possível uso das informações coletadas pelo software por empresas e governos.
Poderia mesmo um jogo como esse ser utilizado por órgãos como a CIA (agência de inteligência norte-americana) para monitorar cidadãos comuns? Para especialistas ouvidos por Opera Mundi, isso é possível. Mas, para além disso, a questão mostra o quanto usuários e seus dados estão expostos na internet.
No domingo (24/07), um post no Facebook sobre a suposta relação entre o criador do Pokémon Go, John Hanke, e a agência norte-americana teve quase 40 mil compartilhamentos.
O autor do post lembra que Hanke fundou, em 2001, a Keyhole, uma companhia pioneira no desenvolvimento de softwares para mapeamento de superfícies. Em 2004, em uma transação de 35 milhões de dólares, a Keyhole foi comprada pelo Google, e sua tecnologia foi utilizada para criar o Google Earth.
O ponto que mais criou polêmica faz referência ao financiamento da Keyhole. Isso porque um de seus patrocinadores foi a empresa In-Q-Tel , uma organização não-governamental “criada para preencher a lacuna entre a tecnologia que a Comunidade de Inteligência dos EUA necessita e a inovação comercial emergente”, segundo seu website. A partir daí, usuários começaram a discutir a possibilidade de que o Pokémon Go pudesse ser utilizado como uma ferramenta de “vigilância” sobre usuários em todo o mundo, ao deixar imagens de suas casas expostas a serviços de monitoramento.
O Pokémon Go, da Niantic Inc., é um jogo de realidade aumentada desenvolvido para smartphones. Nele, os usuários devem caçar os chamados pokémons (monstros animados), que ficam sobrepostos a cenários reais, por meio de um mecanismo que utiliza as câmeras dos celulares. Para ter acesso ao jogo, os usuários devem liberar o acesso de dispositivos como câmera, GPS e microfone de seu aparelho – nada muito diferente do que exigem, por exemplo, ferramentas como Facebook, Instagram e Snapchat.
Essa não foi a primeira discussão em torno da privacidade dos dados dos usuários do Pokémon Go. Quando o jogo foi lançado, o usuário que fazia login com seu perfil no Google dava ao aplicativo acesso total à sua conta do Gmail, incluindo e-mails, fotos e contatos. A companhia justificou o problema como “falha”, corrigindo-o algum tempo depois.
Agência Efe
Estudantes universitários brincam com o “Pokémon Go” em Tóquio
Vulnerabilidade dos dados
Embora não haja evidências sobre o uso que o software faz dos dados armazenados dos usuários, especialistas afirmam que há razões para se preocupar quando o assunto é segurança na internet.
O professor da faculdade de Educação da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Nelson Pretto disse a Opera Mundi que é preciso “não demonizar, nem desacreditar” a hipótese de que órgãos de inteligência como a CIA possam acessar dados a partir de aplicativos como o Pokémon Go. “O que é um dado concreto é que todos os dados estão expostos na internet, e tanto a CIA como FBI podem acessá-los, [isso] é absolutamente verdadeiro”, afirma.
Para ele, casos como o do “Pokémon Go” evidenciam a vulnerabilidade dos usuários. “Nós abrimos brechas diariamente, não cuidando dos nossos dados, que podem ser usados tanto por governos como por empresas privadas”, aponta.
O professor da Universidade Federal do ABC e ativista de Software Livre Sergio Amadeu também considera que nenhuma hipótese deve ser descartada em relação a esse tipo de software. “Mesmo que seja ‘teoria da conspiração’, é uma ‘teoria da conspiração’ baseada em inúmeros fatos e evidências que já se confirmaram, como as denúncias do [Edward] Snowden”, diz.
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Snowden, ex-analista da NSA (Agência de Segurança Nacional) dos Estados Unidos, vazou ao jornal britânico The Guardian documentos que indicavam que a GCHQ, agência britânica de espionagem, coletou imagens das webcams usadas por usuários durante conversas por meio do chat mantido pelo site Yahoo.
Agência Efe
Usuário do “Pokémon Go” em Sydney, na Austrália
Outro ponto a ser lembrado, segundo Amadeu, foi a aprovação nos Estados Unidos, em 1994, da Lei de Auxílio das Comunicações para a Aplicação do Direito (Communications Assistance for Law Enforcement Act, abreviada para Calea). A legislação passou a obrigar fabricantes de produtos eletrônicos no país a implantar tecnologias capazes de passar informações a agências norte-americanas. “Todo aparelho de telecomunicação deve vir com dispositivo que permita remotamente ser acionado pelas agências de segurança dos EUA. Isso está escrito, não é uma piada”, afirma o professor.
Amadeu aponta que uma das alternativas para aumentar a proteção é que usuários comuns passem a investir em ferramentas de criptografia, o que poderia ser um obstáculo para o monitoramento feito por empresas de inteligência.
Outra necessidade, segundo Nelson Pretto, é aprovação de mecanismos para regulação da internet. No Brasil, a principal iniciativa é o Marco Civil da Internet, regulamentado este ano pela presidente Dilma Rousseff e que ajuda a definir quais dados podem ou não ser guardados ou usados pelas empresas. “Não confundir privacidade e transparência”, pontua o professor. “É preciso ter privacidade para indivíduos e transparência para governos e órgãos públicos”, conclui.
Até o momento, segundo seus desenvolvedores, o “Pokémon Go” já teve 75 milhões de downloads. No Brasil, o jogo pode ser liberado no dia 31 de julho, segundo o site MMO Server Status. Hoje, ele está disponível para os sistemas iOS e Android em Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Canadá, Japão e em 31 países europeus.