Há uma semana: paredão no Big Brother Bozo 171
Em 24 de abril, um marreco manco e de asa cortada abandonava a estrebaria do ex-capitão Messias Ailóviu transformando-se em “ex-juiz-da-lava-jato”...
Nesta pandemia de coronavírus, as coisas mudam tão rápido que a gente perde a noção do que aconteceu ontem, antes de ontem, há uma semana. O que choca pela manhã já é notícia velha à tarde.
Pensando nisso, Opera Mundi estreou a coluna “Notícias da Semana Passada”. O texto que você lê abaixo foi escrito há uma semana e publicado só agora.
Com esse "distanciamento temporal", procuramos mostrar o que estava ocorrendo na semana anterior e como a epidemia afetava nossas vidas. A ideia é responder: quem nós éramos na semana passada?
Hoje, publicamos o texto de Dainis Karepovs, historiador, coautor de Na Contracorrente da História (Sundermann, 2015) e autor de Pas de politique Mariô! Mario Pedrosa e a política (Ateliê; Editora da Fundação Perseu Abramo, 2017):
São Paulo, 24 de abril de 2020.
Estamos nós quatro, eu, minha companheira e minhas duas filhas, em confinamento desde o dia 16 de março por conta da pandemia de coronavírus. Não é uma vida fácil. Faz falta estar nas ruas com vida em movimento.
Observo, sinto os aromas, e ouço a vida pela varanda de meu apartamento. De minha vizinha do andar de cima, que mora com seu filho músico e o seu neto adolescente cadeirante, portador de uma doença congênita que o impede de se movimentar e de se comunicar, lançam-se pela janela os odores de fabulosas iguarias e os sons ora de um piano, ora de um cello. Mesmo que às vezes sejam eles melancólicos, quando ouço o “Merry Christmas Mr. Laurence”, de Ryuchi Sakamoto. É a vida. Mas aqui em meu prédio já tivemos uma morte de uma vizinha e a filha dela segue na UTI, agravado o coronavírus por uma infecção hospitalar.
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Além disso, dessa varanda também vejo e ouço os sons inquietantes de gente deixando o confinamento. O enorme volume de carros na avenida Sumaré, as pessoas andando pelas calçadas rumo ao seu trabalho, os trabalhadores da construção civil em duas construções de prédios deixam claros os efeitos perversos do desgoverno do ex-capitão Messias “Ailóviu” B. O irresponsável e criminoso incentivo ao rompimento da quarentena, bem como as incompetentes medidas e contramedidas econômicas, começaram a despejar pessoas desesperadas nas ruas.
Antes do confinamento, algumas coisas comigo já tinham sido resolvidas e percebo que continuam válidas. Entre eles, estava a de autodefesa, ou seja, a de buscar fonte de informação que não fosse a autodenominada “grande imprensa brasileira”. Esta, como se sabe, já encerrou tragicamente seu ciclo de vida na segunda metade da primeira década do século XXI ao romper completamente seus elos com os fatos e deixar involucrados com as crenças de seus proprietários os artefatos denominados “notícias”. Talvez, num excessivo otimismo de minha parte, confesso, espero que ela consiga reatar suas conexões com os fatos depois de superarmos a pandemia. Mas neste momento a “grande imprensa brasileira”, mesmo flertando com alguns comportamentos contraditórios – certamente provocados pelo contato com a devastação provocada pela pandemia (e que não chegou ainda ao seu ápice, é bom ter isso presente) –, perde o pelo, mas não perde o vício. Ela a substitui por novas fontes fiáveis e éticas da imprensa e da internet, que não brigam com os fatos.
O dia 17 de abril iniciou-se com outra tentativa de criação de um “fato”: a suposta existência de um plano urdido pelo presidente da Câmara dos Deputados, pelo governador do Estado de São Paulo e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) contra o governo do ex-capitão Messias “Ailóviu” B., o qual, com as contribuições dos mesmos cães raivosos de sempre, transformou-se em uma “intentona comunista”. Ao suposto “dossiê” – que nunca apareceu: os fatos, idiotas, os fatos, onde estão? – seguiu-se um comício realizado dois dias depois pelo ex-capitão Messias Ailóviu B. defronte o Quartel General do Exército no Distrito Federal. Nele os presentes urravam por intervenção militar, um novo AI-5, e outras sandices, às quais o ex-capitão acrescentou a reiterada e genocida proposta de fim do confinamento. Isto tudo adornado com o discurso do ex-capitão em que ele, em meio a acessos de tosse, afirmava que “nós não queremos negociar nada” e que agora “é o povo no poder”. Em outras cidades, conectadas na mesma conspiração, ocorriam carreatas e congestionamentos defronte a hospitais com pacientes atacados pela coronavírus e passeatas nas avenidas com “dancinhas” com caixões, entre outras horripilantes manifestações, todas promovidas por genocidas ensandecidos.
Esta tentativa de fomentar um possível golpe de estado com a adesão das Forças Armadas gerou uma onda de “notas de repúdio” de diversas instituições e entidades. Estas ações do ex-capitão e de suas milícias, ao mesmo tempo em que causavam indignação generalizada, também serviu para criar a percepção – sobretudo pela desconfiança e sarcasmo com que foram recebidas – de que às instituições e entidades, para fazer frente a este quadro, cabia atuar mais incisivamente e de acordo com as finalidades e prerrogativas que detinham e que não eram até ali empregadas.
O governo do ex-capitão Messias “Ailóviu” B., frente a ações do STF, autorizando a abertura e continuidade de diversos procedimentos jurídicos, à insistente aparição da palavra “impeachment” nos meios parlamentares, tentou criar uma manobra de distração, com a colaboração do eterno golpista Bob Jefferson, para a formação de uma nova aliança partidária. Não antes de sair-se com um patético, à la Luís XIV, “eu sou a Constituição”. Ao mesmo tempo, fez aparecer seu anódino ministro e empreendedor da Saúde para nada de consistente declarar e confirmar sua completa incompetência para lidar com as suas atuais funções públicas. Além disso, o senhor ministro saiu-se com uma fabulosa platitude: “Importante é saber interpretar dados”. Como já se sabe, os únicos dados que o governo do ex-capitão faz questão de interpretar são os dos cassinos que pretende legalizar.
E hoje, dia 24 de abril, a semana acabou em anticlímax para o ex-capitão Messias “Ailóviu” B., com o pedido de demissão de seu ministro da Justiça, provocada pela substituição na cúpula da Polícia Federal. O ato deixou claro o mútuo jogo de empulhação praticado pelo ex-capitão e pelo ex-juiz. Neste momento, a chamada “grande imprensa brasileira”, depois de tentar dar “conteúdo” a um vazio discurso de “despedida” do ex-ministro, tem gasto o nosso tempo com discussões sobre a suposta promessa de “autonomia” ao ex-ministro da Justiça e à sua polícia dada pelo ex-capitão e se a demissão na polícia foi legal ou não. Aparentemente indicando certo começo de distanciamento do monstro que criou, parece que a “grande imprensa brasileira” tenta “blindar” o ex-ministro, chamando-o de “ex-juiz-da-lava-jato”, para deixá-lo com algum “cacife”. Enfim, embora a nova designação ao ex-ministro tenha um aspecto patético, já deixa indicado e em reserva, mais uma vez, o surrado discurso da “anticorrupção” para criar um novo “marechal Deodoro” ou um novo “José Sarney”. Afinal, como observava um personagem do romance O Leopardo, de Lampedusa, “Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”.
Enfim, enfurnado em casa e sem poder-me manifestar publicamente – as redes sociais e a famosa internet, que foram criadas sob as diretrizes da Guerra Fria e não da democracia, são sabidamente insuficientes para isso –, fico com a impressão de que assisto um desses “reality shows”, regidos pela chamada “grande imprensa brasileira” e pelo sistema financeiro, em que os contendores se digladiam fazendo uso dos mais variados e abjetos métodos para aniquilar a solidariedade humana e enaltecer o “empreendedorismo” e o individualismo.
Apesar disso tudo, ainda pude comemorar com minha família e meus amigos, virtualmente, o aniversário de minha amada companheira Elizete neste dia 22 de abril. Vamos sair desta!
(*) Historiador e coautor de Na Contracorrente da História (Sundermann, 2015) e autor de Pas de politique Mariô! Mario Pedrosa e a política (Ateliê; Editora da Fundação Perseu Abramo, 2017).