Há uma semana: 'E daí?', disse o presidente de um país. Infelizmente, o do nosso
Em 28 de abril, cada um mais cada um mais cada um somavam mais de cinco mil vidas humanas, sobre as quais o presidente de um país declara: "E daí?". Que dia para se estar vivo.
Nesta pandemia de coronavírus, as coisas mudam tão rápido que a gente perde a noção do que aconteceu ontem, antes de ontem, há uma semana. O que choca pela manhã já é notícia velha à tarde.
Pensando nisso, Opera Mundi estreou a coluna “Notícias da Semana Passada”. O texto que você lê abaixo foi escrito há uma semana e publicado só agora.
Com esse "distanciamento temporal", procuramos mostrar o que estava ocorrendo na semana anterior e como a epidemia afetava nossas vidas. A ideia é responder: quem nós éramos na semana passada?
Hoje, publicamos o texto da jornalista e atriz Lian Tai:
Goiânia, 28 de abril de 2020.
"E daí? Quer que eu faça o quê?" - disse o presidente de um país sobre a pandemia que tem matado milhares de cidadãos. O presidente de um país. Infelizmente, o nosso.
A gente não tem para onde correr e não pode nem se aglomerar para sair quebrando tudo. Porque tem uma hora em que a única ação possível é sair quebrando tudo, não pode ser que se aceite esse espetáculo grotesco diário de um governo de imbecis.
Bolsonaro nomeia Alexandre Ramagem, amigo da família, para novo diretor da Polícia Federal. Assim, se livra das investigações que recaem sobre seus filhos. É isso? E fica sendo isso mesmo. Apesar de saber que Moro vale tanto quanto Bolsonaro, eu tivera meus dias de vibrar em ver a casa caindo. E você? - perguntei à minha amiga Ludmilla. Ela contou que estava angustiada: se o presidente cair, entra Mourão e não vai melhorar. Concordo com ela. Mas ainda assim não dá um certo prazer ver o circo de horrores pegar fogo?
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O prazer acaba tão logo percebo que o presidente não vai cair tão cedo e que, na verdade, ninguém está muito aí. Afinal, corrupção nunca foi a preocupação dessa gente. O cinismo de parte da sociedade brasileira me angustia e procuro alguma pequena esperança. Lembro-me de Andrea, que foi uma das minhas melhores amigas na adolescência, mais tarde virou crente e mais tarde ainda cortei o pouco contato que tínhamos por redes sociais, por vê-la apoiando "Bolsonaro para presidente", ainda anos antes de ele se eleger. Nos tempos em que fomos amigas, ela era uma pessoa muito divertida. E burra não era. Deve ter caído em si! - pensei, esperançosa, enquanto a procurava nas redes sociais. O que encontrei foi uma sequência de postagens negando a pandemia, para defender o sociopata. Que tristeza.
Sei que há exceções, das quais minha grande amiga Leilane, que se diz evangélica, vive me lembrando. Mas, do que observo, parece que boa parte dessas igrejas acaba, sim, levando a drogas mais pesadas, como Bolsonaros, Crivellas, Wilson Witzels e Malafaias. Eu, que sou ateia, acho que falta Jesus Cristo no coração de muitos que se dizem cristãos.
Vai começar a melhorar a partir de 2022, diz meu amigo Marcos, estudioso de astrologia. Parece que tem um tal de Plutão, que tempos atrás até deixou de ser planeta, mas que transita por Capricórnio, fazendo todos os fantasmas reacionários surgirem das trevas. Quando ele entrar em Aquário, esse conservadorismo, que está mais pra fascismo, vai se fragilizar - há anos que Marcos fala sobre isso, há anos que espero ansiosamente a chegada de 2022.
O Brasil parece viver um ataque zumbi. A gente olha pra cara de Nelson Teich, novo ministro da Saúde, e sente medo. "Não era pra ser alguém vivo?" - perguntou minha amiga Janaína, me arrancando gargalhadas. Temos que rir das nossas desgraças. Mas não dá pra rir muito, afinal, os números oficiais já registram mais de cinco mil mortos pela pandemia. Os números oficiais. Quantos serão os mortos reais? Que cara tem esses mortos? Quem chora por eles agora?
Os mortos por covid-19. Cada um deles tem uma cara. Uma história. Talvez um cachorro, talvez filhos, netos. Cada um teve emoções e memórias que só ele tinha. Um mundo inteiro, cada um. Sepultado em vala coletiva, sem velório, sem o jeito único de sorrir meio torto ou falar devagarinho.
Cada um mais cada um mais cada um somam mais de cinco mil vidas humanas, sobre as quais o presidente de um país declara: "E daí?"
Que dia para se estar vivo.