Há uma semana: você acha que as coisas vão melhorar se o Bolsonaro deixar de ser presidente?
Te adianto a resposta: não. Em 26 de abril, dava para ver que a tampa do bueiro havia sido aberta e o primeiro que saiu foi Bolsonaro. Depois dele, ainda tem uma população inteira de ratazanas que está pouco se importando com a sua qualidade de vida
Nesta pandemia de coronavírus, as coisas mudam tão rápido que a gente perde a noção do que aconteceu ontem, antes de ontem, há uma semana. O que choca pela manhã já é notícia velha à tarde.
Pensando nisso, Opera Mundi estreou a coluna “Notícias da Semana Passada”. O texto que você lê abaixo foi escrito há uma semana e publicado só agora.
Com esse "distanciamento temporal", procuramos mostrar o que estava ocorrendo na semana anterior e como a epidemia afetava nossas vidas. A ideia é responder: quem nós éramos na semana passada?
Hoje, publicamos o texto da jornalista Ludmilla Balduíno:
São Paulo, 26 de abril de 2020.
Um dia antes de a quarentena começar oficialmente no estado São Paulo, peguei o meu kit isolamento social (pijamas, meias e moletons), deixei a tranquilidade de uma Ubatuba com suas praias fechadas (graças à organização eficaz das comunidades caiçaras) e me mandei para a capital. Sigo aqui desde então.
É do 15º andar do apartamento que vejo o mundo não acontecendo lá fora: durante semanas, as pessoas batiam panelas e gritavam "fora, Bolsonaro" de suas janelas, sempre das 20h às 21h. De uma semana para cá, a reunião diária das janelas anti-Bozo vem acontecendo com menos frequência. Estamos economizando na gritaria. Talvez estejamos aprendendo a aplaudir menos. Brasileiro adora aplaudir, né. Aplaudem até pôr-do-sol. Agora, panelaço é só quando a história fica boa. Aí sim, todo mundo grita e enlouquece, igual Copa do Mundo.
A última sexta, dia 24, foi de gritaria intensa, por causa da história do Moro de pedir demissão do Ministério da Justiça. Talvez tenha sido, para mim, o pior dia desde que a quarentena começou. Foi enlouquecedor sentir mais uma vez que o Brasil virou uma grande arena de futebol amador com, basicamente, duas torcidas de ogros dispersos e alienados.
É tanta gritaria que a ansiedade bate níveis recordes aqui no meu peito. A saída teatral de Moro do Ministério da Justiça é mais um dos grandes fatos novelescos que nos deixam ansiosos para ver as cenas dos próximos capítulos, tirando a nossa atenção para aquelas histórias secundárias, de background, que alimentam a história principal, mas não são mais levadas em consideração, porque a história principal suga toda a nossa atenção e a nossa energia.
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Assim é o Brasil. Enquanto a gente assiste ao show diário de Bolsonaro falando besteira, Doria, Witzel e Caiado usando a pandemia para passarem atestados falsos de bons garotos, enquanto Mandetta - um ruralista do pior tipo - sai do Ministério da Saúde e entra um Frankeinstein no lugar, enquanto Moro faz a sua retirada triunfal de um governo apodrecido, rumo à candidatura nas eleições de 2022, enquanto rolam memes de Mourão preparando para assumir, enquanto tem gente (inclusive da esquerda) que relativiza o que essa galera está fazendo, enquanto não podemos sair de casa, o que acontece no background é a liquidação do Brasil.
Infelizmente, nosso país não vai melhorar se Bolsonaro deixar de ser o presidente e se a toda a família dele for condenada e presa. Porque tem todo um contingente por trás desses atores principais, que fazem com que a peça de teatro continue rolando, só que com as luzes apagadas e a cortina fechada.
Bolsonaro e a família são apenas os primeiros que nomeamos quando a tampa do bueiro fétido de onde eles saíram foi aberta. Pareço um Renato Russo ou um Cazuza escrevendo dessa maneira, mas não tem jeito: o Congresso é um lugar tomado por ratazanas.
Há os ratos do agronegócio, um método de agricultura e pecuária ultrapassado e irresponsável que não precisa mais existir, porque existem outras maneiras de cuidar da terra, dos animais e das pessoas que não são invasivos e desertificadores. Métodos que respeitam nossa condição humana de sermos parte da natureza. Só que, para essas ratazanas, é muito mais rápido e eficaz liberar agrotóxicos para contaminar os campos e a água, fazer a soja e o milho crescer em três meses e depois exportar tudo em uma competição primitiva de commodities com a China e os EUA. Não há interesse em mudar o pensamento sobre um sistema que está com todas as suas engrenagens funcionando, mesmo que esse sistema condene, no futuro, as próximas gerações de seres humanos a viver numa distopia no estilo Mad Max.
Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Brasil estão tomados por ratazanas de todos os tipos. Tem os da igreja evangélica, que se apropriaram do que há de mais bonito das mensagens de liberdade que existem na Bíblia, para passar a mensagem de que é preciso ter medo de Deus, e continuam estendendo seus braços pelos rincões do Brasil, onde políticos ainda insistem em transmitir a falsa ideia de desenvolvimento baseada nas grandes obras de infraestrutura. Os poderes estão tomados por ratazanas burras e preguiçosas que continuam contribuindo para que os brasileiros continuem estudando em escolas burras e preguiçosas, especialistas em formar mão de obra alienada, que vê seus direitos serem derrubados um a um e não fazem nada porque "sem tempo, irmão".
Tem aqueles que ainda acreditam que o que há de mais sagrado é a propriedade privada - como Flavio Bolsonaro - ele mesmo, o filho 01, que está tentando aprovar uma PEC para alterar a função social das propriedades rurais. No texto da PEC, a justificativa é de que uma propriedade privada é um bem sagrado e deve ser protegido de injustiças. Uma justificativa que reforça uma ideia ultrapassada, que remonta ao feudalismo, onde os donos de terras eram praticamente deuses intocáveis. Esse tipo de ideia não cabe mais aqui, depois de milênios de história da humanidade. Sabemos que dessa vida nada se leva, não é mesmo? A única coisa que fica é a memória, que esses escravos do sistema, que já atuam sem memória alguma, insistem em apagar.
Tem ratos de todos os tipos, mas a característica essencial que os tornam ratos é de brigar por cada mísera migalha que, para eles, brilha como ouro em meio à sombra em que estão acostumados a viver.
E, assim como eu já vi por aí gente dizendo que tem saudade do Temer (oi?), o Brasil vai sentir saudade do circo que a presidência se tornou com a figura do Bozo. Depois dele, eu só consigo prever um estado que impõe o silêncio, a queima de arquivos, a dureza, a militarização, a disseminação ainda mais eficiente de fake news com aparência de verdade, as perseguições políticas e a censura. Prevejo um Brasil de gente cabisbaixa, de mais uma vez a gente dizer e escutar o tão usado “deixa pra lá”. Aliás, isso tudo já acontece. Só que o palhaço no Planalto impede a gente de enxergar o que está no background.
E os dois grupos - tanto o que bate panela, quanto o que faz carreata - vão se sentir finalmente em paz, em suas casas, com suas vidas aparentemente normalizadas. Depois de anos de confusão política, em que era difícil acompanhar as notícias, porque a novela estava muito acelerada, esses grupos vão sentar na sala de jantar, vão continuar trabalhando como sempre, vão achar que está tudo bem e vão dar boa noite para o William Bonner. Vida que segue, né?
Só para terminar um pouco menos Renato Russo (nunca gostei do estilo deprê dele), vou ser um pouco mais Carlos Drummond de Andrade:
Eta vida besta, meu Deus.