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Notícias da Semana Passada

Há uma semana: Ensaio sobre o coalho

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Nossa única saída, se quisermos aproveitar o esforço humano em algo que nos livre da lata de lixo da História, será produzir um queijo palatável e lançar o soro aos porcos

Manoel Herzog

Santos (Brasil)
2020-05-07T13:30:00.000Z

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Nesta pandemia de coronavírus, as coisas mudam tão rápido que a gente perde a noção do que aconteceu ontem, antes de ontem, há uma semana. O que choca pela manhã já é notícia velha à tarde.

Pensando nisso, Opera Mundi estreou a coluna “Notícias da Semana Passada”. O texto que você lê abaixo foi escrito há uma semana e publicado só agora. 

Com esse "distanciamento temporal", procuramos mostrar o que estava ocorrendo na semana anterior e como a epidemia afetava nossas vidas. A ideia é responder: quem nós éramos na semana passada?

Hoje, publicamos o texto do escritor Manoel Herzog:


Quando finalmente consegui comprar um sítio, decidi lá me enfiar na companhia das únicas criaturas que, entendia eu, mereciam convivência: os bichos. Dos seres humanos já havia desistido. Foi ao adquirir sete vacas leiteiras que tomei contato, pela primeira vez, com uma substância até então pra mim desconhecida, o coalho.

Trata-se de enzima com a propriedade de, obviamente, "coalhar" o leite, ou seja, azedá-lo de forma a que se possam fabricar queijos. Importante ensinamento, mesmo daquilo que azedou se pode tirar material nutritivo, desde que purgado o resíduo.

O coalho primitivo era de origem animal, obtido do estômago de determinados mamíferos. O melhor é o coalho de mocó, um roedor da região Nordeste, muito parecido ao preá. Mata-se o animal, retira-se o estômago, deixa-se secar ao sol e mergulha-se no leite que, para gáudio do produtor, coalha. Hoje se utiliza coalho sintético, obtido em processo industrial. O cheiro é o mesmo. Pode-se ter uma ideia, ao espirrar pela manhã, em jejum, do cheiro da substância.


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Depois que fui viver com Os Bichos eu me tornei um verdadeiro Alquimista. Apaixonei-me por enzimas e catalisadores, que têm o condão de alterar a natureza das coisas. Ao leite, por exemplo, um alimento perfeito desde que fresco, o coalho adicionava perenidade; evitava perdas por estragamento.

Foi por isso que fiquei muito chateado com meu fiel companheiro Francinaldo, devido a um comentário machista e mesmo chauvinista que proferiu ao Edilson, a respeito da irmã do Edilson, que atingira a idade provecta sem ter casado:

"Sua irmã coalhou."

Eu não quis trazer à baila as maravilhas da irmã do Edilson, até porque o Edilson, morador daquelas brenhas, não suspeitava de meu caso com sua irmã, sendo eu casado. Mas Divalda, a irmã do Edilson, conquanto madura, era mulher sincera, prestativa e carinhosa, não merecendo de forma alguma a aleivosia do torpe Francinaldo. Podia ter coalhado, mas era um Camembert de alta qualidade, bem melhor que leitinho fresco. Eu próprio me considerava um Parmiggiano bem curtido no tempo, mas capaz ainda de sabores sublimes.

Doce Divalda, hoje lembro com doçura os momentos que no teu seio passei aconchegado, seio que não amamentou, pois que não geramos filhos. O que eu sugava daqueles bicos, Divalda, era mais, era melhor que leite, era néctar, era ambrosia, era maná dos deuses. Madura diva, diva maturada Divalda, aqui te desagravo da perfídia do meu tosco assistente, alma bruta incapaz de compreender sutilezas. Francinaldo, num leite, seria soro, quando muito.

Volto ao coalho: da primeira partida de sessenta litros de leite que minhas vaquinhas produziram, num vasto caldeirão aqueci e ministrei coalho químico, sem ligar ao cheiro de estômago sujo e vômito matinal. Milagre dos milagres, vi ali com estes meus olhos cansados o leite talhar de imediato, precipitando-se ao fundo a massa branca e boiando um soro esverdeado, nojento, do qual eu só queria era me livrar. Muito depois fui ver que também o soro, a despeito de ser resíduo, tinha lá sua utilidade.

Mas nem tudo era simples e imediato. O processo de coalha é lento e gradativo. Na massa precipitada devem-se fazer vários cortes em diagonal, cruzados, de forma a multiplicar losangos de queijo, de onde o soro brota abundante. Alguma hora depois é que se separa a massa, já bastante compacta, do soro.

Pois que feitos os losangos de queijo, minou soro a borbotão, ficando ao fundo da panela a massa, o soro por cima. Separamos por decantação. Enojado do verde líquido, fedendo a coalho e estômago de bêbado, fiz menção de atirar ao ralo, no que Francinaldo me repreendeu.

"Calma, doutor. Ainda tem utilidade."

Guardamos, portanto. Dos sessenta litros de leite retirei dez por cento de massa, cerca de seis quilos de um queijo frescal. Era pôr na geladeira e servir, mas não, eu queria produto melhor acabado. Assim foi que botei a massa numa queijeira, pra curar, reduzindo-a, em três dias, de seis para dois quilos. Quando atingiu um volume razoável à manipulação de um único queijo, Francinaldo inovou no processo: botou pra ferver o soro reservado e cozinhou a bola de queijo ali. Reduziu à metade, um quilo, bem apertado nas mãos brutas do bruto ajudante.

"Bom, agora podemos jogar fora este soro nojento?"

"Nada, doutor. Dar pros porcos."

De fato, os suínos adoravam aquilo. Bebiam o soro com gana. Dizem que a indústria alimentícia utiliza soro pra merenda infantil do governo dos estados, creio que seja contrapropaganda política de comunistas. Dizem também que a tal "bebida láctea" que as parmalats da vida vendem são na verdade soro com corante. Povo maledicente.

Depois de cozido no próprio soro, já muito compactado, passamos a nova fase da operação: deixar ao sol durante o dia. O queijo minava um óleo perfumado, e brilhava feito a careca de um homem gordo, baixo e suado. E calvo, obviamente.

Com dez dias de secagem ao sol eu construí uma prensa, onde submetia o queijo a uma pressão diariamente aumentada a torniquete, de maneira que os últimos resquícios de água se evadiram, restando um parmesão duro, olente, saboroso, divino.

Este processo levou uns seis meses, restando de final um formaggio de 500 gramas - comecei com 60 litros de leite, lembrem. Um elixir, uma súmula de vida, um condensado do melhor, como se da História da Humanidade, purgados os assassinatos, as mentiras, as infâmias, as traições, se reservasse só a Literatura.

Ademais, meu queijo tinha um peculiar sabor a mel de engenho. É que minhas vacas, escasso que era o pasto na pequena propriedade, eu as alimentava com cana de açúcar moída, e farelinho de semolina de milho mexicano orgânico. Isto se refletiu no leite e, por consequência, na qualidade do queijo.

O mesmo pudor que tenho em participar de concursos literários o tive em relação às feiras agropecuárias, onde podia ter feito sucesso com meu queijo maravilhoso. Seria reconhecido até na Suíça como o produtor de um terroir específico na serra paulista, um dos melhores do mundo. E tudo isto graças ao quê? Ao quê?

Sim, a ele, o objeto deste já alongado ensaio: o coalho.

Encerro aqui meu ensaio, obra que desenvolvi atento a uma frase que muito venho proferindo nos últimos dias: "O Brasil coalhou."

Escrevi-o pra explicar as razões que me levam a pensar assim, e justifico que coalhar não é, necessariamente, estragar. Se queríamos aproveitar o frescor de um creme de leite, se buscávamos um saboroso chantilly, ou uma flor de manteiga, perdemos o tempo. Passou, coalhou. Mas algo se aproveita.

Claude Lévi-Strauss, no seu Tristes Tropiques, disse que o Brasil foi direto da barbárie à decadência, sem passar pela civilização. Os europeus têm essa triste mania de achincalhar a cultura sul-americana. Nós coalhamos, eu digo isso, porque fomos submetidos a uma enzima cruel, fétida, podre. Um vômito.

Disso, se pensarmos que a população brasileira era antes um leite bem homogêneo, restou clara uma divisão ideológica brutal, que separou massa de soro. Há uma massa nobre com boas aspirações e um soro cheio de desumanidade. Não quero aqui fazer juízo de valor, dizer que direitistas são a escória, o soro, e a esquerda o fino queijo da Bretagne. Pense-se como quiser, de acordo com a conveniência política. Só uma coisa é certa: depois do coalho, nunca mais será possível a reunificação de soro e massa. A nossa única saída, se quisermos aproveitar o esforço humano em algo que nos livre da lata de lixo da História, será produzir um queijo palatável e lançar o soro aos porcos. Somos duas secções inconciliáveis, que nunca mais voltarão a ser leite.

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Coronavírus

Mapa da vacinação no mundo: quantas pessoas já foram imunizadas contra covid-19?

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Veja, em mapas e gráficos, quais países já estão vacinando e quantas doses já foram administradas

Redação Opera Mundi

São Paulo (Brasil)
2021-01-24T21:31:00.000Z

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A vacina contra o novo coronavírus já existe e começou a ser administrada em diversos países. A primeira dose foi dada no Reino Unido ainda em 2020, e a tendência é que a imunização se espalhe pelo mundo, a depender das ações de cada um dos governos. Nos mapas a seguir, você pode ver quais países já iniciaram a vacinação e quantas doses já foram administradas por país. Os gráficos são do projeto Our World in Data, da Universidade de Oxford.

O Brasil está entre os países que já iniciaram a vacinação. 

Os nomes dos países só estão disponíveis em inglês, mas você pode usar esta tabela como referência para traduzi-los, se precisar.]


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Países que já começaram a vacinação contra covid-19

Os países que aparecem pintados no mapa já estão vacinando. Quanto mais forte a cor, maior o número de doses já aplicadas.


Número de doses de vacina contra covid-19 já administradas (total)

Atenção: cada dose é contada como única. A maior parte das vacinas é aplicada em duas doses. A primeira linha do gráfico (World) mostra a soma total de doses de todo o mundo.

Percentual já vacinado da população de cada país

Países onde já há pessoas totalmente imunizadas com duas doses

Percentual de pessoas por país já totalmente imunizadas com duas doses

Ritmo de vacinação diária, por país

Quantas doses cada país administrou desde 15 de dezembro de 2020 por dia, na média móvel de sete dias.

PaísVacina
ArgentinaSputnik V
AustriaPfizer/BioNTech
BahrainPfizer/BioNTech, Sinopharm
BelgiumPfizer/BioNTech
BrazilSinovac
BulgariaModerna, Pfizer/BioNTech
CanadaModerna, Pfizer/BioNTech
ChilePfizer/BioNTech
ChinaCNBG, Sinovac
Costa RicaPfizer/BioNTech
CroatiaPfizer/BioNTech
CyprusPfizer/BioNTech
CzechiaPfizer/BioNTech
DenmarkModerna, Pfizer/BioNTech
EnglandOxford/AstraZeneca, Pfizer/BioNTech
EstoniaPfizer/BioNTech
FinlandPfizer/BioNTech
FrancePfizer/BioNTech
GermanyModerna, Pfizer/BioNTech
GibraltarPfizer/BioNTech
GreecePfizer/BioNTech
HungaryPfizer/BioNTech
IcelandPfizer/BioNTech
IndiaCovaxin, Covishield
IrelandPfizer/BioNTech
IsraelPfizer/BioNTech
ItalyPfizer/BioNTech
KuwaitPfizer/BioNTech
LatviaPfizer/BioNTech
LithuaniaModerna, Pfizer/BioNTech
LuxembourgPfizer/BioNTech
MaltaPfizer/BioNTech
MexicoPfizer/BioNTech
NetherlandsPfizer/BioNTech
Northern IrelandOxford/AstraZeneca, Pfizer/BioNTech
NorwayPfizer/BioNTech
OmanPfizer/BioNTech
PolandPfizer/BioNTech
PortugalPfizer/BioNTech
RomaniaPfizer/BioNTech
RussiaSputnik V
Saudi ArabiaPfizer/BioNTech
ScotlandOxford/AstraZeneca, Pfizer/BioNTech
SerbiaPfizer/BioNTech
SeychellesSinopharm
SingaporePfizer/BioNTech
SlovakiaPfizer/BioNTech
SloveniaPfizer/BioNTech
SpainModerna, Pfizer/BioNTech
SwedenPfizer/BioNTech
SwitzerlandPfizer/BioNTech
TurkeySinovac
United Arab EmiratesPfizer/BioNTech, Sinopharm
United KingdomOxford/AstraZeneca, Pfizer/BioNTech
United StatesModerna, Pfizer/BioNTech
WalesOxford/AstraZeneca, Pfizer/BioNTech

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