Há uma semana: pensar o combate da covid-19 para além das fronteiras do município
Em 02 de maio, momentos de crise eram importantes para nos fazer resgatar lições de casa que deixamos de fazer ao longo da vida
Nesta pandemia de coronavírus, as coisas mudam tão rápido que a gente perde a noção do que aconteceu ontem, antes de ontem, há uma semana. O que choca pela manhã já é notícia velha à tarde.
Pensando nisso, Opera Mundi estreou a coluna “Notícias da Semana Passada”. O texto que você lê abaixo foi escrito há uma semana e publicado só agora.
Com esse "distanciamento temporal", procuramos mostrar o que estava ocorrendo na semana anterior e como a epidemia afetava nossas vidas. A ideia é responder: quem nós éramos na semana passada?
Hoje, publicamos o texto da secretária de Saúde da cidade de Conde, na Paraíba, Renata Martins Domingos:
Conde (PB), 02 de maio de 2020.
Dia 02 de maio de 2020. Sábado pós feriado de 1º de maio. Mais um dia de trabalho em Conde. Desta vez, no entanto, a pauta, embora relacionada com a covid-19, tinha um quê de novidade: fui participar de um videoconferência de iniciativa da Prefeita Márcia Lucena com os prefeitos e secretários de Saúde dos municípios da microrregião de João Pessoa, a saber: a capital, Bayeux, Santa Rita e Cabedelo, além do próprio Conde. O desejo dela foi mobilizar os gestores para discutir a covid-19 para além do território de cada um.
Como sabemos, o novo coronavírus não respeita fronteiras territoriais, e se dissemina facilmente, sendo essa uma das características diferenciais para o alto número de pessoas doentes e de óbitos.
O organizador da videoconferência foi o jovem, antenado e inteligente secretário de Planejamento de Conde. Sabe como é que é, escolher plataforma, a melhor forma de fazer o encontro, é tarefa para jovens como ele.
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Bem, no horário marcado acessamos a plataforma, e muito rapidamente apareceram alguns dos participantes: o Prefeito de João Pessoa, o Secretário de Saúde de João Pessoa, o Prefeito de Bayeux e o Secretário de Saúde de Bayeux. Deu certo! Estavam na vídeo conferência 3 das 5 cidades da microárea de João Pessoa, mais conhecida como Grande João Pessoa. Faltavam ainda o Prefeito e Secretário de Santa Rita e os de Cabedelo. Ligamos, mandamos mensagem e conseguimos mais um partícipe: o prefeito de Santa Rita, que começou a participar da reunião quando ela já estava em andamento, ou seja, 4 das 5 cidades presentes!
Pensei comigo: poxa, por que essa videoconferência não aconteceu antes? E a resposta veio com a abertura da Prefeita à reunião: faz tempo que eu tento realizar essa reunião, mas é só agora, no meio dessa pandemia, que conseguimos nos encontrar.
Pois bem, por que não foi possível fazer antes mesmo essa vídeo conferência? Porque, na minha visão, não temos o hábito de decidir em conjunto.
Discutir e decidir em conjunto dá trabalho. Não é fácil. Como liderança você tem que dar ouvido a todos os partícipes, compatibilizar ânimos concorrentes, driblar obstáculos, buscar consensos. Mas neste caso, quem deveria ser o líder condutor dos trabalhos, já que todos eram Prefeitos de cidades limítrofes?
Foram todos os chefes do Poder Executivo Municipal os protagonistas dessa reunião, na sua execução!
Mas vamos lá pensar um pouco: deveriam ter sido a Prefeita e os Prefeitos os mobilizadores desse encontro virtual? Sim e não.
Sim, na medida em que a vida das pessoas acontece nos municípios. Ninguém vive no Estado ou na União, eles são uma ficção jurídica. A vida mesmo, aquela em que você se levanta e corre pra colocar os sacos de lixo na rua para não perder o caminhão que vai os levar, acontece no território das cidades.
Nesse sentido, o famoso Pacto Federativo é muito injusto, não só porque privilegia financeiramente a fictícia União e o Governo do Estado como grandes ordenadores dessas vidas nas cidades, mas também porque neles centraliza o comando das ações. Se o município não tem recursos para se sustentar, como acontece na grande maioria das vezes, ele se transforma numa sucursal da matriz União, que soberana, desconhece as especificidades de seu território, mas julga poder, tecnicamente, resolver seus problemas de forma inequívoca e na maioria das vezes, sem dialogar com os gestores desses territórios vivos.
Por outro lado, não, porque se tem um papel que é primordial e quase justificador da existência jurídica dos Estados, esse é o de articulador dos municípios, papel esse que não foi desempenhado nessa primeira reunião.
A vídeo conferência também deu luz a um princípio embasador e muito importante ao Sistema Único de Saúde: a regionalização e hierarquização dos serviços de saúde. Na região da microárea de João Pessoa, esse princípio se aplica de forma incipiente, sem planejamento conjunto e de forma a sobrecarregar sobremaneira a capital do Estado da Paraíba e ao mesmo tempo deixar sem alternativas os pequenos municípios, como Conde. E a quem cabe essa responsabilidade maior na aplicação da regionalização dos serviços? Ao Governo do Estado da Paraíba, uma vez que ela exige articulações além dos muros limítrofes das cidades.
Os momentos de crise são importantes para nos fazerem resgatar lições de casa que deixamos de fazer ao longo da vida, as quais impactam na realidade num momento como esse. Uma delas é, sem dúvida, o fortalecimento das microrregiões do Estado da Paraíba, que deveria ter decorrido da ação articuladora do Governo do Estado da Paraíba.
O princípio de regionalização tão promissor e cheio de significados, ainda é muito difícil de operacionalização também dado que exige a construção de processos coletivos e fortalecimento das instâncias deliberativas coletivas, como os consórcios públicos, a Comissão Intergestores Regional e a Comissão Intergestores Bipartite do Sistema Único de Saúde. Muitos gestores ainda entendem que é perda de tempo conversar coletivamente, porque a realidade local parece se sobrepor. Há muita vaidade também envolvida.
O fato é que, entre trancos e barrancos, a reunião deu o pontapé inicial no planejamento conjunto de ações na região com maior concentração de habitantes no Estado e também epicentro da epidemia aqui na Paraíba, para pensar em estratégias conjuntas na guerra sanitária contra o novo Coronavírus.
Importante ainda ressaltar que essa vídeo conferência ocorreu pela iniciativa de agregação de uma mulher paraibana, a Prefeita de Conde, contando também com minha participação, uma mulher sorocabana, as duas únicas mulheres desse evento. Com nossas histórias, valores, formas de agir e trabalhar, construímos esse momento coletivo da história política e administrativa de tentar mitigar os efeitos da pandemia da covid-19 no território paraibano. Essa participação feminina na política ainda é pequena, mas neste caso foi fundamental para impulsionar as energias e os ânimos dos gestores públicos em busca de uma atuação conjunta.
Só o futuro vai nos mostrar para onde vai levar esse esforço coletivo de atuar para além das fronteiras dos municípios. Estamos dispostos, na gestão da Prefeitura de Conde, em fazer essa história coletiva e regionalizada ser de sucesso.