O ex-sindicalista Kjeld Jakobsen morreu na madrugada deste sábado (05/12), aos 65 anos, depois de longa batalha contra um câncer no pâncreas. Kjeld era especialista em relações internacionais, doutor na área pela Universidade de São Paulo, e atuava como consultor.
Dinamarquês radicado no Brasil desde os 9 anos, ele cresceu em Holambra, interior de São Paulo, e tornou-se um dos mais respeitados dirigentes da CUT, que ajudou a organizar e a construir nacionalmente. Presidiu a central entre maio e agosto de 2000.
Na ocasião, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, deixou o posto para disputar a eleição para prefeito de São Bernardo do Campo. E o vice, João Vaccari Neto, não assumiu para se dedicar à campanha pela presidência da própria CUT a partir do congresso da entidade, em agosto daquele ano.
Assim, tornou-se o primeiro presidente da entidade fundada em 1983 que não saiu dos quadros do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. A central foi presidida por Jair Meneguelli por 11 anos e depois por Vicentinho, por mais seis. Assim como o também ex-presidente da CUT Artur Henrique, Kjeld Jakobsen ingressou no movimento sindical como eletricitário, tornando-se dirigente do Sinergia-CUT, sindicato dos trabalhadores no setor nos anos 1980.
Atuou como secretário de Relações Internacionais na gestão da prefeita Marta Suplicy (então no PT, 2001-2004) e colaborou também com a prefeitura de Recife, na gestão do também petista João Paulo Lima (2001-2008). Foi dos principais articuladores no Brasil contra a adesão do país ao Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca), no início da década de 2000. É autor de vários livros sobre esse e outros temas sobre geopolítica e mundo trabalho. Foi também diretor e consultor da Fundação Perseu Abramo e fundador do Instituto Observatório Social.
Olhar sobre o mundo
“Kjeld Jakobsen foi um grande companheiro, nosso dinamarquês que tanto contribuiu para as lutas dos trabalhadores brasileiros. Agradeço em especial sua amizade e a solidariedade comigo como secretário executivo do Comitê Internacional Lula Livre. Meus sentimentos aos familiares, amigos, companheiros e admiradores de Kjeld”, diz mensagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Jakobsen era considerado um interlocutor atento, sereno e muito respeitoso com os divergentes. O atual presidente da CUT, Sérgio Nobre, afirma que o companheiro deixa “um legado inestimável ao movimento sindical, à CUT, à classe trabalhadora, a todos que sonham e lutam por um Brasil mais igual”. E cita o título de um dos livros como com uma marca do sindicalista. “Kjeld deixa Um Olhar sobre o Mundo, como diz o título de um dos inúmeros e preciosos livros que ele escreveu. Todo carinho e solidariedade à família”, lamenta Sérgio Nobre.
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Kjeld deixa "Um Olhar sobre o Mundo", como diz título de um dos inúmeros e preciosos livros que escreveu, diz Sérgio Nobre, da CUT
O professor de Relações internacionais da Universidade Federal do ABC Giorgio Romano, amigo pessoal de Kjeld, o define como uma pessoa “calma no meio da tormenta” e muito solidária. “Sangue frio, mas coração quente e no lugar certo. Para Kjeld, ser de esquerda tinha um significado humano profundo. Ele teria muito a contribuir ainda com as nossas reflexões. Quem conviveu com ele vai se lembrar para sempre dele”, observa Romano.
“Afável no trato pessoal, tratava as polêmicas com rara elegância, ouvindo e refletindo, sem jamais perder a firmeza ou abdicar de suas posições, mas invariavelmente atento a argumentos e fatos que fizessem sentido”, define o jornalista Breno Altman, em rede social.
Defesa de Lula
Kjeld Jakobsen foi também destacado articulador da denúncia internacional contra a perseguição ao ex-presidente Lula pelo sistema de Justiça no Brasil. Ajudou a organizar comitês Lula Livre pelo mundo e foi um obstinado defensor do Prêmio Nobel da Paz ao ex-presidente preso por 580 dias a partir e abril de 2018 e excluído da eleição presidencial que acabou vencida por Jair Bolsonaro.
“É um reconhecimento, pelo que Lula fez no combate à fome, por ter retirado o Brasil do mapa da fome. Numa época de intolerância e violência, seria um prêmio muito justo, já que Lula foi um pacificador e contribuiu para evitar guerra civil na Bolívia e Venezuela”, afirmou Kjeld em entrevista à Rádio Brasil Atual . “Houve várias premiações (para Lula) durante o exercício de seu mandato, como o da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o World Food Prize, em 2011, da Unesco (em 2009, por incentivar a paz), entre outros. São quase 100 títulos de honoris causa de universidades do mundo inteiro.”
Para o consultor de política internacional, a percepção da “farsa jurídica”, à qual Lula foi submetido, foi comprovada com a nomeação de Sérgio Moro como ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
A morte de Kjeld Jakobsen é a segunda de um presidente da CUT neste tormentoso ano de 2020. Em 19 de março, o professor João Felício, ex-presidente da central de 2014 a 2018, também perdera a batalha contra um câncer de pâncreas. Felício havia presidido a Apeoesp e a Confederação Sindical Internacional (CSI).
Kjeld tinha dois filhos, um neto e era casado com Leonor, cujos filhos o abraçaram como pai. “Kjeld deixa esta vida envolto em muito amor, solidariedade, coragem, força e a dignidade que marcaram sua história”, diz a companheira, ao site da Fundação Perseu Abramo.