Morre Pepe Mujica, ex-presidente e líder da esquerda no Uruguai, aos 89 anos
Forjado na luta contra ditadura e em sua militância no movimento guerrilheiro Tupamaros, passou 12 anos como preso político e faleceu em decorrência de câncer no esôfago
O ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica morreu nesta terça-feira (13/05), aos 89 anos. O líder da esquerda uruguaia estava sob cuidados paliativos decorrente do câncer no esôfago, problema de saúde que foi diagnosticado em abril de 2024.
Mujica foi presidente do Uruguai entre os anos de 2010 e 2015, período em que foi considerado como “o presidente mais humilde do mundo”, pois passou os cinco anos do seu mandato doando 90% do seu salário a organizações de apoio aos mais pobres e a pequenos comerciantes.
Também abdicou da residência e de automóveis oficiais. Continuou morando em uma pequena chácara que possui em um subúrbio de Montevidéu e se locomovendo com seu fusca azul.
Antes de ser político, Mujica integrou movimentos anticapitalistas e contra a ditadura uruguaia – período que durou entre junho de 1973 e março de 1985. Esse momento de sua vida teve início após uma juventude marcada pela militância em organizações estudantis ligadas ao Partido Nacional, legenda de direita defendida por muitos membros de sua família.
Tupamaros
Mujica cortou os laços ideológicos com os parentes durante seus anos universitários e passou por diferentes entidades estudantis e movimentos juvenis ligados ao Partido Socialista uruguaio.
Essa trajetória, no entanto, tomou outro rumo, inspirado pelo sucesso da Revolução Cubana, em 1959. Cinco anos depois, em meados de 1964, Mujica foi um dos fundadores do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros (MLN-T), junto a Eleuterio Fernández Huidobro, Raúl Sendic e Mauricio Rosencof, entre outros jovens militantes de esquerda.
Anos mais tarde, o grupo – que era conhecido no país somente como Tupamaros – se tornaria uma das mais bem organizadas guerrilhas urbanas que atuaram na América do Sul no século 20, autor de façanhas que inspiraram livros e filmes não apenas no Uruguai.
Entre as mais destacadas ações realizadas pelos Tupamaros está o sequestro e posterior assassinato do norte-americano Dan Mitrione, um membro da Agência Central de Inteligência (CIA) que se dedicava a ensinar métodos de tortura a militares na América do Sul. Não há testemunhos que comprovem a participação de Mujica no plano.
A operação ocorreu entre julho e agosto de 1970 e também envolveu a captura do então cônsul brasileiro em Montevidéu, Aloysio Gomide, funcionário da ditadura brasileira então liderada por Emílio Garrastazú Médici. Diferente de Mitrione, Gomide foi solto pelos Tupamaros em fevereiro de 1971, após o pagamento de um resgate de pouco mais de US$ 250 mil.
O sequestro de Mitrione de Gomide está retratado no célebre filme Estado de Sítio, do cineasta grego Konstantinos Costa-Gavras.
Fuga de Punta Carretas
A outra grande façanha dos Tupamaros foi realizada em setembro de 1971, e teve Mujica como um dos protagonistas.
O guerrilheiro chegou a ser preso quatro vezes durante seu período na clandestinidade. Em um dos seus períodos de cárcere, quando ele cumpria pena na penitenciária de Punta Carretas, seus companheiros organizaram um audacioso plano denominado Operação Estrela, que terminou com a fuga de mais de cem detentos, todos eles membros dos Tupamaros, entre eles o próprio Mujica.
Na época, o evento foi noticiado em vários países e considerado como uma das maiores fugas da história. O local onde ficava o presídio de Punta Carretas abriga hoje um dos shoppings mais luxuosos de Montevidéu.

Biblioteca Vasconcelos, Ciudad de México / Flickr
Durante o período ativo na guerrilha, Mujica conheceu as gêmeas María e Lucía Topolansky, que ficaram célebres no grupo por participarem em operativos nos quais usavam a extrema semelhança entre as duas para confundir as forças de segurança do governo conservador de José María Bordaberry.
Apesar de que Mujica era integrante da célula guerrilheira na qual participava María Topolansky, foi com Lucía que iniciou uma aproximação que só se transformaria em uma relação de fato nos Anos 80, após o fim da ditadura, período em que ambos foram presos políticos.
‘Refém oficial’ da ditadura
Em junho de 1973, Bordaberry lançou o decreto do autogolpe que iniciou uma ditadura civil militar que só terminaria em março de 1985.
A perseguição aos Tupamaros recrudesceu e três deles foram escolhidos como “reféns oficiais” do regime, como forma de intimidar o movimento e forçar o fim de suas operações.
Mujica foi um desses três reféns, junto com Eleuterio Fernández Huidobro e Mauricio Rosencof. A condição de “refém oficial” do regime significava que se os Tupamaros voltassem a atuar um dos três seria executado em contrapartida.
O período de Mujica, Rosencof e Fernández Huidobro como reféns da ditadura uruguaia está retratado no filme Uma Noite de 12 Anos, do cineasta cisplatino Álvaro Brechner.
Nos últimos anos do seu período como refém, Mujica conseguiu se comunicar com Lucía Topolansky através de cartas que eram levadas e trazidas pelos advogados de ambos. Após o fim da ditadura, em 1985, ambos formalizaram a relação e passaram a viver juntos. A oficialização do casamento aconteceu 20 anos depois, em meados de 2005.
Mandato presidencial
Uma vez livres da prisão, e com o fim da ditadura, Mujica e Topolansky foram fundadores do partido Movimento de Participação Popular (MPP), junto com outros ex-tupamaros sobreviventes do regime de exceção.
A sigla rapidamente se tornou uma das mais importantes dentro da Frente Ampla uruguaia, que ganhou muita força política no país a partir dos Anos 90, mas que só conseguiria eleger seu primeiro presidente nas eleições de 2004, com a vitória de Tabaré Vázquez (2005-2010 e 2015-2020).
Um dos políticos mais destacados do MPP e da Frente Ampla, Mujica foi eleito deputado em 1994 e senador em 1999. Com o primeiro mandato de Vázquez, em 2005, ele assumiu o Ministério da Agricultura e Pecuária, que ocupou até 2008.
No ano seguinte, lançou sua candidatura à Presidência, com a qual obteve 54,7% dos votos, vencendo no segundo turno a Luis Alberto Lacalle (pai do atual presidente Luis Lacalle Pou), do Partido Nacional.
O governo de Mujica foi marcado pelo aprofundamento das políticas de distribuição de renda iniciadas no primeiro mandato de Vázquez, e por avanços significativos em temas relacionados aos direitos civis.
Foi nesse período que o país legalizou o matrimônio igualitário, passou a permitir o aborto em qualquer circunstância e com apoio da rede pública de saúde, e também aprovou não só a descriminalização da maconha como a sua produção e comercialização através de um ente estatal, como forma de combater o tráfico ilegal.
Ao final do seu mandato presidencial, em março de 2015, Mujica produziu o maior período de aumentos consecutivos do salário mínimo no país, chegando a 252% no acumulado entre os seus cinco anos de governo.
O ex-tupamaro deixou a Presidência com 69% de aprovação, segundo a consultora Cifra, e conseguiu fazer seu sucessor, que também foi seu antecessor: Tabaré Vázquez, eleito para um segundo mandato em 2014.
Em 2015, Mujica voltou a ser senador, mas renunciou ao mandato em 2020, quando anunciou sua aposentadoria. Em meados de 2019, o cineasta sérvio Emir Kusturica lançou o documentário Pepe, Uma Vida Suprema, que conta a história da sua vida e a história do Uruguai entre 1964 e 2018.
