Sexta-feira, 18 de abril de 2025
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A República Democrática do Congo (RDC) é palco de um conflito entre forças oficiais e o grupo paramilitar M23, que, apoiado por Ruanda e o Ocidente, visam dominar, extrair e exportar os minérios do país africano para o setor tecnológico.

Esse cenário faz parte das obras do cineasta congolês Dieudo Hamadi, premiado em diversos países da África, França e Canadá. A Opera Mundi, o diretor contou que são justamente a história de seu país e seu cotidiano algumas das inspirações para seus longas-metragens.

“No Congo, passamos, quase sem transição, de um século de colonização, por 32 anos de ditadura e 30 anos de conflito armado. Nunca conhecemos nada além de repressão, instabilidade política, violência e incerteza. Tudo isso deixa sua marca, inclusive nos filmes que produzimos”, disse.

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O documentário En route pour le milliard (A caminho do bilhão), lançado em 2020, é uma dessas obras que mostra a realidade social da população da RDC 20 anos após o conflito conhecido como “Guerra dos Seis Dias”, quando violentos confrontos foram registrados entre as tropas congolesas e ruandesas.

Com 41 anos, ao revelar que “quase todos” os congoleses de sua geração e que cresceram no leste da RDC, que faz fronteira com a Ruanda, passaram por uma guerra, Hamadi afirmou a Opera Mundi sobre sua carreira até chegar em premiações em todo o mundo, e como a guerra fez parte disso.

Leia a entrevista na íntegra

Opera Mundi: quando você começou a se interessar por cinema? É um campo que você gosta desde a infância?

Dieudo Hamadi: comecei a fazer filmes por acaso, depois de um curso de treinamento de cinco semanas em Kinshasa. Quando criança, eu adorava contar histórias para os outros e para mim mesmo. Eu não tinha visto muitos filmes, mas acho que meu amor pelo cinema veio desse desejo de contar histórias.

Hoje, você é um diretor reconhecido em vários países e seus filmes ganharam prêmios em todo o mundo. Mas antes de chegar a esse estágio, como e quando você começou a estudar cinema?

Não estudei cinema no sentido tradicional. Aprendi a fazer filmes participando de oficinas de diferentes durações, primeiro no Congo (em Kisangani e Kinshasa) e depois na França (em Paris).

SPCine
 Cineasta congolês Dieudo Hamadi é premiado em diversos países da África, França e Canadá

Você teve alguma influência ou inspiração para seguir essa carreira?

Sim, entrei no cinema por meio dos filmes de Raymond Depardon [fotógrafo e fotojornalista francês] e Rithy Pan [cineasta e roteirista cambojano], mas também de Raoul Peck [cineasta e ex-ministro da Cultura do Haiti], Djibril Diop [diretor de cinema senegalês] e Martin Scorsese [cineasta norte-americano].

Falando de seus filmes, o que te inspira para produzi-los?

Atualmente, minhas fontes de inspiração são muitas e variadas: filmes de todos os gêneros me interessam, livros também, música congolesa, a história do meu país, minha vida cotidiana.

Mas quando olho para meus filmes, não consigo identificar claramente minhas fontes de inspiração. Talvez isso aconteça porque, quando estou fazendo um filme, não me preocupo com minhas inspirações, mas apenas com o assunto e o lugar da minha câmera na história a ser contada.

Seus filmes foram exibidos recentemente em um festival aqui no Brasil, a mostra “Kilimanjaro Cinema: Dieudo Hamadi – o gigante cinema do Congo”, organizado pela SPCine. Os organizadores do evento mencionaram que suas produções são semelhantes às do Brasil, pois registram as questões políticas e sociais do seu país. Você pode explicar ao público brasileiro qual é a realidade política e social da República Democrática do Congo e como isso influencia seu trabalho?

Para simplificar, na República Democrática do Congo passamos, quase sem transição, de um século de colonização, por 32 anos de ditadura e 30 anos de conflito armado. O país só foi ser independente em 1960. Se você fizer as contas, perceberá que, na verdade, nunca conhecemos nada além de repressão, instabilidade política, violência e incerteza. Tudo isso deixa sua marca, inclusive nos filmes que produzimos.

Sabemos que o Congo tem sido palco de invasões do grupo M23, apoiado por Ruanda. Algum de seus filmes trata desse conflito histórico? 

Sim, já fiz um filme sobre o assunto, chamado En route pour le milliard (A caminho do bilhão), no qual acompanho o dia a dia de um grupo de sobreviventes de guerra que lutam para obter reparação pelos danos sofridos durante a guerra que Ruanda provocou na RDC nos anos 2000.

Esse conflito histórico influenciou de alguma forma sua vida como cineasta?

Sim. Quase todas as pessoas da minha geração que cresceram no leste da RDC passaram por uma guerra. Ela deixa sua marca.