Sob a Presidência brasileira e com o apoio de todos os países-membros, o G20 lançou uma iniciativa histórica: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. A oficialização do projeto, que prevê erradicar, como diz o nome, a fome e a pobreza até 2030, foi celebrada durante a Cúpula dos Líderes do grupo no Rio de Janeiro.
Uma das observações da Global Citizen, entidade que trabalhou estreitamente com o governo do Brasil e cooperou para a estruturação da aliança apresentando casos bem sucedidos de urgência política transformados em ação, é a essencialidade da “liderança política” manifestada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A Opera Mundi, o vice-presidente de Política e Advocacia na Global Citizen, Friederike Röder, destacou que um dos diferenciais da gestão brasileira é ter se empenhado em “trabalhar com uma comunidade de partes interessadas globais para permitir sua longevidade”.
“Desde 2011, não temos uma Presidência do G20 priorizando a luta contra a fome e a insegurança alimentar da maneira que o Brasil tem feito. Sem essa liderança política no mais alto nível, o progresso não é possível”, disse.
A Aliança, que parte do princípio de que a fome e a pobreza estão necessariamente interligadas, conta com sprints de políticas liderados por agências das Nações Unidas (ONU) e ONGs que reúnem entidades que trabalham na intersecção da saúde e nutrição materno-infantil, refeições escolares, pequenos agricultores, além de outras áreas-chave.
Segundo a Global Citizen, o número da população esfomeada aumentou significativamente durante a pandemia de Covid-19, e não diminuiu desde então.
“Continuaremos a advogar até vermos mais líderes mundiais unindo seus recursos financeiros e políticos para o sucesso da Aliança Global. É importante que o G20 endosse a Aliança, mas no final o que importa é o que cada membro do grupo fará além de assinar uma declaração”, afirmou Friederike.
Leia a entrevista na íntegra:
Opera Mundi: você participou da criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Conte um pouco desse processo. Como foram determinados os pontos do projeto?
Friederike Röder: a Global Citizen apoia a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, mas não é membro dela. Somos encorajados pela iniciativa da Presidência brasileira do G20 de convocar uma estrutura global para abordar a crise global da fome e os ciclos que a perpetuam. Isso é mais necessário do que nunca. O número de pessoas passando fome todos os dias aumentou durante a pandemia da covid-19 e quase não diminuiu desde então.
Qual o papel que a Global Citizen teve na costura da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza? Como foi idealizada essa iniciativa e quais foram os seus maiores desafios?
O modelo da Global Citizen é destacar os exemplos positivos de urgência política transformados em ação, então trabalhamos em estreita colaboração com a Presidência do G20 deste ano para alertar as pessoas sobre a necessidade de tomar medidas urgentes contra a fome, apresentando as soluções e encorajando todos os atores a se juntarem à Aliança.
No início do ano, organizamos um evento em Roma, na embaixada brasileira, para encorajar todo o G20 e o G7 a priorizarem a luta contra a fome. Então, durante as ministeriais da Agricultura do G20 em julho, nós organizamos um painel de eventos paralelos com a primeira-dama do Brasil, o presidente do FIDA (Fundo Internacional do Desenvolvimento Agrícola), o diretor executivo do PMA (Programa Alimentar Mundial), o comissário europeu para Parcerias Internacionais e o presidente do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), para discutir o impacto pretendido da Aliança na nutrição e nos meios de subsistência de mulheres e meninas.
O governo do Brasil prevê erradicar a fome e a pobreza, além de reduzir as desigualdades sociais, até 2030. Como essa iniciativa será implementada na prática?
As equipes da Presidência do G20 que lideram a Aliança Global lançaram recursos bem pensados descrevendo como a Aliança alavancará programas sociais para quebrar os ciclos interligados de fome e pobreza.
Estamos incrivelmente animados para ver a lista expansiva de soluções técnicas incluídas na cesta de políticas, juntamente com o espírito colaborativo demonstrado pelas agências da ONU e ONGs internacionais que estão liderando diferentes sprints de políticas extraídas da cesta de políticas. Também é importante que a Aliança tenha estabelecido metas de impacto claras, por exemplo, para transferências de dinheiro, o que nos permitirá medir o progresso ao longo dos anos.
Em um de seus recentes comentários, você classificou a postura do Brasil frente à Aliança como “ousada”, num sentido positivo. Gostaria que me detalhasse essa “ousadia” e a importância de, em especial, ser o governo brasileiro encabeçando essa iniciativa.
Dada a urgência da fome e da pobreza extrema em todo o mundo, pode ser desanimador ver grandes momentos multilaterais equivalerem a nada mais do que discursos sem compromissos tangíveis. Celebramos o governo brasileiro não apenas por criar a plataforma da Aliança Global como um dos principais resultados de sua Presidência do G20, mas, mais importante, por trabalhar com uma comunidade de partes interessadas globais para permitir sua longevidade
Desde 2011 não temos uma Presidência do G20 priorizando a luta contra a fome e a insegurança alimentar da maneira que o Brasil tem feito. Sem essa liderança política no mais alto nível, o progresso não é possível. Por exemplo, ao focar nas maneiras como a fome e a pobreza estão interligadas, a Aliança está ampliando a gama de táticas e perspectivas que podem ser incorporadas para abordar os desafios que as comunidades podem estar enfrentando.
Os sprints de políticas organizados dentro da Aliança reúnem organizações que trabalham na intersecção da saúde e nutrição materno-infantil, refeições escolares, o papel dos pequenos agricultores e outras áreas-chave trazem uma abordagem expandida para a transformação do sistema alimentar em uma plataforma. Essa abordagem colaborativa é vital se quisermos progredir.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza foi oficialmente lançada em 18 de novembro e contou com a assinatura de todos os países-membros do G20. No entanto, houve uma preocupação nos bastidores de que o projeto pudesse sofrer um recuo, principalmente com a indecisão da Argentina. Como você interpreta essa possível falta de alinhamento dentro do grupo?
Estamos encorajados pelo crescimento da Aliança Global desde o verão de 2024 e pelo nível de detalhes que foi usado para criar sua cesta de políticas. Comemoramos os vários anúncios iniciais feitos no lançamento. Continuaremos a advogar até vermos mais líderes mundiais unindo seus recursos financeiros e políticos para o sucesso da Aliança Global.
É importante que o G20 endosse a Aliança, mas no final o que importa é o que cada membro do G20 fará além de assinar uma declaração.
O presidente Lula costuma enfatizar que “a fome não é natural, é decisão política”. Gostaria de uma leitura sua sobre essa frase, como vice-presidente de política global da Global Citizen.
Concordamos plenamente com esta frase. A fome não é uma fatalidade — temos os meios para acabar com ela, as soluções técnicas estão na mesa. O que falta é uma ação política decisiva, não apenas uma vez ou em curto prazo, mas seguindo por um longo período de tempo.
A declaração do presidente Lula também ressoa com Nelson Mandela, que disse a famosa frase: “como a escravidão e o apartheid, a pobreza não é natural. É feita pelo homem e pode ser superada e erradicada pelas ações dos seres humanos.” A crise alimentar global deve ser abordada da mesma forma.