A eleição presidencial dos Estados Unidos está marcada para 5 de novembro em uma disputa entre Kamala Harris, do Partido Democrata, e Donald Trump, pelos Republicanos. Na reta final da corrida eleitoral, os candidatos direcionam as campanhas para alcançar eleitores em dúvida e nos chamados estados decisivos do país (Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin).
Mas, para além das campanhas de Harris e Trump, é a National Basketball Association (NBA), a principal liga de basquete profissional dos Estados Unidos, casa de atletas mundialmente conhecidos como Lebron James e Stephen Curry, que pode dialogar com o público comum do país e atuar de modo a influenciar o resultado do pleito.
Entre os atletas que se definem como negros são maioria, assim como os que já declararam apoio ao Partido Democrata. Para Danilo Silvestre e Denis Botana, comunicadores sobre a NBA no Brasil, a liga é “amplamente considerada progressista por conta da questão racial”.
Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, Silvestre e Botana, apresentadores do podcast Bola Presa, traçaram o perfil político dos jogadores da NBA, que iniciou-se na luta pela igualdade racial nos anos 1960.
“A percepção geral do público é que a NBA é uma liga progressista. Os conservadores assistem futebol americano e até beisebol. E o basquete tem muitos mais negros competindo do que as outras modalidades. Já fazem muitas décadas que os negros são maioria ampla na NBA”, declaram.
Por outro lado, a liga é chefiada por 30 bilionários que são donos de times na NBA, esses que muitas vezes são republicanos e doam para a campanha de Trump. “O torcedor quer se identificar com os jogadores que ele gosta. Então imagino que seja fácil para ele ver que todas as estrelas da liga que gosta tão de um lado político e ele entrar deste lado também”, consideram os especialistas.
Leia a entrevista de Opera Mundi com Danilo Silvestre e Denis Botana na íntegra:
Opera Mundi: antes de falarmos sobre as eleições presidenciais nos Estados Unidos, qual é o perfil político que encontramos na NBA e em seus jogadores? Pensando, por exemplo, que a maioria dos atletas da liga são negros em um país de difícil histórico sobre racismo e que jogadores de muito destaque como o Lebron James tem projetos eficientes de educação.
Denis Botana e Danilo Silvestre: se voltarmos para o passado da NBA, nos anos 1960 e 1970, vamos ver jogadores com posicionamentos políticos mais voltados por uma causa, especialmente racismo. Não é um posicionamento necessariamente de defender um presidente, se posicionar em uma eleição ou sobre um partido. É mais pela causa da luta contra o racismo. Essa é a parte mais antiga do posicionamento político.
Depois, nos anos 1980 e 1990, temos uma fase conhecida como apolítica na NBA, marcada pela frase clássica do Michael Jordan: “os republicanos também compram tênis”. Na época, ele havia sido cobrado para se posicionar sobre a eleição de um governador abertamente racista na Carolina do Norte.
A NBA é uma liga amplamente considerada progressista por conta da questão racial. Desde os anos 1960, foi uma das primeiras ligas esportivas a mesclar brancos e negros. Também tem histórias famosas do Boston Celtics [atual campeão da NBA] vendo o racismo que os jogadores negros sofriam enquanto viajavam pelos Estados Unidos e fizeram movimentos para acabar com a segregação. E mesmo nos anos 1980, quando era uma liga que quase não tinha posicionamento político, a percepção geral do público é que a NBA era uma liga progressista. Os conservadores assistem futebol americano e até beisebol, que é considerado um esporte clássico, e o basquete tem muitos mais negros competindo do que as outras modalidades norte-americanas. Já fazem muitas décadas que os negros são maioria ampla na NBA. Além de ser um esporte mais urbano e as grandes cidades dos EUA geralmente têm mais pessoas progressistas.
O que mudou recentemente para além dessa percepção é a voz dos atletas não só pela causa negra, mas diversos assuntos em que se sentem no direito, no dever, ou apenas na vontade de se posicionar sobre tópicos políticos. Diversos jogadores começaram a se posicionar como democratas, falar sobre eleições e incentivar o voto.
Consideramos que um movimento com maior aspecto político aconteceu durante a campanha presidencial em que Trump foi eleito [em 2016]. Lembro dos técnicos, especialmente o Gregg Popovich, do San Antonio Spurs, e o Stephen Curry, do Golden State Warriors. Eles falam sobre tudo, e o Curry se posicionou sobre a regulação de armas de fogo nos EUA.
Após a eleição de Trump, os jogadores começaram a falar mais sobre porque tem a tradição dos times campeões visitarem a Casa Branca e tirar foto com o presidente. O campeão da temporada de 2015-2016 foi o Cleveland Cavaliers e eles ainda tiraram foto com o Obama (2009–2017). Já o vencedor de 2016-2017, o Golden State Warriors, questionou se deveria ir e, imediatamente, o Trump respondeu que o time não estava convidado. Esse caso envolveu um presidente, não foi uma causa, mas sim uma pessoa e o Partido Republicano, no caso.
Mas o ponto de guinada que a liga pareceu ter uma identidade homogênea foi no Black Lives Matter [Movimento Vidas Negras Importam].
Vocês mencionaram a comoção dos jogadores no Black Lives Matter. Os atletas se ajoelharam em homenagem a George Floyd durante o hino tocado no início das partidas. Essa foi uma tendência daquela época pela oposição a Trump e continuou nos anos seguintes ou devemos ter ações similares neste ano, em que ele busca a reeleição?
Há jogadores que sempre falam sobre questões políticas, como o Jaylen Brown, do Boston Celtics. Ele é mestre em ciências sociais e fala absurdamente bem sobre essas pautas. Mas no campo do esporte funciona muito a parte simbólica. Então para os atletas se posicionarem fica mais explícito quando tem algum acontecimento. Quando ocorre uma campanha como o Black Lives Matter, os atletas colocam suas vozes, e isso tem poder e intensidade.
Mas no dia a dia, fica mais evidente o que a própria NBA, não tanto os jogadores, lida com essas questões. Por exemplo, ajoelhar durante o hino foi imediatamente proibido na NFL (National Football League, liga de futebol americano), e a resposta da NBA foi opinar que não considera o ajoelhar no hino a resposta, contudo não proibiu o ato pois compreendeu o posicionamento de protesto.
A NBA também tem dias específicos em que celebra o Martin Luther King, os direitos LGBTQIA+ e a população latina. São várias propostas de inclusão contínuas que hoje são lidas como questão política democrata. Por isso virou uma liga democrata.
Na última eleição, quando o [Joe] Biden ganhou, foi bastante simbólico. Vários times, com o apoio da liga, abriram seus ginásios como lugar de votação. Os jogadores também treinavam antes dos jogos com camisetas oficiais da NBA escrito “vote”. E isso era muito tranquilo porque não era “vote no Biden”, era apenas um “eu quero que você vote, que você não fique em casa, já que não é obrigatório. Eu quero que você vá lá e vote”.
Isso era percebido como uma campanha democrata. Mas como liga, a NBA estava incentivando que as pessoas exercessem seu poder na democracia. Então a franquia não só deu suporte para os jogadores, mas teve uma atuação política sem precisar falar o nome de algum candidato ou fazer doações para campanhas.
A NBA é uma grande franquia ramificada em 30 partes, que são os times. Como esses atos políticos são vistos pelos donos de cada equipe?
Na prática, a NBA é um conjunto de 30 bilionários, vários deles republicanos. É bastante difícil conseguir um consenso entre eles, mas a NBA conseguiu fazer com que diversos desses donos de times que são republicanos não se expressassem contra as manifestações políticas dentro da liga.
Os donos do Orlando Magic [time sediado em Orlando], a família DeVos, são um dos mais tradicionais republicanos, e nunca falaram nada sobre as campanhas da NBA, pelo menos não externamente. A NBA conseguiu fazer essa diferenciação, é uma liga progressista, mas não necessariamente quer dizer que todos envolvidos são democratas.
Existe um comissário, o Adam Silver, que representa esses 30 bilionários, porque não dá para reunir todos quando uma decisão é tomada, ou esperar que eles entrem em consenso. Por isso brincamos que a NBA é a liga mais comunista do mundo, ele responde aos donos dos times, mas a responsabilidade é com a marca, então às vezes ele pode deixar um dono descontente porque é o mais importante pra liga
Há jogadores que apoiam o Partido Republicano, especificamente Trump? Já tiveram embates por causa disso?
Quando tem um jogador republicano, todo mundo sabe quem é, e alguns não gostam. Por exemplo, o Michael Porter Junior, do Denver Nuggets, e o Jonathan Eisen, do Orlando Magic. Sabemos nomear porque a NBA é formada pelos democratas, dois ou três republicanos e os estrangeiros que não estão interessados na política local e que estão ali apenas para jogar basquete.
Um caso interessante é do jogador Enes Kanter, que é turco e se exilou nos Estados Unidos porque tinha um mandado de prisão em seu país de origem. Em algum momento ele deu uma guinada para supostamente lutar pela liberdade, e ele entendia que o partido que simbolizava a liberdade era o Republicano. Ele começou a falar de política, da Turquia e maldizer o [presidente turco Recep Tayyip] Erdogan, e de repente insistindo muito em liberdade e censura, acreditando que os EUA eram o país da liberdade. Ele se naturalizou norte-americano, mudou seu nome para Enes Freedom [liberdade, em tradução livre], criticava a China dizendo que seu governo era uma ditadura, e eventualmente não foi mais contratado por time nenhum, alegando ter sido censurado – o que é difícil de afirmar porque ele não era uma unanimidade em quadra.
Mas agora ele é figurinha carimbada da Fox News, aparece o tempo inteiro falando bobagem na emissora contra os ‘comunistas chineses’. E ele acaba sendo um bom exemplo porque estava dentro de uma liga progressista e é um estrangeiro, o que ajuda a refutar as acusações de xenofobia entre os mais conservadores.
A questão da China na NBA é interessante porque a liga, considerada progressista, tem uma relação muito próxima com o mercado chinês por conta do comércio de tênis. Então essa é uma crítica comum dos republicanos contra a NBA, ao dizerem que a franquia levanta a voz pelo Black Lives Matter, contudo não contestam o governo chinês. Isso acontece de tal forma que um gerente da NBA criticou a China uma vez e foi multado imediatamente. Mas na verdade ele não escreveu nada, ele compartilhou nas redes sociais uma mensagem em favor dos protestos contra o governo chinês que estavam rolando em Hong Kong, em 2019.
Mas isso foi o suficiente para a China cortar relações com a NBA, de modo que não passaram jogos da liga no país asiático por um ano, e o atual comissário da liga, Adam Silver, precisou costurar as relações.
A NBA ou atletas com mais destaque podem impactar as eleições nos Estados Unidos de 2024? Seus posicionamentos podem extrapolar a quadra e ir até às urnas?
Tem impacto pelo fato de que a coisa mais difícil nos Estados Unidos é convencer as populações mais marginalizadas a votar. Há diversos números que mostram que negros e latinos nos lugares mais pobres não votam. O que eles fazem é convencer as pessoas que não vão votar a irem, e obviamente elas não vão votar no Trump.
O Jaylen Brown fez um vídeo incentivando as pessoas a votarem ao explicar à comunidade negra dos Estados Unidos porque o poder policial não pode estar nas mãos erradas. O discurso sempre é sobre ir votar, você não precisa falar nada além disso.
Para a corrida eleitoral deste ano, diversos jogadores já declararam apoio à Kamala Harris, como Lebron James e Stephen Curry. Antes da seleção de basquete dos Estados Unidos, formada por estrelas da NBA, embarcar para as Olimpíadas de Paris, Harris fez uma visita aos jogadores. O que podemos esperar de ação dos jogadores, times e até mesmo da própria NBA em relação às eleições? E como isso pode fazer parte da campanha democrata e entrar no imaginário do cidadão norte-americano fã de basquete?
Eu fico curioso também, penso se esses posicionamentos comunicam que essa é a única opção viável e o outro lado é inaceitável, afinal o outro não dialoga com ele e o Trump jamais apareceria nesse contexto. Mas tem uma parte psicológica que não podemos negar: o torcedor quer se identificar com os jogadores que ele gosta. Então, imagino que seja fácil para um torcedor ver que todas as estrelas da liga que ele gosta tão de um lado político e ele entrar deste lado também.
Também tem um papel fundamental a população negra dos Estados Unidos ver que todos os negros protagonistas, que estão na sua televisão, são abertamente democratas e estão falando sobre a questão negra. É um impulso para você se mobilizar. A NBA tem esse poder nos Estados Unidos, mesmo que não seja tão popular quanto a NFL, porque o poder midiático dos jogadores é maior. Os jogadores da NBA são celebridades, para além de grandes nomes do esporte.
E comparando com as outras ligas esportivas, eles são muito politizados. Eles têm um discurso sofisticado e elaborado. Quando você vê um jogador de futebol americano falando sobre política não é nada parecido com a NBA. É outro nível de discurso, por exemplo no começo dos anos 2000 quando jogadores negros falavam que eram escravos milionários porque tinham seus corpos apropriados. E é impossível assistir sem ser influenciado por essa cultura.
Também é muito interessante pensar no contraponto progressista que a NBA faz em lugares mais conservadores, não só para mostrar que outro pensamento existe, mas que referências no basquete, que os conservadores gostam, são democratas. Um dos casos mais importantes é no Texas, onde o técnico do San Antonio Spurs, Gregg Popovich, é celebrado, entendido como alguém muito inteligente, apresenta pautas totalmente democratas e progressistas, fala sobre direitos LGBTQIA+ e sobre controle de armas. Assim o texano conhece pelo menos uma pessoa que tem um discurso diferente dos que estão ao redor dele, e é uma pessoa que ele respeita.
Quais as expectativas dos posicionamentos políticos na NBA após essas eleições presidenciais?
Temos muita curiosidade de como vai ser o posicionamento dos jogadores no futuro mudando esse cenário eleitoral. Se o Trump perder este ano e não for mais um ator político tão forte, quem vai ser o próximo republicano de destaque e como ele vai se posicionar em relação a NBA e aos atletas politizados? Se não for alguém tão assertivo, será que os jogadores vão continuar se posicionando? Porque de certa forma eles são provocados e respondem à altura.
Além disso, quais são os passos da próxima geração porque esses jogadores que mencionamos são grandes exemplos mais velhos, e os mais novos têm sempre a preocupação de consolidar seu nome antes de se posicionar.