Diplomata palestina agradece Thiago Ávila e ‘ativistas que arriscaram suas vidas para lutar contra a fome em Gaza’
Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, Nadya Rasheed, embaixadora da Palestina no México, também elogiou Sheibaum e Lula por denunciarem genocídio
Em março, Nadya Rasheed foi credenciada embaixadora da Palestina no México pela presidente do país latino-americano, Claudia Sheinbaum.
Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, a diplomata palestina disse admirar a líder mexicana e também o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, pela postura que ambos têm demonstrado em favor do fim do genocídio na Faixa de Gaza.
Segundo ela, o presidente Lula “tem contribuído para fortalecer a causa por meio de sua postura firme contra o massacre em Gaza e pela campanha constante por uma reforma da ONU”.
Antes de ser embaixadora no México, Nadya ocupou o mesmo cargo no Uruguai, país onde manteve uma postura firme e crítica em relação à posição do governo uruguaio sobre escalada de violência e genocídio na Faixa de Gaza. Também foi diplomata na representação da Palestina junto à Organização Nações Unidas (ONU), na sede em Nova York.
Na entrevista, Nadya falou sobre a distinção entre antissemitismo e antissionismo, explicando que as críticas às políticas de Israel não podem ser interpretadas como antissemitas, especialmente em países como Brasil e México, e lembrou que a islamofobia também é um sentimento que vem crescendo no mundo, principalmente nos Estados Unidos.
Ela elogiou o aumento do apoio global às manifestações pela Palestina e reconheceu o esforço da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) na busca por uma solução diplomática, apesar das limitações do sistema internacional.
Por fim, a embaixadora enalteceu a importância da ajuda humanitária dos ativistas da Flotilha da Liberdade, incluindo o brasileiro Thiago Ávila, “arriscaram suas vidas para romper o cerco desumano imposto para matar de fome mais de dois milhões de pessoas em Gaza”.
“A impunidade não pode continuar. Somos eternamente gratos a essas almas corajosas e a todos aqueles que se tornaram ativistas, seja por escolha ou por necessidade”, frisou.
Confira a entrevista exclusiva com a Embaixadora da Palestina no México Nadya Rasheed:
Opera Mundi: Como tem sido sua experiência no México até agora?
Nadya Rasheed: Minha experiência no México foi profundamente comovente e significativa. Desde o primeiro momento, me senti acolhido pelo povo mexicano: sua cordialidade, solidariedade e apoio inabalável à causa palestina foram impressionantes. Sempre admirei o México, e viver e trabalhar aqui como embaixadora apenas aprofundou meu respeito por sua cultura, história e compromisso corajoso com a justiça.
Como foi seu encontro com Claudia Sheinbaum, a primeira mulher a assumir a presidência do México, que também tem raízes judaicas?
Foi uma reunião histórica e inspiradora. Tenho profundo respeito e admiração pela presidente Sheinbaum, não por causa de uma identidade específica, mas por causa de seu forte compromisso com a justiça social. Para mim, ela personifica valores que ressoam entre nosso povo: resiliência, justiça e compromisso com os mais vulneráveis.
O que torna sua voz tão poderosa diante do que está acontecendo em Gaza é exatamente isso, sua profunda convicção na dignidade humana, na igualdade e na justiça. Sua posição não se baseia em política ou identidade, mas em humanidade. E é exatamente disso que o mundo precisa com urgência neste momento. É claro que, como mulher, eu não poderia estar mais orgulhosa de servir em um país onde sua liderança não é sentida apenas aqui no México, mas também em todo o mundo.
Acredita que o México poderia romper relações com Israel, como fizeram países como Colômbia e Bolívia?
O México demonstrou clareza moral e coragem em suas posições multilaterais. Romper ou não as relações diplomáticas é uma decisão soberana que pertence exclusivamente ao México e ao seu povo.
O que mais importa para nós é que o México continue a defender o direito internacional, apoiar os esforços para acabar com o genocídio e exigir responsabilidade. Todos os países têm um papel a desempenhar, não apenas com palavras, mas com ações concretas que pressionem Israel a interromper seus crimes e enfrentar a justiça. Embargos de armas, sanções e suspensão de cooperação são ferramentas legítimas.
Israel não pode continuar a agir como se nada estivesse acontecendo. É preciso haver justiça e responsabilidade.
O presidente Lula tem sido firme em sua posição contra o genocídio em Gaza, defendendo a necessidade de reformular órgãos como a ONU. Em sua opinião, essa mudança poderia fortalecer a causa palestina?
Com certeza. O Presidente Lula tem sido um dos poucos líderes mundiais a nomear o que está acontecendo em Gaza pelo que realmente é: genocídio. Sua posição firme não é apenas simbolicamente importante, mas também levanta questões fundamentais sobre as falhas do atual sistema internacional. O apelo para reformar a ONU não é uma proposta abstrata. Está diretamente relacionado à possibilidade de povos oprimidos, como os palestinos, terem acesso à justiça em um sistema dominado por relações de poder profundamente desiguais. A reforma é urgente, e a voz do Presidente Lula está ajudando a fazer com que essa urgência suba na agenda internacional.

Nadya Rasheed disse ser uma admiradora de Claudia Sheinbaum e de Lula
Embaixada da Palestina no México
Ficou mais fácil distinguir entre antissemitismo e antissionismo no México? Você acha que essa confusão pode afastar muitos políticos e líderes do apoio à causa palestina?
Ainda há confusão, muitas vezes alimentada deliberadamente. Israel instrumentalizou o antissemitismo, uma preocupação muito séria para todos nós, assim como devemos nos preocupar e levar a sério todas as formas de discriminação, inclusive a islamofobia e a violência contra os palestinos que vêm aumentando, especialmente em países como os Estados Unidos.
Dito isso, acredito que há uma clareza crescente, especialmente entre os jovens, a sociedade civil e os movimentos progressistas de que criticar as políticas e os crimes do Estado de Israel não é antissemitismo. Na verdade, confundir os dois conceitos causa danos reais: protege um sistema de apartheid e genocídio, ao mesmo tempo em que tenta silenciar a solidariedade genuína.
No México, vi vozes corajosas, judias e não judias, se levantarem com clareza moral, compreendendo plenamente essa distinção. Devemos proteger essa clareza e não permitir que o medo ou a pressão política atrapalhem o caminho para a justiça.
Como você avalia o aumento do apoio popular à causa palestina nas últimas semanas, com grandes manifestações em todo o mundo? Há também um aumento da mobilização no México?
A onda de solidariedade global tem sido um dos sinais mais poderosos de esperança em um momento de profunda tristeza. De acampamentos universitários a manifestações em massa, as pessoas estão se levantando de maneiras sem precedentes, recusando-se a desviar o olhar.
No México, vimos não apenas protestos, mas um compromisso genuíno e profundo: artistas, acadêmicos, estudantes, sindicatos e cidadãos comuns se uniram em apoio à justiça para a Palestina. Um dos momentos mais significativos para mim, desde que cheguei, foi marchar ao lado do povo do México por Gaza. É um lembrete de que nossa luta é global e que a Palestina vive nos corações das pessoas em todo o mundo.
Nas últimas décadas, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) abandonou a luta armada, optando, em vez disso, pela luta por meio de tribunais internacionais. Como você avalia essa abordagem, especialmente à luz dos eventos que ocorreram desde 7 de outubro? Mesmo com processos judiciais, fóruns e manifestações em todo o mundo, o genocídio não parou.
Décadas atrás, a OLP tomou uma decisão de princípio de seguir o caminho legal e diplomático para buscar justiça. Entretanto, os eventos anteriores e posteriores ao dia 7 de outubro expuseram as profundas limitações e falhas morais do sistema internacional.
O genocídio em Gaza continua, apesar das decisões da Corte Internacional de Justiça e do apoio esmagador da opinião pública mundial. O mesmo aconteceu com a ocupação e o apartheid, que persistiram apesar de centenas de resoluções e decisões legais. Isso não significa que nossa estratégia esteja errada, mas que o mundo deve finalmente confrontar a hipocrisia e o desequilíbrio de poder que permitem que Israel espezinhe a lei internacional impunemente. Por que Israel pode reinterpretar as normas globais de acordo com seus interesses, enquanto outros povos são responsabilizados?
Uma coisa é certa: não estamos abandonando o direito internacional, estamos exigindo que ele seja aplicado de forma justa, equitativa e sem dois pesos e duas medidas. Porque a justiça não pode ser opcional.
Como você avalia a iniciativa da Flotilha da Liberdade, de ativistas como o brasileiro Thiago Ávila, e a importância de movimentos desse tipo em solidariedade à Palestina?
Todos esses ativistas arriscaram suas vidas para romper o cerco desumano imposto para matar de fome mais de dois milhões de pessoas em Gaza (um milhão delas crianças), no contexto de um genocídio que vem ocorrendo há mais de 19 meses, somando-se a um bloqueio que já estrangula Gaza há 17 anos.
Sua coragem envia uma mensagem clara e urgente para o mundo: o cerco não é normal, e o silêncio é cumplicidade. Quando os governos não agem, as pessoas se levantam. A presença de ativistas de diferentes países nos lembra que essa não é apenas uma luta palestina: é uma luta humana. Cada ato de desafio, por menor que seja, derruba um pouco mais o muro da injustiça e nos aproxima da dignidade e da liberdade.
O sequestro e a tomada de reféns desses civis por Israel, juntamente com a interceptação violenta da flotilha em águas internacionais, é uma violação flagrante do direito internacional. Não se trata apenas de um crime contra o povo palestino, mas de um crime contra a humanidade e um ataque direto aos princípios que protegem os direitos humanos e a ajuda humanitária.
Pedimos com urgência que a comunidade internacional aja imediatamente. Os Estados têm a obrigação legal e moral de responsabilizar Israel. A impunidade não pode continuar. Somos eternamente gratos a essas almas corajosas e a todos aqueles que se tornaram ativistas, seja por escolha ou por necessidade. Sua coragem nos inspira, nos sustenta e lembra ao mundo que a justiça não é um slogan: é um direito.