O reinício do conflito armado em Catatumbo, região no nordeste da Colômbia que fica próxima à fronteira com a Venezuela, tem sido um dos temas mais complexos enfrentados pelo país este ano.
Os confrontos tiveram início em meados de janeiro, em um cenário no qual, de um lado, está o grupo de esquerda revolucionária Exército de Libertação Nacional (ELN), e do outro figuram organizações paramilitares que estariam defendendo os interesses do narcotráfico, e que contariam com o apoio do Exército colombiano e também de ex-militantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Há suspeitas de que grupos ligados ao ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010) também estariam envolvidos.
Quem faz essa análise do cenário local é Eliécer Chamorro, principal líder político e militar do ELN, que utiliza o nome código de comandante Antonio García. Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, ele disse que “os ex-membros da FARC que atuam em Catatumbo se transformaram em gangues dedicadas ao tráfico de drogas e utilizadas pelo governo para avançar em um plano de contrainsurgência contra o ELN e as comunidades às quais o poder do Estado impõe suas forças”.
“Inicialmente, eles se apresentaram como pessoas que haviam sido enganadas por seus comandantes para se desmobilizarem e se desarmarem, que queriam retornar à luta armada e se mostravam dispostas a fazer mudanças em suas políticas e comportamentos, que eles próprios caracterizavam como desvios ideológicos. Solicitaram o apoio do ELN, e este lhes foi fornecido. É claro que tínhamos que estar atentos às suas intenções, pois eles já haviam deposto as armas e vários deles desenvolveram laços com a inteligência do Estado”, comentou García.
O líder do ELN acusa os grupos conformados pelos ex-FARC de “expandir alianças com cartéis de drogas e gangues paramilitares mexicanas”. “Poderíamos dizer que se tornaram uma força ‘proxy’ que atua para o Estado, em favor do seu plano de contrainsurgência”, acrescentou.
García faz várias críticas ao governo de Gustavo Petro na Colômbia e ressalta que o próprio presidente “disse abertamente que não é de esquerda, que se identifica como ‘progressista’ e que é a favor de ‘desenvolver e modernizar o capitalismo’”.
“Ele (Petro) não tem força no Parlamento para aprovar as reformas que propõe. Por outro lado, é muito inclinado a se aliar aos partidos tradicionais para buscar uma conciliação e quando esses partidos não cumprem o que prometeram, ele recorre ao apoio popular. Um comportamento dual que, na política, não serve para acumular força, e sim desgaste”, analisou o comandante do ELN.
O líder guerrilheiro também falou sobre o governo de Nicolás Maduro na Venezuela, e lembrou que “o Estado colombiano, suas Forças Armadas e serviços de inteligência têm conspirado persistentemente contra a Revolução Bolivariana, inclusive por meio de operações militares dentro do território venezuelano”.
Leia abaixo a íntegra da entrevista exclusiva com o Comandante Antonio García, principal líder político e militar do ELN.

Comandante Antonio García, principal líder político e militar do ELN, mantém uma postura crítica com relação ao governo de Gustavo Petro na Colômbia
Opera Mundi: Por que as negociações para um acordo de paz entre o ELN e o governo colombiano foram interrompidas? Esta foi uma decisão sem volta ou o diálogo ainda pode ser retomado no futuro?
Comandante Antonio García: O governo vem descumprindo acordos escritos e assinados em documentos. Por exemplo: recusou-se a avaliar os incidentes que violaram o cessar-fogo em alianças com grupos paramilitares, recusou-se a cumprir o acordo para nos retirar da lista de Grupos Armados Organizados (GAOS, por sua sigla em espanhol) e nos reconhecer pelo que somos: uma organização política rebelde que pegou em armas.
Também não avançou na criação de um fundo que permitisse estabilizar o cessar-fogo; promoveu operações de inteligência para atacar o comando e fragmentar o ELN. Tudo isso é uma falta de respeito ao que foi estabelecido na Mesa de Diálogo.
Desde o começo, o ELN tem estado atento às medidas adotadas pelo governo para cumprir o acordo. Quando houver vontade de retornar, quando julgarmos que está sendo colocado em prática aquilo que foi firmado, estaremos prontos para voltar à Mesa (de Diálogo).
Como foi gerado o conflito em Catatumbo e por que chegou no estágio que vemos agora? O que vem acontecendo naquela região nos últimos dias?
Os ex-membros da FARC que atuam em Catatumbo – e isso também acontece em outras regiões do país – são na verdade gangues dedicadas ao tráfico de drogas e utilizadas pelo governo para avançar em um plano de contrainsurgência contra o ELN e as comunidades às quais o poder do Estado impõe suas forças.
Inicialmente, eles se apresentaram como pessoas que haviam sido enganadas por seus comandantes para se desmobilizarem e se desarmarem, que queriam retornar à luta armada e se mostravam dispostas a fazer mudanças em suas políticas e comportamentos, que eles próprios caracterizavam como desvios ideológicos.
Eles solicitaram o apoio do ELN, e este lhes foi fornecido, para que pudessem retomar a luta. É claro que tínhamos que estar atentos às suas intenções, pois eles já haviam deposto as armas e vários deles desenvolveram laços com a inteligência do Estado.
Estabelecemos acordos entre alguns ex-FARC e o ELN sobre presença nos territórios, relações com as comunidades e mobilidade dentro dos territórios. Com o tempo, eles começaram a quebrar os acordos e acabaram impondo imposições às comunidades.
A violação de acordos territoriais e a falta de combatividade por parte das Forças Armadas foram acompanhadas pela expansão de suas alianças com cartéis de drogas e gangues paramilitares mexicanas. Esse dinheiro foi usado para expandir dessa organização, sem nenhum treinamento para os novos recrutas, jovens que eram submetidos a maus-tratos e abusos.
Nos combates, a maior parte dessa gangue foi desmantelada, muitos foram capturados por nossas unidades, outros se renderam voluntariamente. Todos eles tiveram suas vidas respeitadas e receberam bom tratamento. Os remanescentes estão sendo protegidos pelo governo e pelo Exército colombiano.
Há ex-membros das FARC colaborando atualmente com o ELN? Há pessoas nas FARC que não estão satisfeitas com o que foi feito depois do acordo entre a guerrilha e o governo Santos?
Existem pessoas na base com quem temos relações de amizade e respeito, são independentes e nós as respeitamos. Por outro lado, há algumas pessoas que não concordam com o que foi feito (acordo de paz com o governo) e mantêm uma atitude positiva em relação à luta (armada).
É correto dizer que houve momentos de unidade de ação entre o ELN e as FARC? Segundo o ELN, o que motivou as desavenças entre os grupos?
Não havia unidade de ação, mesmo antes da desmobilização das FARC. Em um determinado momento, eles nos propuseram unidade de ação, mas foi uma forma oportunista para aquele período antes de começarem as negociações, então entendemos.
Em Catatumbo tampouco houve unidade de ação. Os ex-FARC só tinham permissão para estar em um território para que pudessem reconstruir seu projeto. Porém, como eu disse, não houve tal reconstrução, e sim uma decomposição posterior.
Hoje, eles estão mais envolvidos no tráfico de drogas, nos negócios, e estão alinhados com um projeto do governo de apresentar uma nova desmobilização vinculada a um projeto de contrainsurgência contra o ELN e os territórios onde há luta. Poderíamos dizer que se tornaram uma força “proxy” que atua para o Estado, em favor do seu plano de contrainsurgência.
Qual é a opinião do ELN sobre o governo de Gustavo Petro na Colômbia? Seria correto descrevê-lo como um governo de esquerda? Suas medidas conseguiram melhorar a vida das pessoas ou você não cumpriu suas promessas?
No sentido revolucionário, ele mesmo (Petro) disse que não é de esquerda, que se identifica como “progressista” e que é a favor de “desenvolver e modernizar o capitalismo”. Ele fez promessas de mudança após os grandes protestos entre 2019 e 2021, que aproveitou para ganhar a Presidência, mas hoje é um governo com retórica, mas que não se traduz em mudanças reais.
Além disso, Petro não tem força no Parlamento para aprovar as reformas que propõe. Por outro lado, é muito inclinado a se aliar aos partidos tradicionais para buscar uma conciliação e quando esses partidos não cumprem o que prometeram, ele recorre ao apoio popular. Um comportamento dual que, na política, não serve para acumular força, e sim desgaste. Ele nunca deixou claro qual seria o caminho para construir as mudanças.
Qual é a perspectiva para o futuro da Colômbia faltando um ano e meio para o fim do primeiro mandato de Petro?
O potencial de uma força social que lhe dava um mandato para mudar a vida do país foi desperdiçado. Essa força permaneceu estagnada, no mesmo lugar, pois não formulou claramente as rotas para a mudança: ora se alinhou com o povo, ora com a burguesia e seu regime. Ou você se alia com um, ou com o outro, mas parece que ele (Petro) só se importa em ser uma força política dentro do regime político, que pretende reformá-lo para fazer parecer que outros setores podem governar, setores diferentes dos partidos tradicionais, mas que na realidade continuam fazendo as mesmas coisas.
Existem questões geopolíticas por trás do conflito que estamos vendo atualmente na Colômbia?
Tudo se move na geopolítica, nos espaços que são ocupados, nos territórios, nas populações e nas possibilidades futuras. A diferença está nos propósitos daqueles que os buscam.
Alguns o fazem para os círculos do grande poder mundial e sua estrutura, e outros o fazem para o bem comum e coletivo, com um senso de maiorias empobrecidas. A oligarquia colombiana está se esforçando para continuar desfrutando de seus poderes e privilégios ao lado dos Estados Unidos, enquanto nós, lutadores, estamos nos esforçando para construir um mundo mais justo, também na Colômbia e no continente.
É correto dizer que o ELN é um grupo binacional, ou que não atua apenas em território colombiano?
Existem pessoas no mundo que são binacionais, elas têm dupla nacionalidade. Há também governos que não têm nacionalidade. No continente, a construção das nações é um processo que ainda não foi concluído. Se diz até que foi interrompido para atender aos interesses dos “gamonales” (termo colombiano para “chefes”, ou “líderes”), após a independência da Espanha.
Todos os países e governos têm suas embaixadas e corpos diplomáticos viajando pelo mundo, construindo relações ou criando círculos de influência, bem como agentes secretos militares, empresariais, comerciais, etc. O ELN faz o mesmo, e todos nós na política também, seja legal ou ilegalmente, porque os Estados fazem muitas coisas ilegais.
O ELN é uma organização armada com objetivos políticos centrados na Colômbia, além de objetivos estratégicos, e ocupa seus espaços territoriais com base neles. Os membros do seu comando são todos colombianos, mas também recebemos contribuições de companheiros que lutaram e lutam conosco e são de outras latitudes, porque somos uma organização guevarista e, portanto, internacionalista.
Qual é a opinião do ELN sobre o governo de Nicolás Maduro na Venezuela?
É um governo que defende um projeto de país com soberania e independência, para o bem do seu povo, mas que o imperialismo norte-americano não gostou e puniu impiedosamente com bloqueios, sanções e agressões.
Vale ressaltar que o Estado colombiano, suas forças armadas e serviços de inteligência têm conspirado persistentemente contra a Revolução Bolivariana, inclusive por meio de operações militares dentro do território venezuelano. Apesar disso, o país continua digno e mantém suas bandeiras bem altas.
Sobre Maduro, ele não teve outra escolha a não ser resistir, e isso é o que tem feito.