Ladislau Dowbor: contra as tarifas de Trump, caminho do Brasil é reforçar relação com BRICS
Para economista, governo ultradireitista tem 'capacidade de pressão' e faz uma guerra econômica 'sem nenhuma consideração'
Donald Trump voltou ao poder dos Estados Unidos prometendo uma guerra comercial e econômica com diversos países, incluindo o Brasil. O republicano já anunciou uma série de taxas – em algumas voltou atrás – mas manteve um tarifaço que afeta diretamente a economia brasileira: 25% sobre todo o aço e alumínio importados pelo país.
O governo Lula disse que irá enfrentar as tarifas impostas em uma medida de “defender os legítimos interesses nacionais”. Porém, para o economista Ladislau Dowbor, uma das formas para confrontar as políticas impositivas dos Estados Unidos é estreitar as relações com o BRICS.
A Opera Mundi, o especialista descreveu as medidas como um “porrete” de Trump aos países para os quais “o desenvolvimento têm custos externos pesados”. “A busca da redução da dependência em relação aos mercados norte-americanos pode ser muito útil para o Brasil e o conjunto de exportadores de bens primários. E a China pode ajudar imensamente com financiamento, tecnologias e infraestruturas. Reforça-se o Sul-Sul”, disse.
Veja a entrevista com Ladislau Dowbor na íntegra:
Opera Mundi: professor, por que, na sua avaliação, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao voltar ao poder, encampou essa campanha tarifária? O que ele quer com essas medidas?
Ladislau Dowbor: o fato de muitos países dependerem dos Estados Unidos para as suas importações significa que Trump tem nas mãos uma capacidade de pressão, que ele vê como uma arma, e vai testando para encontrar espaço de negociação e condições mais favoráveis. E ele maneja isso realmente como uma arma, um bastão de beisebol, sem nenhuma consideração ou cálculo econômico. É guerra econômica.
Do ponto de vista interno, ele sempre prometeu que iria trazer os empregos de volta para os Estados Unidos, e isso envolve em particular a China, que tem um grande superávit comercial com os Estados Unidos, em particular na área de manufaturados.
Travando importações, ele abriria mais mercado interno para a indústria norte-americana, o que faz parte das suas promessas eleitorais. A fragilidade dessa política é que o setor manufatureiro hoje gera poucos empregos, o operariado norte-americano representa cerca de 5% da mão de obra, apenas. É um raciocínio que seria válido no século passado. Mas essas medidas têm o apoio político da base popular, na linha do “America First”.
Gostaria de citar esse trecho de um artigo de opinião do jornal britânico Guardian que vai na linha da pergunta: “ele [Trump] fala como se as pessoas que as pagam [as tarifas] fossem estrangeiros odiados, como a China ou o Canadá forçados a pagar bilhões aos cofres dos Estados Unidos, quando, na verdade, as tarifas são um imposto sobre as vendas, que é cobrado dos consumidores, que têm que pagar mais caro por produtos importados. Uma tarifa sobre carros estrangeiros, digamos, não é paga pela Alemanha, mas por um norte-americano que compra um BMW. Ela aumenta os preços para os norte-americanos. Quando outros países revidam com tarifas próprias, tornando os produtos dos Estados Unidos mais difíceis de vender, você está em uma guerra comercial que só piora tudo”.
Visto que a dinâmica de Trump tem sido, muitas vezes, a de anunciar tarifas e recuar dias depois fazendo um acordo, é exagerado dizer que tem muito de blefe nessa estratégia? Se for o caso, blefar demais poderia ser lido como um sinal de debilidade após um certo tempo?
Os blefes permitem a Trump sentir pontos fracos em diversos países dependentes. Os 140 países em desenvolvimento têm dívidas externas pesadas (não é o caso do Brasil, cuja dívida é interna), gastam uma média de 41% dos seus orçamentos com pagamento de juros sobre essas dívidas. Para pagar os juros são obrigados a exportar o que têm, em geral matérias primas, produtos primários. Dificultar as suas exportações, com tarifas mais altas, os torna mais vulneráveis, situação em geral utilizada para acordos de mais apropriação de produtos primários nesses países, em particular de minerais estratégicos, como é o caso do Congo, com imensas reservas minerais. Tarifa, para Trump, é um porrete.
As medidas de Trump podem de fato caminhar para uma guerra comercial? Se sim, os próprios Estados Unidos estão preparados para isso, já que há risco de recessão no país?
As tarifas sobre importações tendem a tornar os produtos mais caros dentro dos Estados Unidos, pois são incorporadas aos preços pela elevação dos custos. Neste sentido, no médio prazo, é um tiro no pé. Individualmente, países têm reagido com elevação recíproca de tarifas de importação, o que tende a fragilizar a penetração de produtos norte-americanos no resto do mundo.
Indiretamente, isto pode favorecer a industrialização e modernização econômica nos próprios países em desenvolvimento, como se viu em crises internacionais anteriores: os países passam a depender mais das próprias forças.
Nesse sentido, é importante a força de articulação no quadro do BRICS, gerando políticas defensivas solidárias e promovendo enriquecimento das relações econômicas entre os próprios países do Sul Global.

Ladislau Dowbor chamou de guerra econômica política de tarifas dos Estados Unidos
Como o senhor avalia o cenário para a China nesse ponto. O país de Xi Jinping pode realmente ser afetado economicamente?
A China depende hoje muito menos das exportações, na medida em que orientou desde o início o seu desenvolvimento para a inclusão produtiva da base da sociedade. Tirou 800 milhões da pobreza – o contrário da nossa justificativa de deixar crescer o bolo para depois distribuir – e essa massa de consumidores torna o mercado interno proporcionalmente muito mais importante.
Em segundo lugar, as exportações chinesas são dominantemente orientadas para os próprios países vizinhos, com uma série de acordos.
Finalmente, é preciso lembrar que a força econômica da China é muito superior à dos Estados Unidos: em dólares equivalentes de poder de compra (Purchasing Power Parity), a China ultrapassou os Estados Unidos em 2017, hoje tem um PIB de 37 trilhões de dólares (PPP), os Estados Unidos 29. E a cadeia produtiva dos Estados Unidos depende de insumos e peças da China: a ruptura de aprovisionamento de certas peças trava cadeias produtivas inteiras.
O Brasil é um dos afetados nas tarifas de 25% sobre importação de aço e alumínio. O governo disse que não descartou a possibilidade de recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC). O que pode Brasília fazer nesse caso? Que efeitos a tarifação do aço brasileiro pode ter no nosso país?
Se não houver progresso nas negociações – e os Estados Unidos vão buscar outras vantagens, por exemplo, de direito de compra de terras no Brasil, impedir que o Brasil negocie com a China em yuan em vez de dólar, etc – as empresas afetadas terão de reorientar mais produção para o mercado interno brasileiro, ou dos países latinos e do BRICS, o que pode ser positivo.
De certa forma, os Estados Unidos querem depender menos de importações, mas o impacto indireto é que os países afetadas também procurarão ser mais autônomos. A busca da redução da dependência em relação aos mercados norte-americanos pode ser muito útil para o Brasil e o conjunto de exportadores de bens primários. E a China pode ajudar imensamente com financiamento, tecnologias e infraestruturas. Reforça-se o Sul-Sul.
O governo Lula enfrenta uma alta nos valores de produtos, queda de popularidade do presidente em contraste com o PIB que cresceu. Como o senhor avalia o cenário econômico do país? Quais caminhos o governo pode percorrer para solucionar tais cenários?
A inflação que fragiliza o governo, apesar da melhoria do PIB e do emprego, mas não é uma inflação de demanda excessiva, e sim inflação de lucros (profit inflation). Os alimentos no mundo, particularmente os cereais, são controlados por quatro gigantes de intermediação de commodities: ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus (ABCD). Eles elevam os preços por simples busca de maiores lucros. E como constituem um oligopólio, elevam os preços sem concorrência.
Normalmente o Brasil teria um amplo estoque regulador, como tinha na gestão anterior do Lula, proteção desfeita a partir do golpe. Os países que têm estoques reguladores conseguem colocar produtos no mercado a preços controlados.
O atual governo Lula já começou esta política, mas está em fase inicial. Daí a busca de reduzir as tarifas dos importados. Não se trata de “mecanismos de mercado”, trata-se de guerra comercial e política movida por rentistas, oligopólios ligados aos gigantes financeiros.
Essa postura dos Estados Unidos não deveria ser um incentivo para que o Brasil comece a rever aquela postura demonstrada no segundo semestre do ano passado, de afastamento do BRICS e resistência ao projeto chinês de Cinturão e Nova Rota da Seda? Neste momento, não seria mais vantajoso para o nosso país esse fortalecimento do comércio com o Sul Global, e um distanciamento de Washington?
Não há dúvida. O caminho é reforçar as relações com o BRICS, fortalecer as trocas com moedas nacionais (desdolarização) e ampliar os acordos com a China, que coincide com os nossos interesses de reduzir a dependência relativamente aos Estados Unidos. A médio prazo, investir fortemente na agricultura familiar.
As cidades na Europa ou na China e tantos outros países têm cada uma um cinturão verde horti-fruti-granjeiro que assegura alimentos frescos, emprego, pequena indústria de acondicionamento e transformação, sem depender do oligopólio de atravessadores. Isso sim é economia de mercado. Tem tudo a ver com a luta do Paulo Teixeira no Ministério do Desenvolvimento Agrário.
