A quatro dias das eleições nos Estados Unidos, as campanhas da democrata Kamala Harris e do republicano Donald Trump apostam suas fichas nos chamados swing states, regiões consideradas decisivas para a definição das eleições presidenciais dos Estados Unidos.
Estados pêndulos, cruciais e até duvidosos que ora votam em republicanos, ora em democratas estão na disputa dos candidatos nessa reta final do pleito. Neste ano, são eles: Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin.
De olho na eleição, Neusa Bojikian aponta que os resultados nesses estados são imprevisíveis em cada ciclo eleitoral. A pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU) disse a Opera Mundi que a atenção é voltada aos swing states pois as “preferências dos eleitores são relativamente equilibradas, com diferenças discretas, cada voto conta, cada voto importa”.
“Em função dessa natureza decisiva, as campanhas eleitorais nesses estados tendem a ser mais intensivas e, consequentemente, mais caras. Eles são objetos de muita publicidade, de eventos presenciais, operações de campo (através das equipes de porta a porta, de telechamadas, de SMS). Esses estados recebem uma quantia de recurso que é desproporcional em comparação com os estados com preferências eleitorais bem definidas”, afirmou.
Bojikian também é pesquisadora do Programa de Pós-Doutorado em Ciência Política da Unicamp e apontou Wisconsin como um estado-pêndulo que chamou atenção nesta corrida eleitoral, já que ali as “eleições são regularmente decididas por margens mínimas e justamente por isso tem sido prioridade máxima para ambas as campanhas”.
Leia também
Voto indireto, delegados e Colégio Eleitoral: entenda como funciona a eleição nos EUA
Além da disputa presidencial, o que mais está em jogo no dia 5 de novembro nos EUA?
Além disso, a especialista destacou os motivos de a Pensilvânia ser um dos focos, o por que a eleição está acirrada e como entender o voto de minorias em Trump.
Leia na íntegra a entrevista de Opera Mundi com a pesquisadora Neusa Bojikian:
Opera Mundi: como está avaliando as eleições dos EUA deste ano? Tivemos desistência de Biden, o atentado contra Trump e uma disputa acirrada que não indica qual será o rumo deste pleito.
Neusa Bojikian: bem, se tem uma palavra que se ouve o tempo todo aqui sobre as eleições é polarização. E de fato acredito que isso esteja refletindo divisões profundamente arraigadas na sociedade norte-americana. Diversos fatores contribuem para essa natureza. O problema da desigualdade econômica, que acabou intensificando as divisões entre os estratos sociais, levando a diferentes preferências entre o eleitorado, é real, mas não se trata apenas disso. Há outros fatores que respondem por essa divisão e acirramento, que são: questões de ordem social e cultural e a fragmentação da mídia. As discussões sobre imigração que também já vinham fazendo parte da pauta política dividem os espaços (palanques, plataformas digitais e podcasts) com a discussão sobre direitos de gênero, isso sem contar a questão de justiça racial, que por sua vez cruza com as discussões sobre imigração e gênero.
Um outro fator de importância central é a fragmentação da mídia, que, com os meios tradicionais de comunicação dividindo espaço com as mídias sociais, teve como desdobramento o reforço das crenças existentes. O exercício do debate perdeu espaço. Então os candidatos de estilo abrasivo, por sua natureza e pela orientação de seus estrategistas de campanha, optam por falar, em frases curtas e de efeito explosivo, aquilo que tende a ecoar nas mídias sociais e a provocar o tal engajamento.
Como podemos entender o que são esses estados-pêndulo? Como eles se configuraram para serem decisivos nas eleições?
Os estados-pêndulo, ou swing states, são aqueles onde o eleitorado é dividido de forma aproximada entre democratas e republicanos. Ou seja, o eleitorado desses estados não têm um alinhamento partidário claro. É preciso lembrar que nos EUA, apesar de haver outros partidos, apenas dois são centrais – Democrata e Republicano – e além disso, a votação é decidida por meio do sistema de Colégio Eleitoral e suas regras. A regra, por exemplo do “winner-takes-all”, vigente na maioria dos estados (exceto Nebraska e Maine) é algo que singulariza o sistema eleitoral dos Estados Unidos. De acordo com essa regra, o candidato que vence a maioria dos votos populares no estado leva todos os votos eleitorais. Isso pode levar a distorções entre o voto popular e o resultado do Colégio Eleitoral. Mas é assim e não há previsão de mudanças.
Sendo assim e sendo os resultados nesses estados imprevisíveis, em cada ciclo eleitoral, tais estados ganham a atenção dos políticos e da mídia e ofuscam os outros estados com tendências de votação mais previsíveis. Na verdade, isso faz com que muitos eleitores em estados solidamente republicanos ou democratas se sintam irrelevantes no processo eleitoral.
Esses estados dificilmente trazem uma diferença maior que cinco pontos percentuais. Por que eles são destacados como focos das campanhas?
Pois é, por isso que eles são considerados estados a serem conquistados a cada campanha. Como as preferências dos eleitores são relativamente equilibradas, com diferenças discretas, cada voto conta, cada voto importa. Sendo assim, toda a atenção é voltada para esses estados. E em função dessa natureza decisiva, as campanhas eleitorais nesses estados tendem a ser mais intensivas e, consequentemente, mais caras.
Eles são objetos de muita publicidade, de eventos presenciais, operações de campo (através das equipes de porta a porta, de telechamadas, de SMS). Esses estados recebem uma quantia de recurso que é desproporcional em comparação com os estados com preferências eleitorais bem definidas.
Nesse ciclo eleitoral, um estado-pêndulo que tem chamado atenção é Wisconsin. Ali, as eleições são regularmente decididas por margens mínimas e justamente por isso tem sido prioridade máxima para ambas as campanhas. As questões de emprego e saúde são centrais, e Harris está tentando mobilizar eleitores. Ela conseguiu conquistar apoio de republicanos locais importantes, como o senador estadual Robert Cowles, do ex-prefeito republicano de Waukesha, um dos maiores redutos do Partido Republicano no estado.
Nesta eleição, são sete os estados que estão no foco: Pensilvânia, Geórgia, Carolina do Norte, Michigan, Wisconsin, Nevada e Arizona. O que cada representa para as campanhas?
Esses estados são os verdadeiros campos de batalha desse ciclo eleitoral. Pensilvânia é considerada decisiva em razão de seu expressivo número de delegados e por ser um estado que tem oscilado, ora entregando seus votos do Colégio Eleitoral para o candidato do Partido Democrata, ora para o candidato do Partido Republicano.
Geórgia e Arizona são novos estados-pêndulos. Em 2020, votaram a favor de Biden, desviando de seus históricos apoios republicanos. J
á Michigan, Wisconsin e Nevada são estados que os democratas precisam manter para assegurar a vitória. Por fim, a Carolina do Norte, que apesar de sua tendência republicana, está disputa acirrada por conta da presença de eleitores jovens e de minorias. Por isso as equipes das operações de campo foram acionadas.
Mas há um apelo maior na Pensilvânia. Pode nos detalhar por quais motivos?
Então, além do número expressivo de delegados no Colégio Eleitoral, a Pensilvânia é um estado que combina áreas urbanas e suburbanas que se inclinam para o lado dos democratas e suas agendas, e áreas rurais e alguns bolsões de cidades interioranas, que identificam mais com os republicanos e suas respectivas agendas. A economia e a questão do emprego são centrais na disputa, e Harris está tentando maximizar o apoio nas cidades de Filadélfia e Pitsburgo.
A gente deve notar que a candidata democrata concentrou seus esforços justamente em áreas do estado em que houve um voto anti-Trump (quando os eleitores votaram por Nikki Haley nas primárias). Ou seja, ela estava tentando convencer os republicanos moderados ou hesitantes, que não gostam particularmente de Trump, a votar nela.
A economia, especialmente a indústria siderúrgica e o setor de energia, é uma questão que é levada em conta pelos candidatos. Mas eu creio que é preciso levar em conta outras questões, além da questão econômica, que podem induzir o voto. Eu acredito que a tendência suburbana em direção aos democratas na área da Filadélfia está de fato relacionada aos níveis educacionais.
O fato é que o comportamento de voto ficou mais difícil de se compreender. Quando eu faço uma pergunta para um eleitor comum nas ruas de uma forma despretensiosa, por meio de conversas sobre amenidades, eu percebo realmente que o comportamento de voto depende da questão econômica – sim, todo mundo tem ojeriza da inflação – mas também depende da escolaridade, da região geográfica, do gênero e da religião. Tendo isso em mente, a gente consegue entender por que um vendedor de loja de origem hispânica e seu colega afro-americano religioso acreditam que o melhor candidato possa ser Trump, enquanto duas estudantes universitárias, com essas mesmas características étnicas e sem religiões assumidas, apoiam pautas mais progressistas.
Do mesmo modo, a gente consegue compreender por que um trabalhador branco de Atlanta e um motorista de aplicativo, imigrante do norte da África, escolheriam votar em Trump. Por outro lado, uma trabalhadora hispânica e sua colega afro-americana que necessitam de cuidados com os filhos podem notar a utilidade do voto nos democratas.
Trump e seus estrategistas de campanha já perceberam isso. Não tende a ser casual que ele tenha focado na obtenção de apoio das minorias que tradicionalmente votariam nos democratas. Nesta eleição, o problema para os democratas é que os eleitores hispânicos e os afro-americanos e até mesmos os imigrantes mais recentes estão atribuindo apoio aos republicanos.
Somente no Arizona e Geórgia onde Trump está na frente de Harris. No restante, ambos aparecem tecnicamente empatados. Porém, em 2020, Biden ganhou nesses locais. O que pode explicar essa mudança? Por que Harris não está conseguindo avançar nesses locais que os Democratas ganharam há quatro anos?
Bem, o fato é que o Partido Republicano possui uma base forte nesses estados, especialmente entre eleitores conservadores. Em 2020, Biden venceu na Geórgia, que lhe atribuiu os seus 16 votos no Colégio Eleitoral. E os democratas acreditavam que o crescimento das populações de minorias nas áreas urbanas e suburbanas do estado, especialmente em Atlanta, seria um fator favorável a eles.
Com efeito, Harris focou nesse público e na conquista dos eleitores dessas áreas. Mas, como comentei na questão acima, o atual comportamento de voto desafia as teses tradicionais amparadas no marcador econômico. E acredito que um outro problema que enfrentou a democrata é que ela teve um tempo relativamente curto para se mobilizar com mais efetividade.
De fato, o que importa é quem vai votar sejam aqueles que se planejaram para votar antecipadamente, sejam aqueles que vão votar no dia 5 de novembro.
E do contrário também. Trump, em 2020, ganhou somente na Carolina do Norte, local agora que eles estão empatados. Há maior apelo pelos democratas nesse estado e uma repulsa aos republicanos?
Dá para fazer uma leitura sobre as tendências nesse estado com as mesmas lentes que olhamos os demais estados-pêndulo acima. A questão da educação e do desenvolvimento econômico juntamente com um trabalho efetivo com o objetivo de arrastar o eleitor às urnas deverá definir a eleição por ali.
Por fim, há uma tendência maior de vitória a Trump do que Harris?
Não se pode prever isso, pois, de fato, estamos diante de um ciclo eleitoral muitíssimo acirrado. Dado que a decisão eleitoral nos Estados Unidos é conduzida pelo Colégio Eleitoral é possível que aconteça novamente aquela coisa bizarra de um candidato vencer no voto popular e perder no Colégio eleitoral.
O que eu vejo é uma grande preocupação entre os democratas. As sondagens mostram que os dois candidatos estão muito próximos um do outro em vários estados, e os democratas estariam mais tranquilos se a vantagem de Harris fosse maior.
Lembremos novamente que Hillary Clinton ganhou no voto popular, mas não assegurou a Presidência de acordo com o resultado do Colégio Eleitoral, e Joe Biden assegurou a Presidência, mas foi por margens menores do que as pesquisas previam. Espero que a inteligência das mulheres seja a grande vencedora. A saber!