Uma interessante análise de Ferran Brunet, da Universidade Autônoma de Barcelona, dá um bom panorama do que pode ocorrer com o Rio de Janeiro, cidade-sede das Olimpíadas de 2016. Barcelona, entre Atlanta, Sydney, Pequim e Londres, todas cidades-sedes depois da espanhola, talvez seja a mais próxima do Rio, em termos de cultura e contexto.
Em “An economic analysis of the Barcelona'92 Olympic Games: resources, financing and impacts”, Brunet argumenta que a transição espanhola para a democracia iniciada em 1975 coincidiu com uma grave crise econômica que teve impactos fortes em Barcelona, como a transferência de certas indústrias para outras regiões, a estagnação da população e a baixa atividade política. Dessa forma, segundo o autor, o melhor modo de revitalizar a cidade, que proporcionou esforços conjuntos de renovação urbana e projeção externa, foi sua nomeação para sede dos Jogos Olímpicos de 1992. Entre outubro de 1986, quando foi escolhida, até o verão europeu de 1992, Barcelona “saiu da depressão para a prosperidade”.
O autor argumenta que um dado importante do sucesso foi o estabelecimento de um modelo de organização que tinha como objetivo fundamental, além daqueles do espírito olímpico, proporcionar uma ampla transformação urbana da cidade, que pudesse melhorar a qualidade de vida da população e tornar Barcelona mais atrativa interna e externamente. “Entre 1986 e 1993, Barcelona sofreu a mais dramática transformação urbana de toda a Europa”.
Em uma ação conjunta da prefeitura de Barcelona, do governo espanhol, do governo autônomo da Catalunha e dos comitês olímpicos espanhol e internacional foram criados núcleos administrativos com pessoas não-associadas à administração pública da cidade. Foram fechadas grandes parcerias público-privadas e foi feita uma separação essencial entre a gestão dos investimentos e da organização dos jogos, com pessoal especializado na administração de suas respectivas áreas.
Segundo dados da prefeitura de Barcelona, entre 1985 e 1992 – sete anos, o mesmo espaço de tempo entre hoje e 2016 -, o consumo elétrico da cidade cresceu 29,7%. Na mesma proporção aumentou o consumo de gás. A produção de lixo por habitante cresceu 56%, o volume de passageiros que entraram e saíram pelos aeroportos da cidade aumentou 66,6%, em vôos nacionais, e 119%, em vôos internacionais. Os telefonemas interurbanos cresceram 44%; e de Barcelona para fora do país, 306,2%.
Fechado o caixa das Olímpiadas, em julho de 1993, a renda gerada alcançara 1,638 bilhão de dólares e foram gastos pelo Comitê Organizador Olímpico Barcelona 1992 S.A. 1,635 bilhão de dólares, 1/3 deles via patrocinadores e outro terço gerado pelos direitos da televisão. E o restante dividido entre as várias instâncias públicas e olímpicas que participam da organização dos jogos.
Entre os gastos do Comitê, 49,9% deles foram em serviços. Com pessoal, a organização de Barcelona gastou apenas 11,2% dos recursos, e 5,1% na compra de materiais. Com isso, os investimentos na cidade feitos pelo próprio Comitê Olímpico foram 33% de suas despesas. Quanto maior for a parcela de investimentos nos gastos, maior será o legado para a cidade, comenta Brunet.
Nesse sentido, os principais focos de todo o investimento na cidade gerado pelos Jogos foram em estradas e infraestrutura de transporte, habitação, escritórios e salas comerciais, telecomunicações e serviços tecnológicos, hotelaria, construções esportivas e infraestrutura de meio ambiente.
Cerca de 32% dos projetos foram levados à frente pela iniciativa privada, um terço deles com capital estrangeiro. As áreas mais afetadas foram habitação, hotéis, centros empresariais e materiais de transporte. Investimentos públicos e de estatais contribuíram com 67,3% do total das atividades em torno dos Jogos.
Alguns problemas apontados mais diretamente foram o aumento do custo de vida em 20% entre 1983, quando foi anunciada a candidatura, e 1992. A forte elevação das transações em dólares causou também pressão sobre o câmbio, e foi estabelecida uma referência cambial específica para os negócios em dólares envolvendo os Jogos Olímpicos.
Com relação aos custos dos Jogos e seu financiamento, uma distinção foi feita entre as despesas com organização e aquelas investidas em projetos. As últimas foram produto de investimentos diretos e indiretos na cidade e investimentos induzidos pelo evento, que, novamente, deixam um legado para a população e a região. Com isso, o custo real das Olimpíadas representou apenas 14,5% de todo o orçamento. Por outro lado, 85% do gasto total com os Jogos Olímpicos de 1992 foram investimentos em Barcelona.
O estudo deixa claro que Jogos Olímpicos podem ser bons ou ruins para a cidade. Tudo depende de como será organizado e quais são seus objetivos. A experiência de Barcelona mostra, por exemplo, que é preciso manter baixas as despesas com a organização e privilegiar os investimentos, buscando qualidade, para que o benefício à cidade seja duradouro.
Seremos nós capazes?
Arthur Ituassu é professor do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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