Em 20 de abril passado, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, acendeu
um pavio que pode levar a uma explosão social em seu país: enviou ao
parlamento um projeto de lei que proíbe o uso da burca, a vestimenta
adotada por mulheres muçulmanas que cobre o corpo inteiro. Se aprovada,
a medida valerá para todos os espaços públicos, o que inclui as ruas,
claro.
A polêmica cresce a cada dia e seus prós e contras estão sendo
amplamente discutidos nos órgãos de comunicação. O tema, porém, não
envolve apenas o direito de se vestir de uma determinada maneira ou os
limites do Estado laico sobre as crenças particulares de seus cidadãos,
mas a própria imigração e o quanto a cultura estrangeira foi assimilada
ou não naquele país.
“Ajo em nome da dignidade da mulher”, diz Sarkozy. No lugar de aplaudi-lo, tal postura soa, para mim, como um revivalde Joana d’Arc: em detrimento do diálogo, ele decidiu caçar os infiéis,
custe o que custar, impondo sua crença (no caso, o Estado laico
ocidental) contra a dos demais. Sim, liberdade, igualdade e
fraternidade são três palavras muito caras aos franceses. Mas elas
podem ser interpretadas a partir de muitos pontos de vista, que não
necessariamente são inclusivos.
Como já havia alertado aqui, ao impor a proibição da veste muçulmana, o
país não resolve a questão: apenas joga para o âmbito do privado a
suposta opressão das mulheres islâmicas. Não duvido que, sem poder
circular pelas ruas, essas mulheres acabem ficando em casa porque não
podem mais caminhar livremente com sua vestimenta, seja ela uma opção
ou não. Pior: e se a comunidade muçulmana decide rechaçar aquelas que
seguirem a nova lei, o Estado francês irá intervir aí também?
Provavelmente não.
No trânsito
Ao que tudo indica, o mero fato de a proposta ter ido a público já vem
desnudando preconceitos antes escondidos. Por exemplo: assisti a uma
reportagem sobre um policial rodoviário que aplicou uma multa numa
jovem por dirigir usando a burca. Argumentação? Bem, ele achou um
artigo do código de trânsito que diz que o motorista não pode ter nada
que impeça seus movimentos ao volante. E voilà!
E de que adianta isso? Não sei bem, porque a protagonista da cena
parecia absolutamente indignada. Ou seja: ao reprimi-la, o policial
apenas incitou sua revolta. Ela viu sua cultura ancestral, suas raízes,
serem confrontadas por um Ocidente que, desgovernado, atropela e se
impõe aos demais. Nenhuma reflexão sobre sua condição social, apenas
ódio que leva ao extremismo. Um extremismo que nada mais é do que uma
resposta ao outro lado, também radicalizado.
PS: Antes que digam que a guerra da França contra a Inglaterra nada tem
a ver com essa questão, registro que o que salta aos olhos em Joana
d'Arc é sua suposta vocação de enviada por Deus. Além disso, a guerra é
uma atitude hedionda em qualquer circunstância, e remete ao
enfrentamento direto e violento contra o outro.
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