O novo governo de coalisão do Reino Unido, formado pelo Partido
Conservador e pelo Partido Liberal Democrata, anunciou na segunda-feira
(24/5) um pacote inicial de cortes de despesas para fazer frente ao
enorme déficit orçamentário de 156 bilhões de libras esterlinas, mais
de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) do país.
As medidas ora anunciadas, embora digam respeito a cortes apenas no
valor de 6,2 bilhões de libras esterlinas, já claramente demonstram que
o exercício em questão trará sofrimentos enormes ao povo britânico,
podendo ainda aprofundar o já difícil quadro atual de recessão
econômica.
Coerente com a sua inspiração ideológica, o Partido Conservador
privilegiou os cortes implicando em reduções de gastos com transportes
públicos, educação e previdência social. Até mesmo recursos prometidos
para os jogos olímpicos de 2012, em Londres, foram descompromissados.
Depois daqueles de Beijing, mais do que nunca, os próximos jogos
olímpicos, promovidos por um país falido, prometem ser um grande
anticlimax.
Leia também:
Coreia do Sul deve crescer em 2010 com baixa inflação
Crise da Grécia atinge o euro e demonstra vulnerabilidades da União Europeia
Por outro lado, o governo britânico não anunciou cortes na área da
defesa, nem mesmo com relação ao custoso programa atômico do país, para
fins militares, que mantém inclusive uma frota de submarinos nucleares
em processo de renovação. Indaga-se o porquê de uma potência falida de
segunda categoria necessitar de uma política de dissuasão nuclear. Mais
ainda, qual o significado, dentre desse quadro, da manutenção de um
largo contingente de tropas no Afeganistão?
Os governos conservadores britânicos são tradicionalmente insensíveis
às dificuldades das classes populares. Essa insensibilidade decorre
diretamente da natureza da divisão social em classes, que privilegia
aos favorecidos uma educação privilegiada, enquanto cabe aos
desgraçados uma formação básica de baixa categoria.
Até a forma de falar é diferente. Os ricos têm uma pronúncia requintada
com vocabulário de origem latina, enquanto os pobres falam um linguajar
dialetal composto em grande parte por gírias. Os ricos jogam rugby,cricket e competem regatas, enquanto os pobres jogam futebol. Aos
ricos, a música clássica, enquanto para os pobres o rock e o rap. Aos
ricos, uma dieta de legumes, frutas e salmão. Para os pobres, as
batatas (fritas).
Para poder ter um apelo popular maior, o atual primeiro ministro, David
Cameron, ex-aluno do sistema educacional privilegiado do Reino Unido,
de natureza privada, enquanto candidato, teve que tomar lições para que
seu sotaque não agredisse demasiadamente os ouvidos das classes
populares.
Todavia, o pior da divisão de classes no país é a condenação a uma
estratificação social, mediante a qual os pobres, de uma maneira geral,
têm enormes dificuldades na ascensão de classes, permanecendo na
situação em que nasceram. Isso é assegurado em grande parte devido à
política educacional deliberadamente desastrosa.
Pois bem, ao cortar as despesas com educação, o governo de coalisão
afirma sua política de determinismo social de acordo com a qual os
miseráveis devem permanecer nesta condição. Ao cortar despesas com o
transporte público, a mesma classe é atingida, já que os banqueiros
andam de Jaguar. Ao reduzir e dificultar o acesso aos benefícios
sociais da previdência pública, mais uma vez os necessitados sofrerão,
já que os ricos têm os seguros privados.
Por último, ao apertar o cinto das classes trabalhadoras e diminuir os
gastos públicos legítimos, o governo britânico aumentará o desemprego e
diminuirá o nível, já baixíssimo, de consumo e de atividade econômica
no país. Ao fazê-lo, os britânicos ignoraram as lições de Brasil e
China, que não foram afetados pela crise por promoverem ações de
crescimento econômico mediante a prosperidade social e com o incentivo
ao consumo interno.
Pior ainda, o governo britânico anterior, do Partido Trabalhista, optou
por subsidiar pesantemente o setor bancário, colocando montanhas de
recursos públicos no buraco negro da Citylondrina. O povo está a pagar
a conta!
*Durval de Noronha Goyos é advogado especialista em direito internacional e árbitro do Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio). Artigo originalmente publicado no site Última Instância.
Siga o Opera Mundi no Twitter
NULL
NULL
NULL