Acompanhe abaixo trecho do segundo capítulo do livro O Equador é verde– Rafael Correa e os paradigmas do desenvolvimento, do jornalista Tadeu Breda. O lançamento acontece nesta quinta-feira (05/05), das 20 às 23 horas, na sede do Projeto Cala-boca já morreu – Av. Henrique Schaumann, 125, Pinheiros, São Paulo.
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Revolução Cidadã
– É aqui que o Rafael Correa vota? – pergunto a um homem de terno, gravata e óculos escuros que está parado junto ao portão do Colégio Central Técnico, em Quito. Tem a seu lado um colega vestido exatamente da mesma maneira. Dá pra ver um fone de ouvido plugado em apenas uma de suas orelhas, de onde sai um fio transparente que desce enroladinho para algum lugar dentro de sua camisa.
– Não sei – responde. Tem a expressão inconfundível de quem está cumprindo ordens.
– Na presidência me passaram a informação de que seria aqui. Só queria confirmar…
– Já disse que não sei.
É claro que sabe. Em nenhum outro recinto eleitoral do Equador há tanta agitação. Nem tanta segurança. Agentes uniformizados, seja de farda ou de black tie, se espalham por todos os lados. Muitos outros mais devem estar circulando por aí escondidos em roupas comuns. No telhado, devidamente trajados de camuflagem, caminham atiradores de elite. Muita gente está parada, esperando. Andam para lá e para cá, bebem de uma garrafinha de água, encontram a maneira mais eficiente de não se aborrecer enquanto o tempo passa. É possível ainda ver um e outro jornalista falando ao celular, testando gravadores, tomando algumas imagens dos eleitores que incessantemente entram e saem das urnas, lendo qualquer coisa ou apenas observando. O movimento aumenta e o clima fica mais carregado de expectativa conforme o relógio se aproxima das nove horas. Faz sol e um pouco, só um pouco, de calor.
Então alguém surge no meio da multidão. Acompanham-no dois assistentes. A voz alta, que por vezes se transforma em grito, não esconde o aborrecimento de quem parece já estar acostumado a executar sempre a mesma tarefa.
– Pessoal, vamos deixar essa passagem livre, por favor. A imprensa pode se posicionar aqui, junto à parede. Os demais ficam do lado de lá – ordena.
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Pouca gente lhe dá ouvidos. Quem veio votar no mesmo lugar que vota o presidente da República não quer perder a oportunidade de chegar perto, ainda que seja para xingá-lo, e os jornalistas nem pensam em arredar pé de onde estão. Daqui a pouco, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas se enfrentarão uns aos outros num divertido jogo de empurra-empurra pela atenção (e algumas palavras) do mandatário. Por isso, ninguém pretende ceder um milímetro sequer do terreno que conquistou à custa de muita espera. Até porque os políticos equatorianos nunca chegam no horário. Toda tentativa de antecipação se transforma numa luta segundo a segundo contra a paciência. Com Rafael Correa não seria diferente. Depois que o chefe da segurança presidencial conseguiu, com berros e cara feia, distribuir curiosos e repórteres pelo corredor de entrada da escola, lançou mão de um pequeno comunicador que esconde na manga do paletó e falou qualquer coisa, muito provavelmente que a barra estava limpa, porque em poucos minutos um 4×4 branco de vidros espelhados estacionaria na porta. Protegem-no viaturas da polícia e do serviço especial do exército, batedores em motocicleta, homens fortemente armados e guarda-costas.
É difícil, quase impossível, aproximar-se de Rafael Correa quando as portas do veículo se abrem. Seu sorriso debochado, o mesmo dos cartazes e santinhos eleitorais, está ao inalcançável alcance das mãos, muito perto e muito longe. Mesmo assim, a gente se aglomera mais e mais em torno da figura política do momento. El presi es pop, não há dúvidas. De nada adiantaram os esforços do agente para manter o caminho livre. Tudo se desmanchou com a chegada do mandatário, e a muvuca é geral.
Em meio à balburdia, Rafael Correa avança intocável. Zelam por sua integridade três linhas de força. Na primeira delas, em contato direto com a massa, se coloca uma meia dúzia de militares. Portam metralhadoras que repelem, sem gatilho mas com dureza, todo aquele que tenta aproximar-se um pouco mais. A segunda camada está recheada de policiais e armas na cintura. Por último, ombro a ombro com o chefe-de-Estado, um círculo de terno e gravata. Atrás dos três paredões de segurança profissional, Rafael Correa caminha tranquilo, e responde como pode às centenas de perguntas disparadas pelos repórteres que se aglomeram à sua volta, dezenas deles. As questões tratam de todos os temas e, assim como os jornalistas na briga pela melhor posição, se encavalam umas em cima das outras. Quando os braços não dão conta, a competição é para ver quem fala mais alto.
– Quem sairá vencedor, presidente? – consigo.
– O povo equatoriano e a democracia – as respostas vêm tão rápidas e pontuais como os questionamentos, mas, ao contrário destes, gritados, as palavras de Correa mal podem ser ouvidas em meio ao barulho. Algumas vezes, no entanto, o mandatário se detém para discorrer um pouco mais sobre a importância do momento:
– O Equador já ganhou porque estamos assistindo a uma verdadeira festa democrática. Todos se dirigiram às urnas com alegria, com convicção e esperança. Está em nossas mãos voltar ao passado ou continuar com a mudança, com o futuro, com a busca pela justiça.
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– E qual é o futuro da Revolução Cidadã? – emplaco outra.
– Seguir com as transformações. A pátria já é de todos e de todas – exclama.
Rafael Correa mistura seus mini-discursos e bordões oficialistas com acenos e sorrisos aos eleitores que, de longe, ovacionam sua presença. Uma delas, admiradora exaltada, aplaude efusivamente o homem que está no centro da rodinha forçuda. A emoção é tanta que a mulher se lança contra o cordão que isola o mandatário. Grita sem parar o título universitário do presidente – “economista! economista!” – e só é calada pelos safanões metálicos que a primeira linha da segurança presidencial aplica a todos que vê pela frente. Assim, só assim, Correa consegue chegar até a urna, votar em si mesmo, sorrir para as centenas de câmeras que já esperavam um sorriso seu e retornar ao carro, entre os mesmos empurrões e gritos jornalísticos que o tinham acompanhado na ida. Dali voaria a Guayaquil para acompanhar a votação da irmã, Pierina, que aparece em segundo lugar nas sondagens para o governo da província de Guayas.
Lá em cima, os atiradores de elite, ao contrário dos guarda-costas, não tiveram nenhum trabalho esta manhã. Nos registros históricos consta que apenas um presidente equatoriano perdeu a vida em pleno exercício do poder. Na segunda metade do século XIX, Gabriel García Moreno, principal bastião do conservadorismo no país, comandava um governo repressor que defendia com firmeza os valores cristãos e latifundiários. Era, para muitos, o símbolo do atraso. Talvez por isso cultivava um punhado de desafetos. Em agosto de 1875, um deles, apoiado por militantes liberais, enfiou-lhe uma faca nas costas. O golpe foi desferido quando o presidente adentrava ao Palácio de Carondelet para mais um dia de trabalho. García Moreno desfaleceu sobre o que alguns minutos mais tarde se transformaria numa poça de sangue. Morreu ali mesmo, não sem antes sacar o revólver da algibeira, executar o próprio algoz e proclamar: “Deus não morre”. Pode ser, mas em 2009 Ele não atenderia às preces da oposição, nem da mais devota.
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