O seminário
internacional que antecedeu o 4º Congresso Extraordinário do PT, realizado em
Brasília entre os dias 2 e 4 deste mês, foi palco de uma polêmica que não
chegou ao conjunto dos delegados e, ao mesmo tempo, revelou a distância que
ainda existe entre a América Latina e a Europa quando o assunto é a crise na
Líbia. Convidado ao evento, o deputado François Loncle, do Partido Socialista
francês, afirmou categoricamente seu rechaço ao termo “agressão
imperialista”, considerado por ele “antiquado”, e ao regime do
coronel Muamar Kadafi, autor de atos de terrorismo e crimes contra a
humanidade.
Apenas essas
duas observações poderiam levar o leitor a qualificar o parlamentar francês
como um defensor intransigente da ação protagonizada pela OTAN em território
líbio e que, em questão de meses, colocou no poder um exército de soldados
esfarrapados e de chinelos. Pouca gente no seminário soube que Loncle foi um dos
sete deputados da ala esquerda do PS —num universo de 200— que votou contra a autorização para o uso de
força militar francesa na Líbia.
Com
impecável tradução do intelectual Jean Jacques Kourliandsky, do Instituto de
Relações Internacionais e Estratégicas – IRIS, de Paris, a opinião de Loncle
soou como uma bomba no auditório, formado basicamente por militantes da
esquerda latino-americana, às voltas com os desafios de governos progressistas
e reiterações retóricas sobre o socialismo. Coube ao assessor de Relações
Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, repudiar, com
sua elegância mordaz e irônica, as palavras do deputado francês, o que lhe
rendeu aplausos entusiasmados da platéia.
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Para Loncle,
o que o assessor de Dilma Roussef fez foi um “jogo de cena” e,
igualmente elegante, diz que ali houve um “mal entendido” e não
necessariamente uma polêmica. Para ele, a OTAN extrapolou a autorização
concedida pelo Conselho de Segurança da ONU, que previa apenas uma zona de
exclusão aérea em torno de Benghazi para proteção da população civil. Essa
resolução, lembra ele, não teve voto contrário de nenhum país, nem mesmo do
governo brasileiro ao qual Marco Aurélio pertence.
O erro foi
confiar o mando da operação à OTAN e assim facilitar a intervenção militar
completa na Líbia. “Condeno a tendência dos países ocidentais de se
sentirem 'gendarmes' do mundo e praticar a política das canhoneiras”,
enfatiza o deputado. No que diz respeito à França, a atuação do presidente
Nicolas Sarkozy obedeceu uma necessidade política interna com duas pontas:
tentativa de resgate da sua popularidade e favorecimento do poderoso lobby militar francês. Como Paris e
Londres tem interesses comerciais muito fortes na Líbia, a saída não foi à
francesa; foi militar mesmo.
O deputado
lembra que se a América Latina, com tantos governos de esquerda e
progressistas, tivesse expressado unitariamente uma posição contrária à
intervenção militar na Líbia, o desfecho da história poderia ser outro, quem
sabe até mesmo uma saída negociada para o conflito armado com concessões de
Kadafi, a quem não poupa críticas e o adjetivo de “terrorista”.
Diante desse quadro, ele não enxerga no episódio uma “agressão
imperialista” nos moldes antigos e destaca que a diplomacia do continente
tem condições de ser forte protagonista no cenário mundial, quebrando a
polarização atual.
Para
conquistar esse papel, Loncle sugere um combate em três frentes que se
constituem nos principais problemas da região: tráfico de drogas, corrupção e
desigualdade social. Sua sugestão foi ironizada por Marco Aurélio Garcia que
preferiu espetar de volta, em espanhol: “Que cada uno cuide de lo
suyo”.
Porém, seu
olhar mais imediato está voltado para as próximas eleições presidenciais de
2012 quando espera que o Partido Socialista volte ao poder depois de três
derrotas consecutivas (1995, 2002 e 2007). Para obter a vitória, o partido terá
que mostrar unidade e sintonia com as questões econômicas atuais, sinalizando a
melhoria da vida do povo com medidas de impacto imediato. Isto significa
atenção ao emprego, salário e igualdade social desde o primeiro ano de governo.
A razão para
a certeza da vitória é aquela que não houve nas sucessivas derrotas: unidade. Depois
do fuzilamento moral do ex-diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Khan, até
então considerado favorito, seis pré-candidatos estão lançados. Loncle acredita
que a disputa interna se afunilará em dois: François Hollande,
ex-secretário-geral do PS, e Martine Aubry, sua preferida. “Ela sabe
dizer não e será ideal para um período delicado”, afirma convicto.
Indagado se Aubry não corre o risco de repetir a derrota de Ségolène Royal,
ele é taxativo ao dizer que a candidata presidencial do PS em 2007 perdeu para
uma boa campanha de marketing e um Sarkozy desconhecido.
Agora, a situação é
outra. O presidente francês, desconfia ele, precisou de uma intervenção militar
e de uma gravidez para tentar levantar sua popularidade.
*Marco Piva é jornalista especializado em política internacional
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