Pela primeira vez em muitas décadas, o Banco Mundial faz história não pela orientação ideológica e controversa de suas prescrições de políticas públicas para os países subdesenvolvidos, mas sim por apostar em um processo transparente na escolha de seu dirigente máximo. Antes, o presidente do maior banco de desenvolvimento do planeta, que administra 200 bilhões de dólares em projetos em dezenas de países, era pura e simplesmente designado pelo governo dos EUA. Agora, em resposta às crescentes manifestações por mais democracia nas instituições econômicas globais, o critério de escolha privilegiará o mérito do candidato.
Wikimedia Commons
Até o momento, três economistas e um especialista em saúde pública participam da corrida, sendo que apenas dois estão de fato no páreo. A ministra da Fazenda da Nigéria, Ngozi Okonjo-Iweala, apesar de contar com certo apoio no continente africano – tendo à frente o governo da África do Sul –, e o norte-americano Jeffrey Sachs, cujos trabalhos recentes sobre um certo indicador de felicidade das nações foram financiados pelo misterioso Reino do Butão, são completos azarões. Restam o norte-americano de origem sul-coreana Jim Yong Kim, ex-presidente da OMS (Organização Mundial da Saúde), indicado pelo governo de Barack Obama, e o elemento surpresa, o colombiano José Antonio Ocampo (foto à esquerda), em cuja base de apoio está o bloco de países emergentes liderados pelo Brasil.
Ocampo tem um currículo invejável. Professor da universidade de Columbia, nos EUA, é considerado o mais expressivo economista colombiano vivo, foi secretário-geral da Cepal e ministro da Fazenda de seu país. Para além de seu mérito acadêmico indiscutível e de uma carreira internacional meteórica – até a The Economist o descreve como o mais bem preparado dos candidatos – é verdadeiramente o único com uma trajetória ancorada em uma tradição desenvolvimentista, capaz portanto de renovar a orientação do Banco Mundial e recuperar a legitimidade perdida por décadas de políticas equivocadas.
Em suas últimas gestões, o Banco Mundial concentrou o foco de sua operação nas regiões com maior carência de desenvolvimento material do planeta. Países com economias fragilizadas no leste asiático, no bloco de países ex-comunistas, e na África sub-saariana apresentam uma relação de dependência acentuada dos empréstimos oriundos da instituição, como são os casos de Moçambique, Moldávia e, de novo, Butão. Mas a América Latina continua sendo uma região de destaque na estratégia do Banco, concentrando 35 bilhões de dólares em projetos em execução atualmente.
No entanto, o peso relativo destes empréstimos por aqui é pouco significativo, inclusive por conta do protagonismo de bancos locais de desenvolvimento, em especial o BNDES, cuja ação reduziu em muito a importância do Banco Mundial na região. Muito diferente dos tempos em que sua influência era determinante para os rumos econômicos da América Latina, dando suporte financeiro para regimes ditatoriais e subsidiando o modelo econômico que terminaria produzindo a crise da dívida dos anos 1980.
No percurso acadêmico de Ocampo, seja em sua contribuição para a história econômica da Colômbia como no debate sobre desenvolvimento fomentado durante a sua gestão na Cepal, destaca-se a defesa por um novo modelo econômico, pós-neoliberal, focado na redução das desigualdades e no uso de instrumentos heterodoxos de política econômica, como o aumento dos gastos públicos em momentos de crise.
A descrença com a ortodoxia econômica tem sido uma constante em sua obra, e não hesita em associar as seguidas crises dos anos 1990 e 2000 nos países subdesenvolvidos às reformas estruturais, de conteúdo neoliberal, dentre as quais se destacam as privatizações e a liberalização dos mercados levadas a cabo pela América Latina. Reformas preconizadas por instituições globais como o FMI e… o Banco Mundial.
Wikimedia Commons
O candidato dos EUA: Kim cercado pela secretária de Estado Hillary Clinton,o presidente Obama e o secretário do Tesouro Timoty Geithner
Este posicionamento crítico de Ocampo em relação ao neoliberalismo, ideologia que serve de fundamento para as ações do Banco Mundial, é precisamente o que dá força à sua candidatura. Ao concentrar as suas prescrições de luta contra a pobreza na dimensão individual, privilegiando políticas de oportunidades e incentivos na esfera local, os ideólogos do banco deixaram de lado os fatores macroeconômicos que são os que alimentam a pobreza de maneira mais fundamental.
A crise atual do capitalismo sinaliza para os limites desta visão. De nada adianta investir em capacitação profissional se o desemprego estrutural se mantém em patamares muito elevados. Desenvolvimento de fato é aquele que promove a justiça social, o que exige uma perspectiva de longo prazo, como alerta Ocampo. Por sinal, esta postura o manteve afastado dos últimos governos de seu país, que se opõem abertamente, para o desespero da imprensa local, à sua candidatura ao degrau mais elevado que um colombiano jamais terá alcançado em uma instituição global.
A pregação do Estado mínimo disseminada pelo FMI e Banco Mundial durante décadas colocou os países subdesenvolvidos à mercê dos choques provocados pelos mercados desregulados. A perda de credibilidade neste ideário liberal abre uma brecha para visões alternativas, como a de Ocampo, que deslocam o foco da luta da pobreza para os seus determinantes macroeconômicos, como o acesso desequilibrado aos meios de produção, em especial a terra, naqueles países que concentram o maior número de pobres do planeta.
O Banco Mundial, peça-chave no equilíbrio geopolítico entre o poder decadente dos países avançados e a força dos subdesenvolvidos, precisa ser renovado para resgatar a sua capacidade de apaziguar as tensões crescentes entre a hegemonia norte-americana e a periferia do capitalismo. Mas uma derrota da Casa Branca parece hoje muito improvável, dada a sua reticência em se curvar ao desejo da maioria. Afinal de contas, é a imposição de sua vontade que sempre fez do império um império.
Pedro Chadarevian é doutor em Economia pela Universidade de Paris, professor de Economia na Universidade Federal de São Carlos e editor do blog Outra Economia. Escreve quinzenalmente ao Opera Mundi às quintas-feiras.
NULL
NULL
NULL