O caso dos 21 africanos que ficaram quase uma semana presos em uma grade, em pleno deserto, na fronteira entre o Egito e Israel, mostra – entre muitas outros episódios ainda mais graves – a confusão que sempre existiu entre os conceitos de refúgio e asilo.
Sem pudores, grande parte dos jornalistas usa, de maneira errada, os dois termos como sinônimos. O “asilo político” é uma liberalidade do Estado – significa que um governo pode ou não dar asilo a alguém sem que, para isso, tenha que apresentar justificativas. Já o estatuto de “refugiado” é regulado por uma convenção de 1951, que estabelece, entre outras prerrogativas, que um solicitante de refúgio deve ter seu pedido analisado. E, nesse período, ele terá de ser abrigado pelo Estado que analisa o pedido, uma vez que está batendo às portas deste território.
No caso do refúgio, é preciso apresentar argumentos sólidos para que o estatuto seja rejeitado. Se o Estado que recebe o pedido de refúgio não tiver motivos suficientes para se opor à concessão do refúgio, o pedido não pode ser negado. No caso do asilo, não é assim. O Estado oferece asilo se quiser. E o nega se quiser também.
No caso do refúgio, o solicitante precisa demonstrar comprovado temor de perseguição. No caso do asilo, não necessariamente.
O refúgio tem embutida a recomendação de que o solicitante não seja devolvido ao país que o persegue, caso o pedido seja negado.
O asilo é “coisa nossa”. Nasceu e ganhou força durante as ditaduras latino-americanas. Depois, ganhou o mundo e hoje é visto, por exemplo, como um tema de debate entre Equador e Reino Unido no impasse diplomático causado em torno do criador do Wikileaks, o jornalista australiano Julian Asange.
Já no caso específico dos 21 africanos que bateram esta semana às portas de Israel, o problema pode ser mais simples. Segundo o jornal israelense Haaretz, depois de cinco dias de espera, foi permitia a passagem de duas mulheres e uma criança de 14 anos. O restante grupo – 18 pessoas, todos homens – foi orientado a retornar para o Egito.
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A Eritreia, país de origem do grupo, é um dos locais mais pobres e violentos do mundo. Dificilmente, o grupo não conseguiria demonstrar que sua situação justificaria a oferta de abrigo, de acolhida, por parte de um outro Estado – fosse asilo, fosse refúgio. (A BBC atribui a militares israelenses a informação de que o grupo tinha nenhuma comida e pouca água, o que, se comprovado, é uma brutalidade inadmissível seja lá o nome jurídico que isso possa ter).
Mas a aparente crueldade do caso não é exclusividade de um ou outro Estado malvado por definição. É, antes, conveniência.
O Brasil, por exemplo, apareceu há exatamente um ano em documentos vazados pelo Wikileaks como tendo rejeitado a proposta norte-americana de receber aqui prisioneiros liberados de Guantánamo, como um grupo de membros da etnia chinesa dos uigures. O governo norte-americano tomou o cuidado de falar em “acolhida”, não em refúgio, nem em asilo. Mas, de qualquer forma, a resposta do Brasil foi “não”.
O mesmo pode ser dito sobre a situação dos aproximadamente quatro mil haitianos que recentemente foi dar nas fronteiras norte do Brasil. Em vez de dar refúgio ou asilo ao grupo do país mais pobre das Américas – e um dos mais pobres e inviáveis do mundo – o governo brasileiro preferiu exigir visto do grupo, chamando de “visto humanitário”, mas “visto” no fim.
No campo humanitário, seja em Israel, em Guantánamo, ou no Brasil, a maioria dos Estados ainda pesa mais suas próprias conveniências do que a necessidade das vítimas.