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Opinião

A reforma da política migratória em Cuba

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Apesar de mais de 99% dos cubanos terem seus pedidos de viagem aprovados, medida inaugura nova era no país

Salim Lamrani

2012-10-31T17:21:00.000Z

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A partir de 14 de janeiro de 2013, uma nova política migratória entrará em vigor em Cuba. Esperada há muito tempo, esta reforma, que responde a uma aspiração da população, facilitará as viagens dos cubanos ao exterior. Eles já não necessitarão da famosa “Tarjeta Blanca” (Cartão branco), permissão de saída outorgada pelas autoridades a um custo de 150 dólares. Do mesmo modo, já não fará falta ter uma “carta-convite” (200 dólares) de algum um estrangeiro para deixar o país. (1) 

Para viajar ao exterior, os cubanos só precisarão de um passaporte (válido por seis anos) ao preço de 100 pesos cubanos (4€), de um visto no país de acolhida e, sem qualquer outra formalidade, dos recursos financeiros para descobrir o mundo durante dois anos em vez de 11 meses. Além deste prazo de 24 meses, as pessoas que desejarem aumentar sua estadia fora do território nacional poderão fazê-lo por meio de uma permissão concedida pelo consulado local. Também poderão voltar a Cuba e sair novamente de lá por um período similar, renovável indefinidamente. (2) 

Uma política migratória vinculada aos EUA

Ao contrário de uma ideia preconcebida, não foi o governo revolucionário que instaurou a obrigatoriedade da permissão de saída do território, em 1959. De fato, como lembra Max Lesnik, diretor da Rádio Miami, a permissão remonta a 1954 e foi elaborada pelo regime militar de Fulgencio Batista. Essa disposição foi mantida com a chegada de Fidel Castro ao poder para limitar, entre outros, a fuga de cérebros. (3)

Com efeito, com o triunfo da Revolução, os Estados Unidos utilizaram o fenômeno migratório como ferramenta para desestabilizar Cuba, acolhendo, em um primeiro momento, os criminosos e políticos corruptos do antigo regime, mas também favorecendo a fuga de cérebros. Assim, em 1959, Cuba tinha 6.286 médicos. Deles, três mil escolheram abandonar o país para ir aos Estados Unidos, atraídos pelas oportunidades profissionais que Washington oferecia. Em nome da guerra política e ideológica que a opunham ao governo de Fidel Castro, a administração Eisenhower decidiu esvaziar a nação de seu capital humano, até criar uma grave crise sanitária. (4)

A esse respeito, as pessoas altamente qualificadas e candidatas à emigração terão de obter uma autorização por parte das autoridades migratórias. O Decreto-Lei 302 prevê esse tipo de restrição para “preservar a força de trabalho qualificada para o desenvolvimento econômico, social e técnico-científico do país, assim como para a segurança e proteção da informação oficial”. (5)

Isso diz respeito particularmente aos médicos. De fato, desde 2006, o Programa Médico Cubano (CMPP), que a administração Bush estabeleceu e Barack Obama mantém, destina-se a incitar os médicos cubanos em missão no exterior a abandonar seu posto, oferecendo-lhes a perspectiva de exercer sua profissão nos Estados Unidos, privando a ilha de um valioso capital humano. (6) Até hoje, várias centenas de médicos cubanos, instalados na Venezuela, se deixaram seduzir pela oferta. (7)

Essa política faz parte da guerra econômica que os Estados Unidos praticam contra Cuba desde 1960, com a imposição de sanções extremamente severas – retroativas e extraterritoriais, ou seja, contrárias ao direito internacional – que afetam todas as categorias da sociedade cubana, particularmente as mais vulneráveis, as crianças, as mulheres, os idosos. Com efeito, os serviços médicos que os doutores cubanos realizam fora das fronteiras nacionais constituem a primeira fonte de renda da nação, antes do turismo, das remessas que a comunidade cubana radicada no exterior envia ou do níquel. (8)

Do lado dos Estados Unidos, o Departamento de Estado não deixou de criticar as restrições impostas aos profissionais da saúde, para contrariar a política norte-americana destinada a privar Cuba de seus melhores elementos, em nome do conflito que opõe as duas nações desde mais de meio século. Victorial Nuland, porta-voz da diplomacia norte-americana, reagiu a respeito: “Devemos destacar que o governo cubano não levantou as medidas atualmente em vigor para preservar o que qualifica como 'capital humano' criado pela Revolução”, lembrou. (9)

Do mesmo modo, Victorial declarou que a política migratória dos Estados Unidos em relação a Cuba não mudaria e que a lei de Ajuste Cubano seria mantida, mas pediu que os cubanos “não arrisquem sua vida” cruzando ilegalmente o estreito da Flórida. (10) No entanto, Victorial não escapa da contradição. Segundo essa legislação, única no mundo, que o Congresso norte-americano adotou em 2 de dezembro de 1966, todo cubano que entrar legal ou ilegalmente, pacífica ou violentamente, nos Estados Unidos depois de 1º de janeiro de 1959 consegue, automaticamente, ao final de um ano, o status de residente permanente e diversas ajudas sociais. (11)

Esta lei, que Havana denuncia, constitui uma formidável ferramenta de incitação à emigração dos cubanos e priva o país de uma parte de sua população ativa e qualificada. Ao mesmo tempo, obriga os cubanos a arriscarem suas vidas cruzando ilegalmente o estreito da Flórida. Em vez de outorgar um visto a todo candidato à emigração, o que responderia plenamente à filosofia da Lei de Ajuste Cubano, os Estados Unidos limitam seu número a 20 mil por ano, conforme os acordos assinados com Havana em 1994. (12) Ao mesmo tempo, Washington se nega a suspender a Lei de Ajuste Cubano, que permite aos cubanos se instalarem definitivamente nos Estados Unidos sem necessidade de visto.

Uma nova era para os cubanos

A reforma da política migratória oferece aos cubanos uma maior liberdade para viajar ao exterior, ainda que, entre o ano 2000 e 31 de agosto de 2012, de um total de 941.953 pedidos de permissão de saída do território cubano, 99,4% ficaram satisfeitos. Somente 0,6% das pessoas não conseguiram essa autorização. Do mesmo modo, não existe uma propensão particular dos cubanos para emigrar. A imensa maioria de cubanos que viaja ao exterior escolhe voltar ao país. Assim, das 941.953 pessoas que saíram do território nacional, apenas 12,8% escolheram se estabelecer no exterior, contra os  87,2% que voltaram a Cuba. (13)

De um lado, também será mais fácil para os cubanos voltar a seu país de origem. Com efeito, será suprimida a permissão de entrada, adotada em 1961 por razões de segurança nacional, em uma época em que os exilados cubanos, sob controle da CIA, multiplicavam os atos de terrorismo e de sabotagem na ilha, e quando a imensa maioria dos candidatos a viagem eram motivados por razões políticas. (14) 

Atualmente, a maioria dos cubanos que vive no exterior não é composta por exilados hostis, mas emigrantes chamados econômicos, que aspiram relações normais e apaziguadas com seu país de origem. Eles também podem voltar à ilha quantas vezes quiserem, como era o caso, mas agora economizarão trâmites burocráticos obsoletos. 

Por outro lado, a única categoria de cubanos que não estava autorizada a regressar a seu país de origem – os chamados “balseros”, que abandonaram o território nacional no início dos anos 1990, em pleno “Período Especial”, etapa que seguiu ao desaparecimento da União Soviética e que esteve marcada por graves dificuldades econômicas em Cuba, em um contexto de endurecimento da hostilidade dos Estados Unidos – poderão voltar à ilha. Também poderão voltar os médicos e atletas de alto nível que escolheram abandonar o país durante uma estada no exterior. Em janeiro de 2013, expirarão os últimos obstáculos administrativos que impedem a volta desses emigrantes. (15)

A reforma migratória cubana, que entrará em vigor em 14 de fevereiro de 2013, responde a uma aspiração nacional dos cubanos, que desejam edificar uma sociedade mais aberta, com menos restrições, e dispor de uma maior liberdade para viajar. Faz parte do processo de profundas mudanças econômicas iniciadas em 2012, que dão aos cubanos a possibilidade de serem donos de seus próprios negócios. De fato, muitos cubanos desejam emigrar temporariamente ao exterior, renuir fundos necessários e voltar a Cuba para estabelecer um pequeno negócio. Desde 2010, a cada ano, cerca de mil cubanos instalados fora do país escolhem voltar à ilha e se estabelecer nela de modo definitivo. A nova política migratória põe fim aos obstáculos burocráticos inúteis e permite normalizar pouco a pouco as relações entre a nação cubana e sua emigração. (16)

*Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor responsável por cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Valée e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se intitula Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba, Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade.

Contato: Salim.Lamrani@univ-mlv.fr.
Página no Facebook: https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel

Referências bibliográficas

(1) Decreto-Lei n°302, 16 de outubro de 2012. (site consultado em 21 de outubro de 2012
(2) Ibid.  Direção de Imigração e Assuntos Estrangeiros, “Informação útil sobre trâmites migratórios”. Ministerio do Interior da República de Cuba, outubro de 2012.
(3) Max Lesnik, “Adeus à ‘Tarjeta Blanca’”, Radio Miami, 16 outubro de 2012.
(4) Elizabeth Newhouse, “Medicina de Desastre: Médicos estadunidenses examinam a perspectiva cubana», Centro para Política Internacional, 9 de julho de 2012. (site consultado em 18 de julho de 2012).
(5) Decreto-Lei n°302, op. cit.
(6) Departamento de Estado dos Estados Unidos, “Cuban Medical Professional Parole Program” (CMPP), 26 de janeiro de 2009. (site consultado em 21 de outubro de 2012).
(7) Andrés Martínez Casares, «Cuba assume papel de liderança na luta contra o Cólera no Haiti», The New York Times, 7 de novembro de 2011.
(8) Salim Lamrani, Estado de sítio. As sanções econômicas dos Estados Unidos contra Cuba. Paris, Editions Estrella, 2011.
(9) Agência France Presse, “EUA parabenizam flexibilização da política migratória em Cuba”, 16 de outubro de 2012.
(10) Juan O. Tamayo, «Cuba muda as regras migratórias e elimina a permissão de saída», El Nuevo Herald, 16 de octubre de 2012
(11) Departamento de Estado dos Estados Unidos. “Lei de Ajuste Cubano”, 2 de novembro de 1966. (site consultado em 21 de outubro de 2012).
(12) Ruth Ellen Wasen, «Migração cubana aos Estados Unidos: diplomacia e tendências», United States Congress, 2 de junho de 2009. (site consultado em 21 de outubro de 2012).
(13) Cuba Debate, “Cuba continuará apostando em uma emigração legal, ordenada e segura”, 25 outubro de 2012.
(14) Decreto-Ley n°302, op. cit.
(15) Max Lesnik, “E os ‘Balseros’, o quê?”, Radio Miami, 16 de outubro de 2012; Cuba Debate, “Cuba continuará apostando em uma emigração legal, ordenada e segura », 25 de outubro de 2012.
(16) Fernando Ravsberg, “Finalmente chega a reforma migratória”, BBC Mundo, 18 de outubro de 2012. 

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Política e Economia

Maioria dos norte-americanos apoia restrições a armas, diz pesquisa

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Levantamento foi realizado após massacre em escola do Texas que ocorreu em 24 de maio

Redação

ANSA ANSA

Washington (Estados Unidos)
2022-05-26T21:35:00.000Z

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Uma pesquisa divulgada na última quarta-feira (25/05) aponta que a maioria dos americanos quer leis mais rígidas sobre armas de fogo.

A sondagem foi realizada pelo instituto Ipsos para a agência Reuters e chega na esteira do massacre em uma escola de Uvalde, no Texas, que deixou 19 estudantes e dois professores mortos na última terça (24/05).

O ataque foi cometido pelo jovem Salvador Ramos, que comprara as armas legalmente após ter completado 18 anos de idade.

De acordo com a pesquisa, 84% das pessoas defendem a checagem de antecedentes na venda de qualquer tipo de armas de fogo, enquanto 70% são favoráveis a leis que permitiriam o confisco de armamentos de indivíduos considerados como ameaça à segurança pública.

Fibonacci Blue/Flickr
Protesto pelo controle de armas em Minnesota, nos EUA, em 7 de março de 2018

Além disso, 72% apoiam o aumento da idade mínima para comprar armas de 18 para 21 anos. Por outro lado, apenas 35% dos entrevistados disseram estar confiantes de que o Congresso vai tomar medidas para restringir o acesso a armas.

A sondagem também mostrou que 54% das pessoas acreditam que portar uma arma é a melhor maneira de se proteger de um tiroteio, enquanto 45% apoiam que professores e funcionários de escolas básicas andem armados.

No próximo dia 11 de junho, a capital Washington deve ser palco de um grande protesto em defesa da restrição do acesso a armas de fogo, convocado pelo movimento March for Our Lives (Marcha pelas Nossas Vidas), fundado em 2018, após o massacre que deixou 17 mortos em uma escola de Parkland, na Flórida. 

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