A morte de Hugo Chávez reacendeu as escaramuças políticas típicas da internet, com todos os adjetivos a que se tem direito, à esquerda e à direita. Os críticos de Chávez se amparam na visão emanada em uníssono pela grande mídia brasileira, aquela que sempre considerou o ex-presidente venezuelano um ditador. Portanto, nada de espanto ao ler as manchetes das revistas semanais Veja, Época e IstoÉ, ainda que esta última com menos fervor religioso. Restaram a reportagem equilibrada de Carta Capital, a análise de articulistas independentes e as notícias de sites como o Opera Mundi, Fórum, Caros Amigos e Vermelho.
Agência Efe
Venezuelanos ficam até dez horas na fila para se despedir do presidente Hugo Chávez
Nas TVs, o esforço de transformar o funeral do líder venezuelano em enterro do demônio não parece ter dado resultado. Afinal, o uso da morte, em qualquer circunstância e por motivação política torpe, não costuma render em lugar nenhum do mundo. Não restou à TV Globo, por exemplo, senão registrar a emoção de um povo inteiro. Suspeito que os conchavos para a eleição do novo papa serviram como santo remédio contra a inoculação do veneno vindo das fortes imagens de uma população genuinamente comovida.
A partir daí, as perguntas são basilares, quase óbvias: como será a Venezuela sem Chávez? A Revolução Bolivariana (coloco com maiúscula porque, se queira ou não, existe um fato histórico) vai prosseguir ou a ausência do líder recolocará a disputa política na lógica bipartidária que caracterizou a democracia daquele país antes de 1999, agora com um contraponto à esquerda?
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A permanência de Hugo Chávez à frente da Venezuela não pode ser explicada apenas pelo populismo das medidas assistenciais que, a rigor, podem eleger qualquer governante que as faça, independente da opção política que tenha. Para ter sucesso em nove das dez eleições e plebiscitos dos quais participou, o ex-presidente usou seu carisma para colocar as classes populares na agenda do país e isso desbancou as elites políticas tradicionais da AD e Copei, que sempre trataram o povo como massa de manobra de seus interesses imediatos e particulares.
Resultado: nesse tempo todo, a oposição ficou sem discurso porque, afinal, nunca apostou que um projeto renovador, ainda que polêmico e por vezes contraditório, pudesse arrancar a população mais pobre de seu comodismo habitual. Mais ainda: acreditou que, elevando o tensionamento e instituindo a divisão na sociedade sob o discurso de que a radicalização vinha do lado chavista, seriam criadas as condições para a aplicação do tradicional método de destituição de um governante na América Latina, ou seja, o golpe de estado. Errou feio.
O fato é que o povo venezuelano, daqui para a frente, terá a oportunidade de julgar os efeitos práticos de uma ação política que redesenhou as estruturas de poder do país nos últimos 14 anos, agora sem a presença de seu principal mentor. A oposição, por sua vez, só poderá se colocar novamente como protagonista a partir do modelo chavista de redistribuição de renda e ascensão social, e não contra ele. Isso sem falar na necessidade de conter, mesmo a contragosto, a sede de vingança contra a figura do líder morto, o que aí sim seria um desastre completo.
Portanto, ao acúmulo da era Chávez virá o momento ou de consolidação da Revolução Bolivariana que radicaliza a democracia e incorpora as massas na condução do país ou haverá o freio de mão caso o carro da história passe ao comando da oposição, também ela obrigada a se reciclar para recuperar o poder. Uma coisa é certa: a Venezuela nunca mais será a mesma depois de Hugo Chávez Frías, 58.
*Marco Piva é jornalista especializado em América Latina.