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Houve duas condições que meu pai teve de aguentar, que precisam ficar absolutamente claras antes que alguém sequer pense em julgar meu pai e sua posição dentro do sistema nazista na Polônia: a dupla administração alemã e seu status completamente diferenciado como governador da Cracóvia [na Polônia] e como governador de Lemberg [hoje Lviv, na Ucrânia].
Essas condições, eu admito, são difíceis de entender, percebidas talvez apenas por alguém que tenha sido parte de uma subordinação absoluta a uma estrutura de comando assassina – ou que pelo menos possa imaginá-la – que transformou comportamentos desviantes em iniciativas extremamente perigosas.
(Meu avô, Josef Freiherr con Wächter lutou contra os russos contra ordens expressas na Primeira Guerra Mundial e foi recompensado com status de nobreza pela Suprema Ordem da Imperatriz Maria Teresa.)
As táticas empregadas por meu pai para resistir e perseguir objetivos humanitários consistiram em declarações ultrajantes e o uso de seu uniforme da SS em serviço. Ele pretendia mostrar sua lealdade ao regime nazista ao extremo para camuflar seus feitos como alguém o mais inofensivo possível ao sistema.
Roberto Almeida/Opera Mundi
Horst em seu castelo na Áustria, durante entrevista a Opera Mundi
A dupla administração na Polônia sitiada significava que a polícia e a SS estavam dispensadas logo após a instalação do Governo Geral, e suas responsabilidades subsequentemente aumentariam até que elas formaram um corpo independente fora do Governo Civil, a ponto de existirem praticamente duas administrações interferindo uma na outra. Assim, as possibilidades de meu pai exercer influência nesses assuntos se tornaram sucessivamente menores até que deixaram de existir. Ainda mais importante é que seu grau hierárquico de General da SS era puramente honorário, conferido a ele por Heinrich Himmler [comandante-geral da SS] para torná-lo seu dependente.
Sobre seu papel duplo como Governador, na Cracóvia ele tinha Hans Frank, o onipotente Governador Geral e seu superior no [Castelo de] Wawel [sede do Governo Geral Alemão na Polônia invadida]. Isso significava que deveria seguir ordens sem qualquer abertura para se expor.
Ele estava prestes a desistir quando recebeu um chamado para ir a Lemberg. Lá, a situação era completamente diferente; ele praticamente tinha indpendência para tomar decisões. Essa cidade, com seus três nomes: Lemberg, Lwow e Lviv. Ela foi – depois de Viena e Praga – a maior da parte austríaca do Império Austro-Húngaro, onde poloneses, ucranianos e judeus viveram juntos por séculos. Ele imediatamente começou a se inspirar nesse passado. Junto com seus amigos, dr. Ludwig Losacker e Otto Bauer, ele pode realizar suas ideias, mesmo que elas estivessem além de assuntos administrativos, desde que fora da esfera da SS.
Em vez de “jogar uma cortina de fumaça” na história, eu quero expor dois momentos precisos em sua biografia, em que suas palavras foram tomadas como evidências de seu caráter perverso, enquanto suas intenções e seus feitos continuam às escuras.
Durante a sessão de governo no dia 20 de outubro de 1941, em Cracóvia, ele camuflou uma tentativa de melhorar as condições dos judeus – em um momento em que uma simples declaração em favor dos judeus teria causado uma degradação imediata. O protocolo diz: “Sobre a solução encontrada para os distritos residenciais judeus de Cracóvia [a criação do gueto], o governador mencionou que, de acordo com a visão que seria seguida aqui em Cracóvia, o judeu deverá ser forçado a se recompor.”
No entanto, o protocolo termina com o seguinte: “O governador aponta, contudo, que uma solução radical à questão judaica é inevitável e que nenhuma consideração de qualquer tipo – como certos interesses artesanais – possa ser feita.”
O Wikipedia toma isso como prova de que meu pai foi a favor do extermínio de judeus em câmaras de gás, quando ele não tinha quaisquer meios de influenciar o destino final dos judeus, que era o Geheime Reichssache – assunto secreto do Reich inteiramente assumido pela SS.
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Na sessão de governo do dia 17 de fevereiro de 1942 em Cracóvia, Friedrich-Wilhelm Krüger, o mais alto líder da SS no leste estava presente. Ele já havia iniciado as expulsões em Zamość, no distrito de Lublin [na Polônia], e estava pronto para expulsar também a população de Lemberg para iniciar a colonização alemã lá.
Meu pai se posicionou e disse algo que nada a tinha a ver as tarefas do Governo Civil, em um assunto que ele não tinha qualquer direito em interferir: “Estou convencido que uma colonização em larga escala durante a guerra na Galícia não pode ser levada a cabo porque não temos uma massa de colonos.” Ele concluiu que, “de qualquer forma, depois da vitória, continuaremos sem amarras.”
Essa declaração é tomada como prova de que ele queria somente adiar a colonização e não tinha qualquer intenção de proteger a população. Ao contrário do entendimento corrente, Krüger imediatamente viu a intenção de meu pai: “Você pode vestir o uniforme de um Líder da Brigada SS, no entanto você nunca cumpriu suas tarefas guiado pelo princípio de ser um membro da SS.” Na verdade, depois dessa intervenção do meu pai e das experiências macabras em Zamość [onde foi instalado um campo de extermínio que resultou na morte de 8 mil pessoas], Lemberg nunca foi germanizada.
Em vez disso, ele obteve sucesso ao envolver ucranianos na luta contra os soviéticos, uma intervenção que, se feita antes e em larga escala, teria tido um impacto tremendo no destino da guerra.
“Não teria resultado no que resultou” – como escreveu minha mãe em seu diário no dia 12 de abril de 1945, um mês antes do colapso final do regime nazista – “se as cabeças tivessem só um pouco mais de cérebro.”
Um terceiro momento crucial na biografia de meu pai existe, um ato de sublime coragem, em que sua intervenção deveria ser vista como uma viagem suicida. Para o momento, não vou entrar em minúcias – aqueles que se interessarem vão entender o que quero dizer.
Deixe-me acrescentar uma declaração final sobre a igualdade dos homens:
As pessoas foram as mesmas em toda a história: sempre houve as boas e más, as estúpidas e as inteligentes.
Somente as circunstâncias mudam; e elas eram totalmente diferentes há 80 anos. Os alemães não seguiram o sistema nazista porque eles eram maus, mas porque acreditavam que o sistema era bom e que funcionaria para o benefício de todos.