E não é que, no fundo, o então presidente Lula tinha razão?
Era possível fazer um acordo com o Irã, e ele está em marcha.
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Os que então o criticaram como se fosse um falastrão equivocado, alguém que queria se meter de pato a ganso, devem estar mordendo a língua de raiva e despeito.
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O acordo é um “work in progress”, mas nem poderia ser de outro modo. Ele cria uma situação paradoxal, para dizer o mínimo: é provisório, mas é um fato consumado. Reverte uma tendência de mais de 30 anos na região. Coloca desafios de monta para a monarquia saudita, seus vizinhos da região do Golfo Pérsico, e para o governo de Benjamin Netanyahu.
Agência Efe (26/11)
O chanceler iraniano Mohamad Javad Zarif e o presidente do país Hassam Rouhani, em reunião no Azerbaijão
Abre a porta para uma solução negociada na Síria. O secretário-geral da ONU, Ban-Ki-moon, anunciou o começo de negociação entre as partes a partir de janeiro.
Sem o acordo das potências permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha com o Irã as chances destas negociações serem de fato abertas seriam diminutas.
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No plano imediato o desafio mais dramático está colocado para o governo de Israel. Este fez uma aposta errada. Como apostou retoricamente numa derrota do Irã, ao invés da negociação de um acordo, ele é que saiu derrotado. Netanyahu criou as condições da própria derrota, apontam analistas dentro e fora de Israel (www.al-monitor.com – The Pulse of Middle-East). Ao se isolar das potências, suas aliadas tradicionais – EUA, Reino Unido, França e Alemanha –, Nethanyahu perdeu voz e assento na discussão sobre o Irã, que deverá prosseguir nos próximos seis meses. Fez uma patética viagem à Rússia, como se fosse conseguir em Moscou um apoio que não tem em Washington, nem mesmo, nesta altura, em Paris, que a princípio pareceu querer bloquear o acordo, mas acabou cedendo à sua conveniência.
Até mesmo a opção de um ataque militar – hipótese com que o governo de Israel sempre agitou – ficou mais remota. Um ataque unilateral de Israel neste momento seria um desafio sem precedentes à concertação das cinco potências do Conselho de Segurança e criaria um perigo de retaliações pelos seus inimigos tradicionais na região, e alocados bem mais perto de suas fronteiras do que o Irã, numa situação de quase desamparo internacional. Seria uma rematada loucura, para falar bem claro.
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A monarquia saudita também vê fragilizada sua candidatura à hegemonia regional no mundo árabe, que o isolamento do Irã facilitava. A formação de um eixo anti-Irã com Israel não é uma alternativa que compense a perda de poder político que a aproximação das potências com o Irã implica. Esta aproximação também diminui o poder de fogo saudita na Síria, que também apostava na solução militar para o conflito com a derrota de Bashar al Assad. Além de esta hipótese (solução militar) ter se enfraquecido nos últimos tempos devido à situação interna da Síria, ela perdeu força junto à Turquia, o que também enfraqueceu o esforço saudita.
É claro que fica no ar sempre a pergunta de como estes agentes reagirão no curto e no médio prazo – ainda mais se de fato as negociações com o Irã continuarem a progredir. A alternativa para Netanyahu seria apostar numa derrota dos democratas e na subida de algum falcão republicano à Casa Branca. Mas isto, no momento, é uma hipótese ainda distante. E o enfraquecimento presente dos laços entre Washington e Tel-Aviv pode afetar a relação do atual governo israelense com as associações judaicas nos Estados Unidos, que não veem com bons olhos o afastamento entre aqueles.
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O acordo também terá consequências internas para o Irã. O alívio, mesmo que parcial, das sanções econômicas é uma vitória para o presidente Hassan Rouhani – e também para o chanceler Mohamad Javad Zarif. Definir qual o tamanho da vitória dependerá da reação dos grupos e tendências mais sectárias dentro do país e da acomodação do governo frente ao poder do Conselho dos Aiatolás, e a acomodação de poderes entre estes. Rouhani certamente verá seu prestígio crescer até mesmo entre os opositores liberais a seu governo.
Entre as potências envolvidas nas negociações também haverá consequências a avaliar.
A primeira é a projeção internacional e nacional do Secretário de Estado John Kerry.
Não só ele se tornou o principal negociador do acordo (consta que a reunião decisiva se deu entre ele, Javad Zarif e Catherine Ashton, a encarregada de negócios internacionais da União Europeia, que funcionava como uma mediadora entre todas as partes), como enfrentou diretamente a ira e a retórica de Netanyahu. Que efeito isto terá na próxima eleição norte-americana ainda está ser medido. Isto não significa que ele venha a ser o candidato à sucessão de Obama, mas significa que aumenta, de um modo geral, o poder de fogo dos democratas e do próprio presidente, que no passado recente vinha acumulando um grande desgaste de sua imagem – também tanto nacional como internacionalmente.
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Outra presença vitoriosa neste momento é a de Vladimir Putin e seu chanceler Serguei Lavrov. Putin vem acumulando pontos no cenário internacional desde o caso Snowden, não só por conceder-lhe asilo, mas pelos sucessivos desdobramentos do caso da espionagem da NSA norte-americana e do GCHQ britânico nos outros países, inclusive na Alemanha. No momento Putin enfrenta uma complicada queda de braço com a União Europeia em torno da Ucrânia, tentando manter esta dentro de sua esfera de influência.
Por último, mas não menos importante, resta avaliar qual o impacto que este acordo e seus desdobramentos terão sobre a questão palestina. Há análises, no momento, para todos os lados, desde as que dizem que o governo de Israel vai esfriar as promessas de negociação, até as que dizem que a causa palestina sairá reforçada. Ainda não é possível ter clareza quanto a isto.
(*) Flávio Aguiar é correspondente de Carta Maior em Berlim