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Atualizada às 12h47
A Rússia é uma democracia?
SIM
O professor Vicente Giaccaglini Ferraro Jr., mestrando em Ciência Política pela Escola Superior de Economia de Moscou e Membro do Laboratório de Estudos da Ásia da Universidade de São Paulo, reuniu opiniões de pensadores russos que defendem que o país é, sim, uma democracia. Veja os argumentos abaixo:
Inúmeros cientistas políticos não consideram a Rússia uma democracia, baseando-se em critérios como falsificação de eleições, restrição à liberdade de manifestação, restrição aos direitos das minorias (movimento LGBT) e baixa concorrência política, com um partido dominante e um poder executivo extremamente forte frente ao legislativo e ao judiciário – o chamado “sistema vertical de poder”. No entanto, como pensam os acadêmicos russos que consideram o país uma democracia?
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Antes de responder essa questão é imprenscindível remetermos ao colapso da União Soviética e aos anos 1990. A Rússia passou por uma transição radical não apenas política, mas também econômica e social. A ordem do dia tornou-se estabelecer uma economia de mercado e instituir um regime democrático-liberal aos moldes do Ocidente.
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De 27 estados pós-socialistas, o país foi o único onde até o ano 2000 o poder executivo não contou com a maioria no parlamento, extremamente dividido entre reformistas e comunistas (restauradores). Nessas condições, realizar reformas estruturais não seria possível sem um executivo forte. Como agravante, a Rússia mergulhou em uma das piores crises.
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Os movimentos separatistas das etno-nacionalidades, que culminaram no fim da URSS, colocaram em risco a própria integridade da Federação Russa (vide guerras da Chechênia). Oligarcas e máfiosos constituiram verdadeiros poderes locais, corroendo, inclusive, a estrutura estatal. Nas palavras do cientista político e ex-deputado federal Sergey Markov, o país entrou numa “guerra fria civil”, ao estilo do estado hobbesiano – “todos contra todos”. Para boa parte dos russos o período de (proto)democracia liberal foi associado ao caos e anarquia.
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O fato de Putin ter sido eleito três vezesn é um indicador de que a vontade popular está sendo realizada
Com a chegada de Vladimir Putin ao poder, o país se viu dividido entre dar continuidade ao sistema então vigente ou encontrar um “novo caminho”. Favorecido por um vertiginoso crescimento econômico, que em grande parte se apoiou na alta do preço do petróleo, Putin colocou ordem no país – centralizou o poder, fortaleceu as instituições estatais, estruturou a economia, combateu parte dos oligarcas e enfraqueceu os separatismos.
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Com base em que critérios pode-se então considerar o sistema putiniano uma democracia? Para Markov e para o professor da Escola Superior de Economia, Leonid Polyakov, a resposta está na representatividade dos interesses da maioria da população. O fato de Putin ter sido eleito três vezes, ter eleito seu sucessor, Dmitriy Medvedev, e de seu partido, o Rússia Unida, contar com mais de 60% dos votos nas eleições, é um indicador de que a vontade popular está sendo realizada.
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Markov considera que no âmbito da representatividade a Rússia é ainda mais democrática que muitos países do Ocidente, uma vez que esses exageradamente defendem a vontade das minorias. Em alusão à lei contra a propaganda homossexual nos meios de comunicação, afirma que a população russa “não quer que as suas crianças sejam estimuladas a tal orientação”. Considerando o atual nível de conservadorismo na sociedade russa, apontado por diversas pesquisas de opinião, o Partido Rússia Unida estaria de fato cumprindo com o papel de representar a opinião de seus eleitores.
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Leonid Polyakov, cientista político e professor da Escola Superior de Economia de Moscou, compara o sistema russo a um regime parlamentar monárquico, onde o presidente exerceria o papel de “rei”, com a diferença de que a sua legitimidade está no voto e não na hereditariedade. Ele estaria acima dos três poderes, atuando como um moderador. Para o acadêmico, o problema da Rússia está exatamente no excesso de representatividade. Uma vez que em uma democracia os políticos são constrangidos pelo voto e, consequentemente, pela satisfação dos anseios da população, Putin estaria abrindo mão de tomar decisões impopulares favoráveis à modernização econômica.
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Na direção de Polyakov, Sergey Markov considera que a democracia pode funcionar adequadamente apenas em estados onde o problema da pobreza e da segurança estejam resolvidos. Segundo ele, na União Soviética não havia “democracia política”, mas em contrapartida havia “democracia social”, todos contavam com acesso a níveis elementares da educação, saúde e moradia.
Na lógica maquiavélica de que “os fins justificam os meios”, Putin teve que tomar medidas mais duras em alguns momentos, como a abolição das eleições diretas para governador em 2004. No entanto, a medida que a herança dos anos 1990 vem sendo superada, pode-se falar em liberalização. A restituição das eleições diretas em 2012 é mencionada como um dos indícios nesse sentido. Em 2006, aproximadamente 37% da população considerava a Rússia uma democracia, “ao menos em parte”, enquanto que em 2012 o número subiu para 48%.
Nas palavras de Markov: “Diante da catástrofe social e da anarquia dos anos 1990, as instituições entraram em colapso. Nesse cenário, surgiu uma liderança que começou a trabalhar no lugar das mesmas. Pode-se afirmar, então, que o papel de Putin está acima dos instituições estatais.”
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