Estão sendo dados passos no caminho da paz no País Basco. Passos estes, porém, dados apenas por um dos lados envolvidos no chamado Conflito Basco. A Esquerda Nacionalista Basca, ou Esquerda Abertzale, tem tentado construir pontes e acenado constantemente ao governo espanhol, mas em troca tem recebido ameaças, descrença e ilegalizações.
Após diversos anúncios por parte da ETA, grupo de libertação que atua ha mais de 50 anos na região, dentre eles da deposição das armas e de cessar-fogo permanente, agora foi a vez do EPPK, coletivo de presos políticos bascos, anunciar a intenção de dialogar com o governo e, para isto, deu passos concretos.
Após uma manifestação em Durango, na região de Bizkaia, no meio da semana, 63 ex-presos da ETA, e membros do EPPK, em liberdade (uma parcela de presos políticos foi recentemente libertada após a derrogação da Doutrina Parot, mas 527 ainda permanecem presos na Espanha e França) tornaram público um documento no qual reconhecem os “danos multilaterais” do Conflito Basco, abrindo caminho para o reconhecimento que não apenas o Estado, mas também a luta armada causaram danos e sofrimento.
E foram além, afirmando que, baseados em decisão coletiva, iriam buscar saídas individuais para a redução de suas penas e para que possam ser transferidos para cadeias mais próximas do País Basco. Em outras palavras, a declaração do EPPK dá luz verde para que os presos possam aceitar benefícios penitenciários de forma individual, algo que até o momento era considerado ato de traição e passível de expulsão do coletivo.
Esta declaração foi vista por muitos analistas como a aceitação por parte do coletivo de presos políticos do sistema penal espanhol e uma forma de pressionar o governo, hoje nas mãos do Partido Popular, de ideologia próxima ao Franquismo, a dialogar.
Ou, ao menos, é uma demonstração por parte do coletivo de presos políticos de sua intenção de reconhecer os danos causados e embarcar no irreversível processo de paz que vem se desenhando no seio da sociedade basca já há alguns anos. Independentemente dos esforços (ou da falta deles) por parte do governo espanhol no processo de paz, a própria sociedade basca tem avançado no processo, através de uma autocrítica e de uma análise ampla de sua história e do momento político atual.
Wikimedia Commons
Por parte do governo espanhol permanece a negativa do diálogo, a intenção de manter a pressão e a repressão, pese o rechaço da sociedade basca e de setores da sociedade espanhola a esta atitude.
De acordo com os dados de uma pesquisa do DeustoBarómetro Social de dezembro de 2013, feita pela Universidade de Deusto, quase 90% da população exige o fim da violência e mais de 60% quer que as vítimas de ambos os lados do conflito sejam reconhecidas e reparadas; enquanto 55% da população pede a abertura de um diálogo entre o governo e a ETA, ao passo que mais de 50% defendem um processo de reinserção social dos presos políticos.
NULL
NULL
Em relação aos esforços por parte do governo central de Madri para o andamento do processo de paz, mais de 70% da população basca vê como negativa a posição de se negar ao diálogo, assim como quase 80% da população avalia negativamente o papel do PP no processo.
Como se vê, tanto através de pesquisas, quanto nas ruas do País Basco, a população local exige que partidos e governos se comprometam a um processo de paz dialogado, mas até o momento apenas um dos lados do conflito tem se mostrado disposto a ceder.
Aguarda-se ansiosamente um comunicado oficial dos membros remanescentes da ETA nos próximos dias, tendo em mente que até o momento, a Esquerda Abertzale tem agido sempre com o objetivo de evitar rachas e excisões no movimento. Desde a prisão de Arnaldo Otegi e outras lideranças bascas enquanto buscavam a fundação de uma nova força nacionalista, chamada Bateragune, em 2009, para mediar o diálogo entre os diversos grupos que compõem o Movimento de Libertação Nacional Basco (ETA, EPPK, Coletivos Sociais diversos e coletivos de jovens, núcleos sindicais, etc), o diálogo no seio do movimento tem sido incessante e acalorado.
E, até o momento, não foram detectados rachas significativos que possam colocar em perigo a trégua da ETA ou o caminho do diálogo entre as diversas partes envolvidas. É preciso notar que a declaração última do EPPK significa o reconhecimento dos danos causados pela violência, mas, segundo críticos, está longe de representar um pedido de perdão ou de arrependimento. E não poderia ser diferente.
Por parte do governo espanhol, só há diálogo caso a ETA reconheça ter errado. Reconheça ter cometido delitos e ter sido única responsável pelo conflito que, sabemos, é resultado da opressão e repressão franquistas por décadas no País Basco e Espanha. A ETA surgiu como uma arma da cidadania basca contra Franco e as políticas repressivas e de eliminação do Euskera – idioma basco – e de sua cultura, chegando a ter grande apoio mesmo na Espanha e Europa e cujos líderes como Txabi Etxebarrieta, Txiki, Otaegi e Argala foram e são louvados como heróis na luta contra o franquismo.
Com a democratização do país, a partir de meados dos anos 70, o apoio à ETA foi caindo gradualmente, ao passo que saídas dialogadas foram sendo cada vez mais buscadas por amplos setores da sociedade. A declaração do EPPK vem, então, de um processo de diálogo amplo e que se arrasta por pelo menos 30 anos, mas no momento atual conta com o aparentemente comprometimento total da ETA e da militância nacionalista.
Segundo políticos destacados do mundo Abertzale, o processo de paz é irreversível, e poderia caminhar a passos largos caso contasse com o apoio do governo central espanhol.
Em 11 de janeiro está marcada uma manifestação que, segundo seus organizadores, será a maior da história recente do País Basco. Sob o lema “Tantaz tanta, itsasoa gara” (De gota em gota, seremos um oceano), a manifestação busca elevar a voz da cidadania basca em busca da aproximação dos presos dispersos em cadeias por toda a Espanha e França, pela anistia dos presos políticos, e pelo comprometimento de toda a sociedade com um processo de paz duradouro e irreversível.